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A independência e a autonomia funcional do Procurador do Estado

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SUMÁRIO:I – INTRODUÇÃO; II - PERFIL CONSTITUCIONAL DA ADVOCACIA PÚBLICA ; III – A DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DA ADVOCACIA PÚBLICA NOS ESTADOS-MEMBROS; IV - FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DA ADVOCACIA PÚBLICA ; 4.1 - Os Princípios Constitucionais; 4.2 - O Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público ; 4.3 - O Princípio da Legalidade na Administração; V – A INDEPENDÊNCIA E A AUTONOMIA FUNCIONAL DO PROCURADOR DO ESTADO COMO DECORRÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO E DA LEGALIDADE ADMINISTRATIVA; VI – CONCLUSÕES;


I – INTRODUÇÃO

Desde a Campanha das "Diretas Já", nosso País vive um processo de redemocratização que, no plano jurídico, teve como marco a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, presentemente, traduz-se nas várias "reformas", em tramitação ou já consolidadas, que o Texto Supremo vem sofrendo, em especial as relacionadas a questões administrativas, jurisdicionais, políticas e tributárias.

Tais "reformas" da Lei Fundamental, além de serem fruto do fortalecimento do Parlamento e do maior controle que a população exerce sobre a conduta das autoridades constituídas, no contexto democrático, também foram impostas pelo fenômeno da globalização da economia que demanda uma ação governamental focada no cidadão-usuário, com ênfase à flexibilização dos procedimentos e racionalização dos gastos públicos.

No que concerne, mais especificamente, ao impacto das citadas "reformas" no regime jurídico dos servidores públicos, destacam-se as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, plasmadas pela inclusão do princípio da eficiência como vetor da atividade estatal.

A partir da edição da referida "Reforma Administrativa", o Estado passa a travar uma relação diferenciada com o servidor, exigindo profissionalismo, eficiência e orientação para resultados, a fim de limitar privilégios, garantir melhora qualitativa do desempenho do setor público, pôr fim à cultura burocrática, combater o nepotismo e racionalizar o aproveitamento das receitas públicas.

Entretanto, a par disso, ao editar a Emenda Constitucional n. 19/98, o legislador constituinte reconhece que determinadas funções cometidas aos agentes públicos devem receber um tratamento jurídico especial, qualificado por um feixe mais denso de garantias e prerrogativas, para assegurar flexibilidade de gestão e agilidade aos órgãos estatais responsáveis pelo seu desempenho.

Conseqüentemente, tais atividades, designadas como "exclusivas de Estado", foram atribuídas a servidores profissionalizados, com carreiras estruturadas, autonomia e independência para atuarem em prol do interesse público.

Dentro do cenário apresentado, a proposta deste trabalho é analisar o papel dos Advogados Públicos Estaduais ou Procuradores do Estado – termos adiante empregados para designar os Procuradores do Estado e do Distrito Federal, como profissionais que exercem "atividades exclusivas de Estado", com regime constitucional peculiar, nos termos previstos no artigo 132 e § único da Constituição da República, e a incumbência de assegurar a legalidade da ação administrativa e a preservação do patrimônio público.

O trabalho de investigação proposto justifica-se pelo escopo de evidenciar os princípios da autonomia e independência funcional do Advogado Público como condição indispensável ao pleno exercício do desiderato constitucional que lhe foi confiado.

Para tanto, partimos da exegese do Texto Supremo, navegando, após, pela interpretação que os legisladores constituintes das Unidades Federadas imprimiram ao mesmo[1], inclusive com ilustrativas decisões do Supremo Tribunal Federal, todas proferidas em sede liminar, no bojo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, para, finalmente, extrair, dos princípios constitucionais implícitos, a conseqüência inelutável de que o Advogado Público deve ser dotado da necessária autonomia e independência funcional para exercer seu mister de defesa da ordem jurídica e da indisponibilidade do interesse público.

Essa conseqüência, de resto, é imperiosa para garantir a realização da Justiça – concebida pela fórmula "a cada qual segundo o que a lei lhe atribui"[2] – desígnio atribuído pelo texto supremo também ao Procurador do Estado e que consubstancia, seguramente, um anseio prioritário de toda a sociedade brasileira.

Ressalvamos, por fim, que o tema da autonomia e independência funcionais do Advogado do Estado já foi objeto de reflexão de vários estudiosos, cujas obras, inclusive, serviram de referência bibliográfica para a elaboração desta tese. Não obstante, e sem a pretensão de esgotar o tema, buscamos analisá-lo sob um enfoque diferenciado, inserindo-o no contexto das sucessivas "reformas" constitucionais, em curso ou já editadas, na tentativa de contribuir para uma mais clara sistematização da matéria.


II - PERFIL CONSTITUCIONAL DA ADVOCACIA PÚBLICA

A Advocacia Pública foi erigida pelo legislador constituinte de 1988 à Função Essencial à Justiça, ao lado da Advocacia, do Ministério Público e da Defensoria Pública, afinal, não há meio de movimentar a máquina judiciária para prestação de tutela jurisdicional sem a intervenção técnica destes entes.

Evidencia-se, assim, que para a concretização das garantias processuais encartadas no rol do artigo 5º da Lei Maior, notadamente, a inafastabilidade do controle jurisdicional (XXXV), o devido processo legal (LIV), o contraditório e a ampla defesa (LV), assecuratórias do acesso a uma ordem jurídica justa que, em última análise, confere efetividade aos direitos fundamentais da pessoa humana, é indispensável a ação dos profissionais do Direito, dotados de capacidade postulatória, referidos no Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça) do Título IV (Da Organização dos Poderes), da Constituição da República.

Não é por outro motivo, aliás, que o citado Capítulo IV, insere-se no Título relativo à Organização dos Poderes, pois as funções exercidas pelos Advogados, Promotores, Procuradores do Estado e Defensores Públicos são determinantes para viabilizar a ação do Poder Judiciário dentro do mecanismo de tripartição de funções estatais, que é princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, inclusive, com status de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III, CF).

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Ainda, a expressão "Justiça" empregada pelo legislador constituinte, para qualificar a essencialidade da função da Advocacia Pública, há de ser interpretada em acepção ampla, para significar não só a atividade típica exercida pelo Poder Judiciário, como também "a justiça abrangente da equidade, da legitimidade, da moralidade "[3], afinal, na prestação de consultoria jurídica é inegável que o Advogado Público pratica a Justiça por meio de atuação pautada pelo princípio da legalidade e moralidade administrativas.

Sedimentada, portanto, a importância da Advocacia Pública como organismo essencial à administração da Justiça, deparamo-nos com a necessidade de analisar as regras constitucionais que traçam seu perfil fundamental.

De início, é mister consignar que o artigo 133 da Lei Maior, dispõe:

"O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Tal dispositivo é aplicável aos Advogados Públicos, já que estes, a par de serem agentes públicos, não deixam de ser, primordialmente, Advogados. Nesse sentido, aliás, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, no § 1º, do artigo 3º, determina que "exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei, além do regime próprio a que se subordinam, os integrantes da Advocacia Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados e do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional."

Como se denota, além de submeterem-se à disciplina normativa dispensada aos Advogados em geral, o que lhes impõe a prerrogativa e o dever de exercerem a profissão com liberdade, sem receio de desagradar a qualquer autoridade (art. 7º, I, c/c art. 31, §s 1º e 2º, EOAB), o Advogado Público deve observar os preceitos insculpidos na Lei Orgânica da Procuradoria do Estado em que atua, desde que os mesmos lhe assegurem, evidentemente, a necessária independência, afinal, como bem assevera a Procuradora do Estado de São Paulo Mônica de Melo[4]"a peculiaridade de ter por cliente o ‘Estado’, ao contrário de reduzir a independência e liberdade do advogado público, deveria garanti-las, em respeito ao princípio da moralidade e defesa do interesse público, que torneiam a ação desse ‘cliente’ ".

Por outro lado, na qualidade de agente público, o Procurador do Estado deve obediência aos princípios constitucionais que disciplinam a atuação da Administração Pública : legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, CF).

Ademais, dada a natureza, complexidade e responsabilidade ligadas à função atribuída ao Advogado Público, este destaca-se como agente público que exerce atividade exclusiva de Estado, submetendo-se, por conseguinte, a uma disciplina jurídico-constitucional peculiar.

De fato, a par de exercer função essencial à administração da Justiça, o Procurador do Estado é responsável, especificamente, pela "representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas" (art. 132, caput, CF), atividade que, evidentemente, não poderá ser objeto de delegação ou terceirização.

Isto porque é vital para o regular funcionamento do Estado Federado que o mesmo atue de acordo com a Constituição e as Leis, daí a indispensabilidade do aconselhamento jurídico por órgão isento. É imperioso, ainda, que o Estado seja defendido em Juízo por profissionais de reconhecida capacidade técnica e que possam ser responsabilizados funcionalmente por ações ilegais, abusivas ou imorais e, em contrapartida, sejam dotados de independência funcional necessária para afastar influências indevidas de governantes e autoridade afins, que comprometeriam a prevalência do interesse público.

Portanto, o Procurador do Estado exerce, inequivocamente, função exclusiva de Estado.

Não é por outro motivo que o legislador constituinte impõe a estruturação da carreira da Advocacia Pública, o ingresso através de concurso público de provas e títulos, com a necessária participação da Ordem dos Advogados do Brasil e a avaliação de desempenho para reconhecimento da estabilidade funcional do Procurador promovida internamente, com supervisão das Corregedorias (art. 132, caput e § único, CF).

Ainda, na qualidade de agente público que exerce atividade exclusiva de Estado, o Procurador há de ser remunerado com subsídio, na forma prevista no artigo 39, § 4º c/c §8º e 135, da CF, sendo certo, ademais, que as hipóteses de perda de cargo por sentença judicial, processo administrativo, avaliação de desempenho (art. 41, CF), ou excesso de despesa com pessoal (art. 169, CF), serão pautadas por critérios e garantias especiais, mediante processo administrativo em que seja assegurada a ampla defesa e o contraditório, na forma estabelecida pelas leis referidas no inciso III, do artigo 41 e no § 7º do artigo 169, da Lei Maior.

Nessa esteira, aliás, no Projeto de Lei n. 43/99, que disciplina a perda do cargo do servidor público estável por insuficiência de desempenho, em tramitação no Congresso Nacional, está previsto que o Advogado da União e o Procurador da Fazenda Nacional desenvolvem atividades exclusivas de Estado, motivo pelo qual a avaliação de desempenho destes profissionais será realizada por integrantes da carreira e a perda do cargo por insuficiência de desempenho só será decretada após processo administrativo em que seja assegurada ampla defesa, o qual, por seu turno, só é instaurado se for constatada a insuficiência de desempenho por 3 (três) vezes, consecutivas ou alternadas, no período de 5 (cinco) anos.

Sendo evidente a simetria entre as funções exercidas pelos Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional e os Advogados do Estado, não há dúvida de que estes últimos serão qualificados pelo legislador infra-constitucional como profissionais que desempenham funções exclusivas de Estado e, conseqüentemente, destinatários de regime jurídico revestido de garantias especiais.

Traçado, singelamente, o perfil constitucional da Advocacia Pública, voltamos nossa atenção ao estudo da maneira pela qual as diversas unidades federadas acolheram as regras e princípios cristalizados no texto supremo no que respeita à disciplina jurídica da instituição.


III – A DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DA ADVOCACIA PÚBLICA NOS ESTADOS-MEMBROS

O Brasil adota a forma de Estado Federal, consistindo a federação brasileira na união de coletividades regionais designadas por Estados federados, Estados-membros ou simplesmente Estados, que são dotados de autonomia, concebida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal[5].

Destarte, as várias Assembléias Legislativas detêm poder constituinte derivado do texto supremo para editarem Cartas Constitucionais, com incidência nos respectivos territórios e populações.

Sob esse enfoque, e considerando que o tratamento dispensado à Advocacia do Estado pelo texto supremo "é sumário, deixando-se à lei complementar federal, às Constituições Estaduais e às legislações estaduais a tarefa de produzir um maior detalhamento"[6], é mister investigar de que maneira os Estados-membros, no exercício de seu poder constituinte derivado, estruturaram as respectivas Procuradorias Estaduais.

De início, verificamos que a quase totalidade das Constituições Estaduais designam como função do Advogado Público a representação judicial e extrajudicial do Estado e a consultoria jurídica do Poder Executivo[7], embora o Texto Supremo determine que ambas as atividades devam ser exercidas em benefício da unidade federada.

Constatamos, de pronto, a ausência de primor técnico dos legisladores estaduais, afinal, é diversa a função de prestar aconselhamento jurídico ao Estado, como ente político autônomo, dotado de personalidade jurídica própria, e ao Poder Executivo que, não raro, é personificado na pessoa do Governante.

Ora, não se pode admitir que a atividade do Advogado Público tenha como destinatário a pessoa do Governante. Nesse sentido, inclusive, é elucidativo o teor do voto do Ministro Celso de Melo, proferido na ADIN n. 127 – Governo do Estado de Alagoas X Assembléia Legislativa – nos termos do qual:

"A intervenção do Procurador Geral do Estado, destinada a suprir a ausência de capacidade postulatória do Governador, em processo no qual este – e não o Estado de Alagoas – figura como autor, desatende a própria finalidade institucional que motivou a criação deste órgão jurídico.

(...)

O Governador do Estado não pode tomar para si, patrimonializando-se como mera projeção pessoal do Chefe do Poder Executivo, um órgão público concebido pela Constituição local como depositário da magna prerrogativa de representar, em juízo, o próprio Estado – pessoa jurídica de direito público interno."

A melhor técnica legislativa, portanto, seria a de especificar o Estado como ente beneficiário da atividade de aconselhamento jurídico do Advogado Público ou, alternativamente, na melhor forma prevista nos textos constitucionais dos Estados de Goiás, Rio de Janeiro e Ceará, conferir à Procuradoria do Estado a atribuição de fiscalizar a legalidade dos atos do Poder Executivo, verdadeira função de controle interno da ação administrativa.

Por outro lado, a maior parte das Constituições Estaduais reconhecem ao Governador do Estado a prerrogativa de escolher o Chefe da Procuradoria Geral fora da instituição[8].

Essa circunstância afigura-se, entretanto, inadmissível ante o teor da Lei Suprema, pois, como acentua a Procuradora do Estado de Goiás Sandra Regina Maria Ferreira Dantas[9]:

"O procurador-geral exerce a advocacia pública e não pode ser um mero administrador do órgão. Entre as suas atribuições, têm-se, como principais, a representação judicial e a consultoria jurídica. Ele representa a entidade, dentro e fora do seu território, perante juízos ou tribunais, propõe ação, determina providências judiciais ou extrajudiciais, define o pólo ativo e o passivo nas ações a serem propostas pela Procuradoria-Geral do Estado, aprova os pareceres emitidos e, principalmente, delega competência aos demais procuradores. A competência para representação judicial e a consultoria jurídica é outorgada constitucionalmente, apenas e exclusivamente, aos procuradores organizados em carreira e na qual o ingresso depende de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, a competência do procurador do Estado tem fundamento constitucional. Mas somente o tem o procurador do Estado de carreira. O Procurador Geral deve, necessariamente, ser da carreira, porque somente pode delegar competência quem tem competência."

Constatamos, assim, o divórcio entre a disciplina constitucional federal e a adotada pelas Constituições Estaduais, no que concerne às funções institucionais atribuídas à PGE e o modo de escolha do Procurador-Geral do Estado.

Porém, em que pese as incongruências apontadas, verificamos, inversamente, que existem inúmeros dispositivos nas Constituições Estaduais qualificando a Advocacia do Estado como instituição essencial à Administração Pública Estadual[10], de natureza permanente[11], e cuja atuação é orientada pelos princípios da legalidade e indisponibilidade do interesse público.[12] E, ainda, prevêem a atividade da Advocacia Pública como privativa dos Procuradores do Estado[13], e, consequentemente, insuscetível de ser atribuída a entidade diversa, como, de resto, vem sinalizando nossa Corte Suprema[14].

Outrossim, em algumas Constituições Estaduais existe previsão expressa de que a Procuradoria do Estado terá quadro próprio de pessoal para serviços auxiliares, organizados em carreira[15], assegurando, com isso, que os Procuradores do Estado voltem sua atenção exclusivamente para o desempenho da atividade fim da instituição, para cujo exercício, aliás, já é reconhecida a sobrecarga de trabalho em inúmeros Estados-membros.

Paralelamente, parte dos textos constitucionais confere ao Procurador do Estado o poder de requisitar das autoridades e servidores da Administração Pública certidões, informações, processos administrativos, documentos e diligências necessários ao fiel cumprimento de suas funções[16].

Todos esses dispositivos guardam inteira consonância com o desenho institucional da carreira traçado pela Constituição da República, sendo salutar sua previsão nos textos constitucionais das unidades federadas.

Noutro giro, em algumas unidades federadas é reconhecida a autonomia funcional, administrativa e financeira da Procuradoria Geral do Estado[17], inclusive com a prerrogativa de elaboração da proposta orçamentária[18].

Esses dispositivos, embora não encontrem respaldo expresso na Constituição da República, não contrariam qualquer princípio do texto supremo, pois, como iremos demonstrar nos capítulos seguintes, a autonomia funcional, financeira e administrativa é conditio sine qua non para o pleno exercício das funções constitucionais confiadas à Advocacia do Estado.

De toda sorte, na redação da proposta de Emenda à Constituição n. 96-B de 1992[19], que introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário, consta a inserção de um parágrafo segundo no artigo 132 da Constituição Federal, nos seguintes termos: "Às Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal são asseguradas autonomia funcional e administrativa, e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º."

Consolidada a modificação da Constituição da República, portanto, será prescindível a previsão expressa nas Constituições dos Estados-membros acerca da autonomia financeira das Procuradorias Gerais.

Finalmente, destacamos alguns dispositivos constitucionais que conferem aos Advogados do Estado um feixe de garantias mais denso, prevendo a inamovibilidade[20], a irredutibilidade de vencimentos[21], a vitaliciedade[22] e a possibilidade de escolha do Procurador Geral através de listas elaboradas por processo eletivo pelos Membros da Carreira[23].

Não hesitamos em afirmar, que, afora a garantia da vitaliciedade, que esbarra na vedação implícita do § único do artigo 132 da Constituição Federal, as demais encontram fundamento de validade na Lei Maior, como forma de garantir a autonomia e a independência funcional do Advogado do Estado.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal, instado a manifestar-se sobre o tema, vem posicionando-se no sentido de não reconhecer a constitucionalidade das previsões em destaque, embora todas as decisões tenham sido proferidas em sede cautelar, e, não raro, por maioria de votos.

Assim é que, na ADIN n. 127, proposta pelo Governador do Estado de Alagoas em face da Assembléia Legislativa local, foi suspensa a eficácia dos dispositivos da Constituição Alagoana que asseguravam a elaboração de lista sêxtupla, por eleição entre os Membros da Carreira, para ulterior escolha do Procurador-Geral do Estado pelo Chefe do Poder Executivo. A tutela liminar foi deferida sob o singelo argumento de que a unidade federada não detém competência para alargar o feixe de garantias conferidos pelo texto supremo aos servidores públicos. No mesmo sentido é a decisão liminar proferida na ADIN n. 291, proposta pela Procuradoria Geral da República em face da Assembléia Legislativa de Mato Grosso.

Igualmente, na ADIN n. 1246 (Procuradoria Geral da República X Assembléia Legislativa do Paraná), a Corte Suprema houve por bem suspender a eficácia do artigo 125, § 2º, da Constituição Estadual Paranaense que assegurava inamovibilidade aos Membros da Procuradoria Geral do Estado, entendendo que o mesmo tolhia prerrogativas do Chefe do Poder Executivo.

Na mesma esteira, na ADIN n. 145 (Governador do Estado do Ceará X Assembléia Legislativa local), foi suspensa liminarmente a eficácia do dispositivo constitucional assecuratório da irredutibilidade de vencimentos e paridade remuneratória com o Membros do Parquet.

É forçoso consignar, todavia, que a análise perfunctória que nossa Corte Constitucional tem dispensado à disciplina jurídica da Advocacia Pública, no tema específico de suas garantias e prerrogativas, não se coaduna com vários princípios constitucionais implícitos, contidos na Constituição da República, como exporemos nos tópicos subseqüentes.

Sobre os autores
Ana Paula Andrade Borges de Faria

procuradora do Estado de São Paulo

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira

Procurador do Estado de São Paulo, doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor convidado de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público, JUSPODIVM, LFG, FAAP e USP-FDRP), autor de livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, Ana Paula Andrade Borges; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. A independência e a autonomia funcional do Procurador do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2527. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Tese aprovada por unanimidade no XXVI Congresso Nacional de Procuradores do Estado, outubro de 2000.

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