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Trabalho portuário a partir do novo marco regulatório instituído pela Lei nº 12.815/13

Agenda 30/08/2013 às 13:15

Com a nova lei do trabalho portuário, o foco principal passou a ser a exploração das instalações portuárias localizadas, principalmente, fora da área dos portos organizados.

1-Introdução.

Passados vinte anos da publicação da Lei nº 8.630/93, intitulada lei de modernização dos portos, o contexto portuário brasileiro voltou a ser sacudido por mais um marco regulatório, desta vez, com a Lei nº 12.815/13. O objetivo principal é permitir que a iniciativa privada invista, desenvolva e explore novas e velhas instalações portuárias. Relativamente à mão de obra dos trabalhadores portuários pouco se inovou e praticamente foram mantidos os mesmos preceitos da lei revogada.

Nas linhas a seguir passo a fazer breves considerações sobre as principais inovações introduzidas no contexto portuário brasileiro pela recente lei.


2-Definições, contextualização e inovações introduzidas pela Lei nº 12.815/13.

Trabalho portuário é a energia humana desprendida na execução das fainas afetas à movimentação de cargas nos portos e se realiza a bordo das embarcações e/ou em terra. A estivagem[1] ou desestivagem de cargas, o transbordo[2], a peação[3] ou despeação feitas nos porões e/ou conveses das embarcações utilizando equipamento de bordo são realizadas pelos trabalhadores da Estiva. Já a movimentação de carga no costado dos navios, nos armazéns e instalações portuárias utilizando equipamento portuário, em terra, é feita pelos trabalhadores da Capatazia.

Para compreensão do trabalho portuário na forma preconizada pelo novo ordenamento legal instituído pela Lei nº 12.815/93, de 05 de junho de 2013, é imperioso saber que o porto organizado é um bem público construído e aparelhado para atender às necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, cuja área é delimitada pelo Poder Executivo e compreende instalações portuárias que podem ficar dentro ou fora da sua área. Depreende-se, então, que  a área do porto organizado compreende um complexo que não se limita somente aos berços de atracação e faixa do cais, mas toda a infraestrutura de apóio à movimentação de cargas, como pátios, armazens, vias de acesso etc.

Com o advento da Lei nº 12.815, a exploração dos portos organizados e das instalações portuárias poderá ser feita direta ou indiretamente pela União. Na indireta, a União transfere a uma pessoa jurídica a exploração mediante os instrumentos jurídicos de concessão (porto organizado), arrendamento de bem público (instalações localizadas dentro da área do porto organizado) e autorização (instalações localizadas fora da área do porto organizado).

À luz  da Lei nº 12.815/93, as instalações portuárias podem ficar dentro ou fora da área do porto organizado. Fora da área do porto localizam-se os terminais de uso privativo, estação de transbordo de carga, instalação portuária pública de pequeno porte e instalação portuária de turismo que, também, poderá ficar dentro da área do porto. Estas instalações devem ser exploradas mediante o regime de autorização, exceto a de turismo que poderá, também, ser explorada por arrendamento e a movimentação de cargas nelas realizadas será disciplinada pelo titular da respectiva instalação, observadas as normas estabelecidas pelas autoridades marítima, aduaneira, sanitária, de saúde e de polícia marítima (artigo 30 da Lei nº 12.815/13).  Aqui, a lei não faz nenhuma referência às normas de segurança e saúde no trabalho, o que não afasta a aplicação da atual Norma Regulamentadora nº 29, haja vista que o artigo 9º da Lei nº 9.719/98 dita que compete ao órgão gestor de mão de obra, ao operador portuário e ao empregador, conforme o caso, cumprir e fazer cumprir as normas concernentes a saúde e segurança do trabalho portuário.

Os Trabalhadores Portuários Avulsos (TPA) executam a movimentação de passageiros e a movimentação e armazenagem de mercadorias provenientes do transporte aquaviário ou a ele destinada na "faixa do cais", no "costado dos navios", nos armazéns, nos "conveses" e nos "porões" com a intermediação obrigatória do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) nos portos organizados e nas instalações portuárias situadas no seu interior.

A especialização e a metodologia do trabalho portuário não perderam suas características nem sofreram substanciais mudanças com a edição da Lei nº 12.815/13. As fainas de estiva e capatazia continuam com suas essências. O OGMO, criado pela revogada Lei nº 8.630/93, continua com suas atribuições na gestão da mão de obra avulsa (artigos 32 e 33 da Lei nº 12.815/13) e passou a ter, além da responsabilidade solidária com o operador portuário pela remuneração dos TPA, a responsabilidade solidária pelas indenizações decorrentes de acidentes de trabalho.

A jurisprudência trabalhista fazia uma certa confusão ao recolhecer aos avulsos o prazo prescricional previsto no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal. Com a nova lei dos portos não restam mais dúvidas. O prazo para os trabalhadores portuários avulsos reinvindicarem créditos decorrentes da relação de trabalho enquanto inscritos nos quadros do OGMO é de 5 (cinco) anos e de até 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no OGMO (artigo 37, § 4º da Lei nº 12.815/13).

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A movimentação de passageiros e a movimentação e armazenagem de mercadorias nos portos organizados devem ser realizadas por operadores portuários, que são pessoas jurídicas pré qualificadas pela autoridade portuária. Os titulares das instalações portuárias situadas fora da área do porto organizado não são operadores portuários, sendo-lhes falcutado contratar trabalhadores a prazo indeterminado, desde que observem o disposto no contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, é o que prevê o artigo 44 da entedita lei. Este artigo provavelmente trará conflitos, haja vista que a competitividade das instalações portuárias relativamente à mão de obra repousa, entre outros, no dimensionamento de suas equipes de trabalho e no valor que pagam aos seus trabalhadores, que são bem inferiores aos dos portos públicos. Os sindicatos de avulsos rechaçam tais coisas.

O trabalho portuário nos portos orgnizados e nas instalações portuárias localizadas no seu interior  pode ser realizado por avulsos ou por empregados contratados a prazo indeterminado oriundos dos quadros do OGMO. Havia divergências de entendimentos em face da interpretação do artigo 26, parágrafo único da revogada Lei nº 8.630/93 que tratava da contratação de TPA. O caput do referido artigo fazia referência a todas as atividades e o parágrafo único não fazia referência às atividades de capatazia e bloco. Tal divergência foi sanada pelo artigo 40, § 2º da Lei nº 12.815/93, ao ditar que a contratação de trabalhadores a prazo indeterminado de todas as atividades (capatazia[4], estiva[5], conferência de carga[6], conserto de carga[7], vigilância de embarcações[8] e bloco[9]) deverá ser feita exclusivamente dentre os trabalhadores portuários avulsos registrados no OGMO.  E ainda, por força do artigo 40, § 4º, as atividades acima citadas passaram a ser consideradas diferenciadas, o que representa uma conquista para os TPA, posto que a negociação dos acordos ou convenções coletivas de trabalho se dará com as representações deles, independentemente da atividade preponderante desenvolvida pelo titular da instalação portuária, esteja ela dentro ou fora da área do porto organizado.

Os portos organizados abrigam embarcações que operam não somente na movimentação de mercadorias, mas também em outras atividades como apoio portuário, militar, navegação offshore etc. Portanto, em face do emprego de algumas embarcações, das características de algumas cargas ou de quem precise movimentá-las, a lei dispensa a intervenção de operadores portuários[10] e, consequentemente, a utilização de mão de obra dos trabalhadores portuários. O artigo 28 da Lei nº 12.815/13 manteve quase a mesma redação do artigo 8º da revogada Lei nº 8.630/93 que trazia as hipóteses de dispensa de operadores portuários, entretanto, não manteve a possibilidade do interessado, quando entendesse necessário, utilizar mão de obra complementar, requisitando-a ao OGMO.

Na vigência da revogada Lei nº 8.630/93, ao se aposentar, o TPA era automaticamente excluído do cadastro ou do registro no OGMO e, consequentemente, uma vaga era aberta. De acordo com as disposições insertas no artigo 41, § 3º da Lei nº 12.815/13, a inscrição no cadastro e o registro do trabalhador portuário não mais se extinguem pela aposentadoria, mas somente por morte ou cancelamento.

Dessa forma, o OGMO passará a ter em seus quadros além de cadastrados e registrados, TPA aposentados que continuarão a concorrer às escalas de trabalho normalmente, à exceção daqueles que, em decorrência dos exames médicos realizados dentro do programa de controle médico e saúde ocupacional (PCMSO) não sejam considerados aptos para determinadas fainas que exijam do trabalhador acuidade e esforço físico que a idade não lhes permite realizar. É exemplo, o trabalho em altura na peação ou despeação de contêineres com “dois, três, quatro e até cinco de alto”[11] nos conveses de navios e o acesso à cabine de operação de guindastes que se dá por escadas de elevada altura, entre muitas outras fainas.

Para o trabalhador portuário avulso que se encontrar na condição de ser maior de 60 (sessenta) anos, não preencher os requisitos de se aposentar na forma da Lei nº 8.213/91 e que não possua meios de prover sua subsistência, a nova lei dos portos instituiu o benefício assistencial mensal de um salário mínimo que não poderá ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.   

O Decreto nº 8.033/13 ao regulamentar a Lei nº 12.815/13 institui o Fórum Nacional Permanente com a finalidade de discutir as questões relacionadas a formação, qualificação e certificação profissional dos trabalhadores portuários, principalmente, sua adequação aos modernos processos de movimentação de carga e o treinamento multifuncional do trabalhador portuário.

Compõem o fórum seis representantes do governo, três das entidades empresariais e três das entidades de trabalhadores. É muita gente. Faço votos que todas as partes coloquem pessoas que realmente conheçam o contexto portuário brasileiro e as complexas relações de trabalho nele realizadas.

Um dos “nós” a ser desatado por este fórum envolve a Marinha do Brasil, as entidades representativas de trabalhadores e OGMO, haja vista que a formação dos TPA está atrelada ao ensino profissional marítimo administrado pela Marinha que, anualmente, oferece cursos que nem sempre atendem às necessidades dos OGMO e dos TPA.

Nem todos os OGMO dos portos organizados do país têm recursos financeiros para arcarem com a qualificação profissional dos TPA componentes dos seus quadros. Os operadores portuários repassam ao OGMO 2,5% (dois e meio por cento) do montante de mão de obra[12] que estão embutidos na contribuição previdenciária para o ensino profissional marítimo. Os que defendem a formação dos trabalhadores portuários via ensino profissional marítimo se apegam na Lei nº 7.573/86 e no seu decreto regulamentador (Decreto n° 94.536/87). Em sentido contrário, o entendimento é que a revogada Lei nº 8.630/93 que criou os OGMO deu-lhes, também, a competência para promover a formação profissional e o treinamento multifuncional do trabalhador portuário, o que foi mantido e reforçado pelos artigos 32, III e 33, II, alíneas “a” e “b”, da Lei nº 12.815/13.

O Decreto nº 8.033/13 criou a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito do Sistema Nacional de Emprego (SINE), um banco de dados específico para trabalhadores portuários, com o objetivo de organizar a identificação e a oferta de mão de obra qualificada para o setor portuário, intitulado SINE-PORTO. Assim, os trabalhadores portuários avulsos constantes dos quadros do OGMO e inseridos no SINE-PORTO terão preferência no acesso aos programas de formação ou qualificação profissional oferecidos no Emprego - Pronatec, de que trata a  Lei nº 12.513/11.


3-Considerações finais.

Em 1993, quando houve a edição da Lei nº 8.630, o contexto portuário brasileiro era totalmente diferente do atual. À época, o foco principal era a mão de obra, por isso, houve fortes resistências por parte de sindicatos de avulsos, em alguns portos, para sua efetiva implantação. Ao se cotejar a Lei nº 8.630/93 com o disciplinamento do sistema portuário anterior, constata-se que foi feita uma “faxina geral” nos portos brasileiros. Agora, com a nova lei, o foco principal passou a ser a exploração das instalações portuárias localizadas, principalmente, fora da área dos portos organizados. Diversamente do passado, o cenário atual é bem propício às mudanças.  


4-Referências.

BRASIL. Lei n. 8.630, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 30/06/13

BRASIL. Lei n. 9.719, de 27 de novembro de 1998. Dispõe sobre normas e condições gerais de proteção ao trabalho portuário, institui multas pela inobservância de seus preceitos, e dá outras providências Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 18/07/13.

BRASIL. Lei n. 12.815, de 05 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. Disponível em: HTTP:// www.planalto.gov.br. Acesso em 10/07/13.

BRASIL. Decreto n. 8.033, de 27 de junho de 2013. Regulamenta o disposto na Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, e as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados e de instalações portuárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 15/07/13.

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso. Antes e depois da Lei de Modernização dos Portos. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2005.


Notas

[1] Estivagem é a distribuição e a arrumação da carga nos porões ou conveses das embarcações.

[2] Transferência de carga entre duas embarcações.

[3] Fixação da carga nos porões ou conveses da embarcação para que a mesma não se desloque ou sofra avarias com o balanço do mar. Despeação é o desfazimento da peação.

[4]Capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação,arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário;

[5]Estiva: atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo, arrumação, peação e despeação, bem como o carregamento e a descarga, quando realizados com equipamentos de bordo;

[6]Conferência de carga:  contagem de volumes, anotação de suas características, procedência ou destino, verificação do estado das mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto e demais serviços correlatos, nas operações de carregamento e descarga de embarcações; 

[7]Conserto de carga: reparo e restauração das embalagens de mercadorias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reembalagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes para vistoria e posterior recomposição; 

[8]Vigilância de embarcações: atividade de fiscalização da entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em outros locais da embarcação; e 

[9]Bloco: atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de pequena monta e serviços correlatos. 

[10] Pessoa jurídica pré-qualificada para a execução de movimentação de carga na área do porto organizado (art. 2º, XII da Lei nº 12.815/13).

[11]Expressão utilizada no empilhamento de contêineres. Dois de alto são dois contêineres empilhados, três de alto são três e assim por diante. A maioria dos contêineres transportados é de standard de 40 pés (12 metros de comprimento, 2,40 de largura com 2, 60m de altura). Ao trabalhar com quatro de alto, o que é comum, o trabalhador estará a uma altura de 10,40m (dez metros e quarenta centímetros) do convés.

[12]De acordo com os dados do OGMO (disponível em www.ogmo-rg.com.br/estat/RELATORIOESTATISTICOti2012.html), de janeiro a dezembro de 2012, somente no porto de Rio Grande/RS foram pagos aos avulsos R$ 40.658.268,05 (quarenta milhões, seiscentos e cinquenta e oito mil duzentos e cinquenta e oito reais e cinco centavos) de Montante de Mão de Obra (MMO), que é a remuneração paga, devida ou creditada ao trabalhador avulso portuário em retribuição pelos serviços executados. Ao se contemplar o MMO de todos os portos do país, teremos algumas dezenas de milhões de reais para a formação do trabalhador portuário.  

Sobre o autor
Francisco Edivar Carvalho

Professor universitário, graduado e pós-graduado em Administração de Empresas. Especialista em Direito do Trabalho. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor dos livros Empregado Doméstico (LTr 2001) e Trabalho Portuário Avulso (LTr 2005).<br>.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho portuário a partir do novo marco regulatório instituído pela Lei nº 12.815/13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3712, 30 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25182. Acesso em: 22 nov. 2024.

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