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Democídio:

massacre religioso

Agenda 03/09/2013 às 08:38

Diante do clamor popular, muitos Estados preferem matar seus cidadãos. No democídio, o adversário político é elevado à condição de inimigo do Estado.

No Egito, apenas nesta onda de violência, são milhares de mortes praticadas pelo Exército. Houve o golpe de Estado contra o presidente Mursi e, para reprimir descontentes e opositores, decretou-se Estado de Emergência e toque de recolher em várias regiões do país. Todavia, como ainda houve resistência, o governo autorizou o uso de força letal contra a população comandada pela Irmandade Islâmica. O Terrorismo de Estado buscou legitimidade legal nas ações de violência mortal e por isso ainda recorreu ao apoio estadunidense (que não funcionou). Portanto, o Egito promove democídio, além de institucionalizar a violência.

Para proteger um manter um grupo de militares no poder – sob a alegação de proteger bens jurídicos –, o Estado age para eliminar ofensas a esses direitos pretensamente defendidos. Há semelhanças com Saddam Hussein perseguindo e eliminando os curdos. Também por isso, neste conjunto, certamente, trata-se da melhor combinação possível para se caracterizar um Estado de Exceção. À diferença com o passado da Alemanha nazista é que não há genocídio, porque não se abate uma condição ou característica global do povo (como uma raça), nem sequer se procura a eliminação de todo o povo (como na solução final do Holocausto). No democídio ocorre o assassinato de uma parcela da população civil, sob a alegação de que se está em guerra. Abate-se, portanto, uma parcela do povo muito identificada a uma condição política, ideológica ou religiosa.

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Há uma relação intrínseca entre os componentes políticos e a expressão religiosa. No Egito, especificamente, falhou a construção do Estado Laico nos dois lados do poder. Na verdade, foi uma estratocracia por décadas (stratus = militar), pois, luta-se a favor ou contra a religião (o Islã) nos dois lados do poder. O Estado reprime abertamente para conter os grupos políticos considerados perigosos, nocivos. No caso egípcio, atualmente, há outra diferença em relação à Teoria Política convencional: a mudança de governo pode (deverá) implicar em transformação radical da Razão de Estado. Daí os sucessivos golpes e contragolpes. Uma vez que, em virtude deste ou daquele governo, haverá ou Estado Laico ou Teocracia.

No democídio, o adversário político é elevado à condição de inimigo do Estado, o que autorizaria sua eliminação. Porque assim, sob a justificativa de estar em guerra, procura-se uma forma de se legitimar o massacre e o homicídio como política sistemática. Alega-se que uma parte da sociedade ameaça o contrato social, mas se esquece de dizer que os contratualistas admitiam o direito de resistência ao arbítrio.

Aliás, os dois lados alegaram haver condições para invocar o direito à revolução: a) fatos condicionantes do direito de revolução: trata-se da ilegalidade e da ilegitimidade de uma situação jurídica anterior ; b) Titularidade: tem-se por titular natural a coletividade; e por titular atual, os líderes da facção dominante (vanguarda ou fração de classe); c) Conjunção dinâmica: é a energia que vincula o Direito objetivo à revolução, (faculdade de agir) à consciência política da necessidade de agir (subjetividade que lidera o anseio da transformação mais profunda); d) Vias e recursos revolucionários: pergunta-se: sempre será luta armada? Diz-se que, historicamente, sim, mas que teoricamente, não. Deve-se observar que, sob a perspectiva jurídica, somente depois de esgotadas todas as etapas de resistência, é que será posta em ação a revolução (Menezes, 1998, p. 175 e ss.) Como forma específica de se legitimar, entretanto, o Estado autocrático pratica o “adiantamento da punibilidade”, punindo-se a intenção de ser opositor e assim se forja uma juridicidade diante da teoria política repressora e prospectiva. Aplica-se a vigilância e a punição na forma de “crime de pessoa”, para que todos que se arranjem em certos esquemas político-ideológicos sejam punidos.

O resultado é a eliminação sem ter qualquer tipo de ação política que viesse a ser tipificada como grave crime contra a Razão de Estado. À diferença do passado, agora basta que se pareça ou seja estereotipado como inimigo do Estado. A conclusão geral revela que a onda de terror é propagada pelo Estado. O democídio, então, é consequência do Terrorismo de Estado, mas, contraditoriamente, a ultima ratio se manifesta em primeiro lugar.


Bibliografia

MENEZES, A. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Democídio:: massacre religioso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3716, 3 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25186. Acesso em: 22 dez. 2024.

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