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Nova modalidade de “mordaça” surge no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

Agenda 12/07/2013 às 11:45

O TJSP chancelou o entendimento segundo qual os membros do Ministério Público Especial que atua junto ao TCE não podem comunicar indícios de crimes aos demais ramos do Ministério Público; apenas o próprio tribunal poderia fazê-lo.

O físico Albert Einstein, fosse vivo, nestas últimas semanas andaria perplexo entre nós. Estaria a assistir, mesmo que não exatamente como sua inteligência do mundo gostaria de ver, um dos mais intrigantes aspectos de sua teoria da relatividade comprovado, de certa forma – o da possibilidade das viagens no tempo –, no caso, para um passado bastante distante. Em uma canetada, dada à velocidade da luz para os padrões do judiciário, o Tribunal de Justiça de São Paulo fez retroceder no curso do tempo a mais vibrante capital econômica da América Latina, fazendo-a mergulhar em trevas medievais das quais tínhamos notícias apenas nos compêndios de história e museus.

Com perplexidade vimos nascer decisão daquela corte judicial impedindo o Ministério Público de Contas de São Paulo de comunicar indícios de crimes aos ramos judiciais do Ministério Público (Ministério Público do Estado, Federal, do Trabalho e Eleitoral). Em tempos de Lei de Acesso à Informação, trata-se de um passo atrás equivalente à tresloucada iniciativa da PEC 37.

O Tribunal de Justiça paulista chancelou o entendimento do Tribunal de Contas de São Paulo de que os membros do Ministério Público Especial que atua junto àquela Corte de Contas não podem comunicar indícios de crimes aos demais ramos do Ministério Público, apenas o próprio tribunal poderia fazê-lo. O incongruente entendimento das referidas Cortes tem o condão de reduzir à condição de subcidadãos os Procuradores do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, posto que, na condição de cidadãos, poderiam fazer aquilo que agora lhes é vedado.

Medidas com alcance e pretensões semelhantes – de amordaçar o ministério público – foram recentemente tentadas em Alagoas[1] e no Ceará[2], onde rapidamente restaram sepultadas pelo Poder Judiciário, nesses lugares, mais conectado com os valores republicanos e democráticos que, pelo esforço e persistência de muitos, passam a inocular o Estado brasileiro.

A Constituição Federal em seu art. 129 estabelece:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

Referidas obrigações alcançam o Ministério Público de Contas pela via do art. 130.

De qualquer agente público é esperado o compromisso com a integralidade do ordenamento jurídico ao qual jurou obediência. Isto decorre da promessa de observar a Constituição da República Federativa do Brasil e, desta forma, todo o ordenamento jurídico que naquele diploma se nutre.

O dever de comunicar que alcança aos agentes públicos é, antes mesmo de constituir decorrência da obrigação geral de diligência que se impõe a cada um dos agentes públicos, uma consequência concreta do compromisso com a eficiência que deve ser assumido por todos os órgãos públicos.

Não faria sentido que, não obstante tendo já se revelado determinado fato ilícito em um órgão público, se impusesse ao acaso a descoberta do mesmo por outro órgão.

O ordenamento pátrio consagrou o princípio da independência das instâncias. Assim, muitas vezes, os mesmos fatos relacionados à conduta de agentes públicos podem (e devem) ser apreciados segundo perspectivas distintas e por órgãos com atribuições específicas. Estes órgãos públicos devem atuar de forma concatenada e harmônica, até mesmo como meio de otimizar a aplicação dos recursos públicos. Isto é o que se impõe para a concreção do princípio da eficiência (CF, art. 37, caput).

Deve-se ter em mente ainda que a comunicação dos fatos ilícitos ou seus indícios não representa qualquer juízo de valor por parte do agente público que o faz em relação aos referidos fatos ou aos agentes possivelmente responsáveis, mas apenas o desincumbir de uma obrigação geral de vigilância e de um compromisso geral com o bom funcionamento do Estado.

Tampouco se poderá cogitar estar sendo mitigada a presunção de inocência, para alguns, presunção de não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), que protege o agente pretensamente responsável pelo fato possivelmente ilícito.

Comunicar a possível ocorrência de um ilícito nunca afastou esta presunção de inocência. Se nem mesmo as prisões cautelares afastam tal presunção, vez que servem apenas ao resguardo de prerrogativas do Estado, a simples informação, dando conta de indícios de ilicitude a um órgão que detenha a obrigação de investigá-los, apenas confirma a presunção de inocência, pois revela a submissão do Estado aos pesados mas necessários trâmites e formas legalmente impostos para cogitar de eventual dúvida sobre a consistência desse manto presuntivo de inocência.

Assim, os fatos ilícitos (ou indícios deles) de que tomar conhecimento um agente público não podem ser ocultados ao conhecimento dos órgãos competentes, consoante as respectivas atribuições, sob pena mesmo de constituir esta omissão ato ilícito perpetrado pelo agente inoperante. Todo o ordenamento vigente repugna a omissão enquanto fato atribuível a agentes a serviço do Estado.

O art. 11, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa preconiza a sanção ao mau comportamento administrativo, levando-se em conta espécie de lesão imaterial, caracterizada pelo retardamento ou omissão na prática de ato de ofício. A respeito, Fábio Medina Osório ensina que:

Uma autoridade que deixa de prestar contas de seus atos, quando é instada a tanto, poderia incorrer nessa modalidade. Uma autoridade fiscalizadora que, vulnerando deveres elementares, “engaveta” processos de sua competência, produzindo prescrições e impunidade, sem justificação alguma, poderia estar incorrendo neste tipo sancionador. Toda e qualquer omissão, em realidade, sem justificativa razoável, pode ensejar responsabilidades, mormente quando seus efeitos são deletérios no setor público e suas causa injustificáveis.[3]

Grifei.

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A Lei 8.429/92 estabelece, em seu art. 14, que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.

Também a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347/85) possui previsão semelhante, no sentido de estabelecer a obrigação de reportar à autoridade competente fatos ilícitos de que tenha ciência:

Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.

É necessário que se atente que aquilo que para o cidadão é uma faculdade, em se tratando de agentes públicos, converte-se em obrigação, podendo inclusive a sua inobservância tipificar contravenção penal, nos termos do art. 66 do Decreto-Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais):

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;

(...)

Pena – multa, de trezentos mil réis a três contos de réis.

Também o Código Penal, ultima ratio da imposição do poder estatal, possui tipo orientado à conduta administrativa, que bem exemplifica a que ponto é rejeitada a inação de agentes aos quais são confiados interesses públicos:

Prevaricação

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Nesta linha manifestou-se a Ministra Eliana Calmon em evento ocorrido:

PLATEIA:

Sra. Ministra, complementando a primeira pergunta que lhe foi apresentada, gostaria de saber se V. Exa. entende que pode ser imputado algum tipo de responsabilidade àqueles que, de algum modo, contribuem para que informações, indícios fortes, não cheguem ao Ministério Público?

A SRA. MINISTRA ELIANA CALMON:

Sim, é crime capitulado no Código — prevaricação -, que é fazer ou deixar de fazer alguma coisa por motivo de foro Intimo. Perdemos tanto a noção, estamos com a moralidade pública tão esgarçada, que começamos, às vezes, a ter dúvidas do que é certo ou errado.

Não sabemos se devemos, efetivamente, levar adiante informações que temos, com medo de sofrer as conseqüências. Instituiu-se socialmente a chamada "Lei de Gérson": vamos nos dar bem. Se não é problema nosso, nada fazemos. Só que esse é um problema de todos. Temos, então, a figura do sujeito criador de casos, aquele que não deixa passar nada. Falamos mil coisas de uma pessoa que é absolutamente rigorosa com as informações que tem e que luta pela preservação da coisa pública, mas não se pode omitir algo de que se tem conhecimento e que pode levar o Ministério Público a uma investigação factível. [4]

A respeito dos ilícitos identificados na aplicação da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), há previsão expressa da obrigação de comunicar, que incide sobre os agentes públicos que atuam nas cortes de contas:

Art. 82.  Os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.

(...)

Art. 102.  Quando em autos ou documentos de que conhecerem, os magistrados, os membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas ou os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes verificarem a existência dos crimes definidos nesta Lei, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Os ilícitos, ou indícios deles, de natureza penal, em matéria de normas tributárias também devem ser comunicados, consoante disposição da Lei Federal nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo:

Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

A inteligência da locução “poderá”, quando aplicada aos agentes públicos impõe se promova a sua leitura como poder-dever.

Na mesma linha impõe o Código de Processo Penal estabelecido pelo Decreto-Lei n° 3689/41:

Art. 24.  Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

(...)

§ 2º Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. (Incluído pela Lei nº 8.699, de 27.8.1993)

(...)

Art. 40.  Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Também as condutas ilícitas (ou indícios delas) que não tipifiquem crimes ou atos de improbidade devem ser levadas ao conhecimento das autoridades competentes, quando delas surgirem evidências nos processos que pelo Tribunal de Contas tramitem.

A Lei Federal nº 8.625/93, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público determina que:

Art. 43. São deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:

(...)

VIII - adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo;

Não se pode olvidar da necessária submissão à ética da responsabilidade pública de todos aqueles que se dedicam ao cuidado da coisa pública, sejam eles servidores de todos os escalões, membros do ministério público ou de colegiados julgadores. Esta ética deve nortear a atuação de qualquer agente público, orientando-a no sentido da busca do interesse geral da comunidade.

Assim também, em diversas oportunidades já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

“A imputação, a qualquer agente estatal, de atos que importem em transgressão às leis revela-se fato que assume, perante o corpo de cidadãos, a maior gravidade, a exigir, por isso mesmo, por efeito de imposição ética emanada de um dos dogmas essenciais da República, a plena apuração e o esclarecimento da verdade, tanto mais se se considerar que o Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes.

Não se poderá jamais ignorar que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos – legisladores, magistrados e administradores – são responsáveis perante a lei e a Constituição, devendo expor-se, plenamente, às conseqüências que derivem de eventuais comportamentos ilícitos.

A submissão de todos à supremacia da Constituição e aos princípios que derivam da ética republicana representa o fator essencial de preservação da ordem democrática, por cuja integridade devemos todos velar, enquanto legisladores, enquanto magistrados ou enquanto membros do Poder Executivo.

(…)

Os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo - que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos - sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos cidadãos”.[5]

“A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.

O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais.”[6]

“O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República reconhece e assegura aos cidadãos”.[7]

Sustenta Garcia de Enterría[8] que a confiança pública dos governados nos governantes ou administradores (inclua-se aqui aquela parcela de agentes públicos aos quais foi confiado o controle externo da administração pública) é uma das chaves do sistema democrático contemporâneo.

Ninguém em sã consciência poderá deixar de reconhecer que há interesse público em que condutas dissonantes com a legalidade, com a moralidade e com a ética profissional sejam levadas às instâncias adequadas para fins de sua aferição.


Da tempestividade da comunicação como meio de evitar a prescrição

Discute-se sobre quando devem os agentes públicos promoverem a comunicação aos órgãos competentes das irregularidades que lhe chegam ao conhecimento, e que não estejam no âmbito de atuação das atribuições constitucionais dos órgãos em que operam.

A prescrição é um dos fenômenos com os quais se batem todos os organismos que possuem a atribuição de defender a ordem jurídica.

Não se pode olvidar ainda que a preservação do Erário e dos valores que orientam o regime público de administração exige agilidade para que sejam estancadas, tão logo descobertas, práticas que direta ou indiretamente a eles se revelem perniciosas.

A propósito do tema, no III Fórum Nacional de Procuradores do Ministério Público de Contas, ocorrido na cidade de Curitiba, firmou-se o seguinte enunciado:

No intuito de prevenir a ocorrência da prescrição e, como medida destinada a acautelar tempestivamente a proteção do patrimônio público, devem os membros do Ministério Público de Contas, tão logo tomem conhecimento, adotar as providências necessárias para o encaminhamento direto aos órgãos competentes (Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, conselhos profissionais etc.) de documentos que revelem indícios de irregularidades.[9]

Grifei.

Na primeira Carta de Curitiba, fruto do I Fórum Nacional de Procuradores do Ministério Público de Contas, realizado na cidade de Curitiba/PR, nos dias 04 e 05 de setembro de 2003, diretriz com a mesma preocupação já se anunciava:

Constitui prerrogativa e dever funcional do Ministério Público de Contas o encaminhamento direto ao Parquet competente, tão logo tome conhecimento, de documentos que revelem indícios de irregularidades. É recomendável a celebração de Termos de Cooperação com os demais Ministérios Públicos (Estaduais e da União), nos respectivos âmbitos de atuação, a bem da efetividade dos trabalhos, evitando os malefícios da prescrição.[10]

Grifei.

Por vezes, já se discutiu em alguns tribunais de contas sobre a necessidade de que ocorra o trânsito em julgado, para apenas então promover a comunicação aos órgãos competentes de práticas ilegais que não possam ser alcançadas pelo Tribunal de Contas.

Trata-se, a toda evidência, de cuidado desnecessário e que pode inclusive fomentar a perda do poder de agir de outros órgãos do Estado, além de constituir omissão quanto ao uso do dever-poder de acautelar o interesse e o patrimônio público.

A representação após o trânsito em julgado, como preconizam algumas leis estaduais, evidencia norma de constitucionalidade duvidosa, uma vez que pode levar à prescrição em outras esferas de atuação, determinadas condutas objeto da denúncia ou representação formulada ao tribunal de contas. Trata-se de previsão legal que, fere o princípio republicano, sob o viés da indisponibilidade do interesse público, no caso o interesse público em que condutas ilícitas sejam perseguidas pelo Estado em todas as instâncias em que esta persecução pode e deve ocorrer.

Se o fato ilícito ou o indício dele revelou-se no transcurso de processo que pela corte de contas tramitava, e dele não pode o tribunal de contas ocupar-se, por falta de atribuição constitucional, é dever de todos que tiverem contato com as evidências de ilicitudes levá-las ao conhecimento da (s) autoridade (s) competente (s), o mais rápido possível.

Não há nada que permita, recomende ou justifique manter-se em segredo possíveis atos ilícitos, deixando o tempo exercer seus efeitos deletérios sobre o Poder Estatal, sob o pretexto de um encerramento “definitivo” do processo, que nem mesmo poderá exercer qualquer efeito sobre o fato irregular que somente poderia ser averiguado por outro órgão.

Ao conduzir-se desta forma, estaria a Corte obstando a atuação sobre matéria que não é da sua alçada (por falta de atribuição constitucional) e, desta forma, operando na contramão do interesse público. O trânsito em julgado administrativo na corte de contas não poderá incluir a matéria de competência de outros órgãos. É por esta razão que, aguardar o trânsito em julgado, para somente então promover a devida comunicação aos outros órgãos que também possuem competência sobre a matéria, revela-se medida absolutamente despropositada e distanciada do interesse público que deve, sempre, ser perseguido plenamente também pelos tribunais de contas.

Assim, se um órgão público tomou conhecimento de um fato ilícito (ou de indícios dele) que ultrapasse o seu âmbito de atuação, deve fazer com que este fato chegue tempestivamente ao conhecimento do (s) órgão (s) competente (s).

Em resumo, qualquer cidadão pode, e o MPC/SP deve, comunicar indícios de crimes à autoridade competente, e deve fazê-lo assim que tiver conhecimento dos referidos indícios, prevenindo tanto quanto for possível a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado. Qualquer agente público que tentar impedir este movimento natural e necessário estará praticando crime de prevaricação e obrando em favor da impunidade.


Notas

[1] Mandado de Segurança nº 2012.005858-9.

[2] Ação Popular nº 0147647-03.2013.8.06.0001 e Mandado de Segurança Coletivo nº 0000888-73.2013.8.06.0000.

[3] MEDINA OSÓRIO, Fábio. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. São Paulo. Ed. RT, 2007. p. 410-411.

[4] ALVES, Eliana Calmon. A Decisão Judicial e a Decisão do Tribunal de Contas: independência das instâncias administrativas, cível e penal. Revista Ibero-Americana de Direito Público, v.4, n.11, p. 87-95, 2003. consulta em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/1868/1/A_+Decis%C3%A3o_+Judicial_e_+a_+Decis%C3%A3o.pdf>

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 27141 MC/DF. RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 284/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO (RTJ 139/712-732)

[8] DE ENTERRÍA, Garcia. Curso de derecho administrativo. Madrid: Civitas, 2000. v.1. p.108.

[9] BRASIL. AMPCON - Associação Nacional do Ministério Público de Contas.  http://www.ampcon.org.br/notas_pub/carta_curitiba_2.htm . Acesso em 30/10/2007.

[10] BRASIL. AMPCON - Associação Nacional do Ministério Público de Contas. http://www.ampcon.org.br/institucional/carta_curitiba.htm.   Acesso em 30/10/2007.

Sobre o autor
Diogo Roberto Ringenberg

Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas - AMPCON. Procurador do Ministério Público de Contas de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RINGENBERG, Diogo Roberto. Nova modalidade de “mordaça” surge no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3663, 12 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24935. Acesso em: 22 nov. 2024.

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