7. LIQUIDAÇÃO DA DESPESA
A despesa pública passa por três etapas: o empenho, a liquidação e o pagamento. “O empenho é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.”7 Com o empenho se destaca parte do orçamento para a realização de determinada despesa, sendo vedado o empenho de despesas que exceda o limite dos créditos orçamentários, bem como a realização de despesas sem prévio empenho.8
O simples empenho não autoriza o pagamento, que somente irá ocorrer após sua regular liquidação.9
“A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito”.10 O objetivo da liquidação é certificar se houve o implemento da condição por parte do contratado, se ele cumpriu o que foi pactuado. A liquidação visa verificar a origem e o objeto do que se deve pagar, a importância exata a pagar, e a quem se deve pagar a importância para extinguir a obrigação.11
É na fase da liquidação da despesa que o fiscal de contrato se mostra em relevo, ao atestar as medições, ao não apontar ressalvas na prestação do serviço em seus registros, ou ao apontá-las e exigir glosas nos pagamentos. Com o atesto do fiscal de contratos, a despesa pode ser devidamente liquidada e o pagamento, que é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga12, poderá ser realizado.
O registro da fiscalização, na forma prescrita em lei, não é ato discricionário. É elemento essencial que autoriza as ações subsequentes e informa os procedimentos de liquidação e pagamento dos serviços. É controle fundamental que a administração exerce sobre o contratado. Propiciará aos gestores informações sobre o cumprimento do cronograma das obras e a conformidade da quantidade e qualidade contratadas e executadas. E, nesses termos, manifesta-se toda a doutrina e jurisprudência.
Não há nenhuma inovação na exigência do acompanhamento da execução contratual. Inicialmente previsto no art. 57 do Decreto-lei 2.300/1986, revogado pela Lei 8.666/1993, que manteve a exigência em seu art. 67, esse registro é condição essencial à liquidação da despesa, para verificação do direito do credor, conforme dispõe o art. 63, § 2º, III, da Lei 4.320/1964. A falta desse registro, desse acompanhamento pari passu, propicia efetiva possibilidade de lesão ao erário. [Acórdão 767/2009 – TCU – Plenário]
Efetue o pagamento de parcelas à contratada em estrita consonância com o quantitativo de serviços e etapas medidos e efetivamente executados na obra, conforme atestado pelo fiscal do contrato e de acordo com o novo cronograma físico-financeiro a ser estabelecido. [Acórdão 1.270/2005 – TCU – Plenário]
Assim, o fiscal deve ser diligente no acompanhamento da execução do contrato, não atestando de forma desatenta a prestação do serviço, a entrega do bem, a realização da obra, pois esses atos compõem a liquidação da despesa, reconhecem o implemento da condição por parte do contratado, fazendo nascer para ele um crédito perante a Administração, permitindo a autoridade competente realizar o devido pagamento.
8. DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS E TRABALHISTAS
Segundo o art. 71 da Lei 8.666/1993, “o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato”. Assim, em uma primeira leitura do dispositivo em comento, o pagamento de salários, vale transporte, ticket alimentação, férias, 13º salários (encargos trabalhistas), contribuição para o INSS (encargos previdenciários), pagamento de impostos decorrentes da atividade do contratado, tal como imposto de renda sobre lucro, imposto sobre serviço (encargos fiscais) ou o pagamento de fornecedores de materiais para prestação de serviços de limpeza, por exemplo, (encargos comerciais) ficam por conta do contratado, que deve incluir esses custos na composição de seu preço que constarão de sua proposta para a Administração.
O §1º do citado art. 71 reforça a responsabilidade do contratado quanto aos encargos trabalhistas, fiscais e comercias, deixando claro que “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”.
Em se tratando dos casos de terceirização de mão de obra – como é típico dos serviços de limpeza, conservação, zeladoria, vigilância e segurança –, o §2º do mesmo artigo deixa expresso que “a Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.”13
Assim, com base nos dispositivos da Lei 8.666/1993, a Administração não responde pelos débitos trabalhista, fiscais e comerciais, mas responde solidariamente pelos débitos previdenciários no caso de terceirização de mão de obra, devendo, neste caso, fazer a retenção de 11% da fatura ou nota fiscal e fazer o recolhimento ao INSS em nome da empresa contratada.
No entanto, especificamente no que diz respeito aos débitos trabalhistas, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu diferente. Segundo a redação original da Súmula 331 do TST, nos casos de terceirização de mão de obra:
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.
Assim, para Justiça do Trabalho, se a empresa prestadora dos serviços terceirizados inadimplisse com as obrigações trabalhistas, a Administração Pública, desde que tivesse participado da relação processual (fosse arrolado junto com a reclamada) e constasse no título executivo, responderia subsidiariamente pelos débitos trabalhistas, ou seja, caso a empresa contratada não arcasse com esses débitos, a Administração Pública teria que quitá-los.
Pela redação original da Súmula 331 do TST, tratava-se de responsabilidade objetiva da Administração Pública, bastava a existência do inadimplemento da obrigação trabalhista, a participação da Administração na relação processual e que figurasse no título executivo para que surgisse a sua responsabilidade subsidiária pelo débito trabalhista.
O entendimento do TST era o de que o §1º do art. 71 da Lei 8.666/1993, quanto aos débitos trabalhistas, era inconstitucional, por deixar o trabalhador ao desamparo.
Entretanto, em Sessão de 24/11/2010, o STF, ao apreciar a ADC nº 16, foi pela constitucionalidade do §1º do art. 71 da Lei 8.666/1993 e pela impossibilidade da transferência consequente e automática dos encargos trabalhista, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato para a Administração Pública.
Em decorrência da decisão do STF, a Súmula 331 do TST foi alterada passando a ter a seguinte redação14:
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
Com a alteração procedida na Súmula 331, a responsabilidade subsidiária da Administração Pública passou a ser subjetiva. “Não decorre do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas”. Além de constar na relação processual e no título executivo, deverá ser evidenciada a conduta culposa da Administração no cumprimento das obrigações contratuais, “especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”.
Aqui reside a importância do fiscal de contratos. Falha na fiscalização do contrato pode atrair para a Administração a responsabilidade subsidiária para com os débitos trabalhistas.
Não é necessário que o fiscal de contrato tenha agido com dolo; basta sua culpa sentido estrito – negligência, imprudência, imperícia – na fiscalização do contrato. Assim, deve o fiscal de contrato, antes de atestar a boa qualidade dos serviços terceirizados, verificar se os salários foram pagos, se houve entrega do vale transportes, se houve pagamento de férias, dentre outros encargos trabalhistas.
Acompanhe rigorosamente o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias relacionadas ao respectivo contrato, exigindo cópias dos documentos comprobatórios da quitação dessas obrigações. [Acórdão 1525/2007 – TCU – Segunda Câmara]
No âmbito da Administração Púbica Federal, foi editada IN nº 02/2008 que traz uma relação de obrigações que devem ser verificadas nos contratos de terceirização de mão de obra.15
9. RECEBIMENTO PROVISÓRIO DE OBRAS E SERVIÇOS
Outra responsabilidade do fiscal de contratos diz respeito ao recebimento de obras e serviços, quando de sua conclusão.
As obras e serviços, segundo o art. 73, I, da Lei 8.666/1993, são recebidos em duas etapas: provisória e definitivamente.
No caso de recebimento provisório, compete ao responsável pelo acompanhamento e fiscalização do contrato receber seu objeto, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes em ate quinze dias, contado do momento em que o contratado comunica, por escrito, a conclusão do objeto.
Providencie o recebimento provisório das obras pelo responsável pela sua fiscalização, mediante termo circunstanciado assinado pelas partes, conforme determina o art. 73, inciso I, alínea "a", da Lei nº 8.666/93. [Acórdão 471/2003 – TCU – Plenário]
10. RESPONSABILIZAÇÃO DO FISCAL DE CONTRATOS.
O fiscal de contratos é formalmente designado para acompanhar a correta execução do contrato. A ele cabe anotar em registro próprio as ocorrências, propondo correções, sugerindo glosas e outras penalidades ou relatar aos seus superiores quando as medidas a serem tomadas não forem de sua competência.
Os registros do fiscal vão nortear a liquidação das despesas e autoriza o consequente pagamento. Compete a ele o recebimento provisório de obras e serviços, bem como zelar para que não recaia sobre a Administração Pública o dever arcar com débitos trabalhistas e previdenciários, oriundos dos contratos de terceirização de mão de obra.
Verifica-se, pois, que uma atuação deficiente do fiscal de contratos tem potencial para causar dano ao erário, o que atrai para si a responsabilização pela irregularidade praticada.
A negligência de fiscal da Administração na fiscalização de obra ou acompanhamento de contrato atrai para si a responsabilidade por eventuais danos que poderiam ter sido evitados, bem como às penas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei n° 8.443/92. [Acórdão 859/2006 – TCU – Plenário]
Ao atestar notas fiscais concernentes a serviços comprovadamente não prestados, o agente administrativo [...] tornou-se responsável pelo dano sofrido pelo erário e, consequentemente, assumiu a obrigação de ressarci-lo [...] [Acórdão 2512/2009 – TCU – Plenário]
A Lei 8.666/1993 deixa expresso em seu art. 82 que “os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.”
O agente administrativo incumbido da função de fiscal de contratos, que atua de forma lesiva, poderá responder por sua ação, culposa (negligência, imperícia, imprudência) ou dolosa, nas esferas civil (dever de ressarcir o dano), criminal (caso a conduta seja tipificada como crime), administrativa (nos termos do estatuto a que tiver submetido) e por improbidade administrativa.16
Caberá, ainda, a responsabilização perante o respectivo Tribunal de Contas, que poderá imputar débito ao responsável, referente ao dano causado, cominar-lhe multa e ainda inabilitá-lo para exercício de cargo ou função de confiança.17
O art. 67 da Lei 8.666/1993 traz uma salvaguarda para o fiscal de contratos: “as decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes”.
Assim, diante de uma irregularidade na execução contratual, o fiscal de contratos deve anotá-la e, não sendo de sua competência solucionar a pendência, deve solicitar aos seus superiores as providências cabíveis.
11. CONCLUSÃO
É obrigatória a designação de fiscal de contratos por parte da autoridade competente. Ao fiscal incumbe acompanhar a correta execução do contrato, anotando em registro próprio as ocorrências, tomando as providências que lhe couber para sanar as falhas detectadas e relatando aos seus superiores aquelas cuja solução foge à sua alçada.
No exercício de seu labor, o fiscal pode ser auxiliado por terceiro especificamente contratado, mediante o devido certame licitatório, mas a responsabilidade pela fiscalização do contrato ainda continua sendo da Administração.
A atividade do fiscal de contratos visa garantir a materialização dos objetivos da licitação – isonomia, proposta vantajosa para a administração, e promoção do desenvolvimento nacional sustentável – na medida em que ele deve se certificar se a proposta vencedora na licitação esta sendo devidamente executada, de acordo com o edital e os termos da própria proposta vencedora.
O fiscal de contratos também tem importância crucial na aplicação de penalidades à contratada, pois acompanha execução do contrato e anota as falhas em registro próprio, anotações essas que serão as razões de fato da motivação para eventual aplicação de penalidade ou mesmo rescisão unilateral do contrato.
Ao atestar a correta execução do contrato, o fiscal está participando da fase de liquidação da despesa, reconhecendo que houve o adimplemento por parte do contratado, fazendo nascer para o contratado um crédito perante a Administração e permitido à autoridade competente realizar o devido pagamento.
Com a alteração ocorrida na Súmula nº 331 do TST, falhas na fiscalização dos contratados de terceirização de mão de obra pode atrair para a Administração Pública a responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos débitos trabalhistas, o que aumentou ainda mais a responsabilidade do fiscal na verificação da correta execução desses contratos.
Compete também ao fiscal de contrato o recebimento provisório de obras e serviços mediante termo circunstanciado.
A gama de atividades do fiscal de contratos tem potencial para causar dano ao erário, podendo ele vir a responder civil, penal e administrativamente e por ato de improbidade administrativa, estando ainda sujeito às sanções dos Tribunais de Contas.
Por tudo quanto exposto, fica patente a necessidade de se dar mais atenção à atividade de fiscal de contratos, destacando para esse labor servidor que detenha capacidade técnica para verificar o cumprimento do objeto pactuado, disponibilizando-lhe tempo suficiente para que possa exercer a atividade de fiscal de contrato público.