O regramento infraconstitucional dos benefícios descritos pela Carta Magna (art. 201 e parágrafos) se consubstanciou na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991[1], que dispõe, essencialmente, sobre os Planos de Benefícios da Providência Social, especificamente no que toca ao tema espinhoso da prova da atividade rural para a fruição do benefício de aposentadoria por idade referido no art. 48 da citada lei, será objeto da presente análise. O inciso primeiro do artigo 39 da mesma lei, dita a regra especial para os trabalhadores rurais: "A comprovação de efetivo exercício de atividade rural será feita com relação aos meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua, durante período igual ao da carência do benefício, ressalvado o disposto no inciso II do art. 143".
Antes de adentrar do aspecto essencialmente técnico da questão, cumpre fazer uma rápida digressão da questão histórica e social que envolve a problemática da aposentadoria dos trabalhadores rurais;
Até o advento da ordem jurídica inaugurada com a promulgação da Carta Política de 1967 não se dera qualquer atenção especial aos trabalhadores rurais, quando, então, foi criado pela Lei Complementar 11 de 25 de maio de 1971 o PRORURAL, sistema previdenciário independente do regime de previdência comum celetista, que previa a formação de um fundo – o FUNRURAL[2], com recursos provenientes principalmente das contribuições das empresas e atividades rurais. Posteriormente, a referida Lei Complementar 11/71 foi alterada pela Lei Complementar nº 16, de 30 de outubro de 1973, que em seu art. 5º caracterizava o beneficiário da aposentadoria por tempo de serviço e por idade rural, sendo que corresponderia sempre à metade do valor do salário mínimo estabelecido pelo governo – "Art. 5º - A caracterização da qualidade de trabalhador rural, para efeito da concessão das prestações pecuniárias do PRORURAL, dependerá da comprovação de sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício, ainda que de forma descontínua". O FUNRURAL, como é fato notório, faliu. Ante a desproporção óbvia da receita auferida – das empresas agropastoris (às quais o governo nunca deu atenção – tanto pelos parcos incentivos creditícios, como pela frouxa fiscalização tributária) e dos benefícios concedidos, dado que o universo dos trabalhadores rurais sempre foi muito maior do que aqueles efetivamente empregados na empresas contribuintes, pois, como ainda ocorre hodiernamente, os empregos informais no campo superam em muito os formais.
Talvez exatamente porque a História tenha dado a lição clara do evidente desequilíbrio estrutural entre as contribuições e os benefícios dos ruralistas em nosso país, foi criada uma fórmula bastante peculiar para integrar os trabalhadores rurais no Regime Geral da Previdência Social. É certo que o constituinte, nesse passo, dedicou uma regra de transição clara para os benefícios dos trabalhadores rurais (e equiparados), antevendo um desenvolvimento social tal que, no futuro se vislumbrasse a possibilidade de equilíbrio atuarial entre a contribuição deste setor da economia e os benefícios concedidos, preservando e respeitando um dos pilares do moderno (e, é preciso dizer, neo-liberal) princípio do equilíbrio atuarial e financeiro entre custeio e benefícios (Art. 201, caput). O mesmo art. 201, mas em seu parágrafo 7º, inciso II, destaca os trabalhadores rurais, incluídos neste conceito o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. Este destaque, a nosso ver, é proposital.
Fazendo uma análise mais minuciosa do referido inciso, verifica-se que no início deste o constituinte disse que estes segurados (trabalhadores rurais e equiparados) podem se aposentar com menos idade, é importante frisar que a Constituição silenciou sobre a aposentadoria por tempo de serviço neste inciso, num verdadeiro silêncio eloqüente (beregtes schweigen, dos alemães). Houve evidente limitação. Mas essa limitação foi compensada pelo menor tempo de trabalho que os mesmos têm que comprovar para auferir o benefício de aposentadoria por idade (55 anos para mulheres e 60 anos para homens).
Este tratamento pormenorizado que é estranho mesmo a qualquer constituição analítica, vem a demonstrar claramente a situação especialíssima destes trabalhadores. Muito poucas categorias de trabalhadores tiveram tal destaque na Carta Magna, entre os quais os juízes, os ocupantes de cargos eletivos, os professores e os militares.
Este tratamento especial, como era de se esperar, deveria ser transmitido à legislação infraconstitucional, regulamentadora dos benefícios concedidos pela Carta Política de 1988. Nasceu a Lei 8.213, em 24 de julho de 1991. No que foi inovadora a Carta Política de 1988, isso transmitiu à referida Lei. Mas esta, no entanto, abraçou a técnica já consagrada da Lei anterior (Lei Complementar 11/71), ao determinar que a prova da atividade rural seria feita, "ainda que de forma descontínua". ("Art. 143. O trabalhador rural, ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea a do inciso I, ou do inciso IV, ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício". (Redação dada pela Lei n° 9.063, de 14.6.95))
Chegamos, pois, ao cerne da questão. Esta fórmula nebulosa, à qual a doutrina e a jurisprudência não deram atenção alguma, é elemento fundamental para a compreensão da problemática da avaliação das provas trazidas pelos trabalhadores rurais no ato do requerimento administrativo junto ao INSS, e também judicial, como se verá neste estudo.
Numa abordagem preliminar, é fundamental fincar as estacas no solo constitucional, para então erguer a argumentação (qualquer que seja, em Direito).
Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são: "...I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
Não há um dos objetivos, sequer, que deixará de ser arranhado se os direitos dos trabalhadores rurais deixar de ser efetivamente respeitado em toda sua plenitude. Ao se extrair toda a efetividade que o texto constitucional permite, haver-se-á de atribuir aos trabalhadores rurais idosos, em vias de se aposentarem, a concreção de todos os objetivos da República. Não se está aqui a fazer a apologia aos hipossuficientes, que só têm direitos e não têm deveres. Não é isso.
O tratamento diferenciado aos trabalhadores rurais é antes de tudo uma política de distribuição de renda, pois a categoria em que preponderam os índices de misarabilidade em nosso país é exatamente a deles (respeitado está o objetivo do inciso III). Por outro lado, a fixação do homem no campo e nas pequenas cidades interioranas é favorecida pela substancial aporte à economia local que os ruralistas aposentados representam (respeitado está o inciso II). Ainda, é de se argumentar que a atividade rural de pequeno porte tem, atualmente, a finalidade de subsistência (dada a falta de incentivo tecnológico e creditício), não podendo-se exigir, ainda, que esta atividade econômica esquecida pelos sucessivos governos seja taxada com contribuições previdenciárias (respeitado estão os incisos I e IV).
Uadi Lamêgo Bulos [3] chega a comentar que "A Constituição de 1988, portanto, conferiu unidade de sentido e valor à disciplina dos direitos fundamentais, que encontra seu significado na dignidade da pessoa humana".
Não se pode querer interpretar a nebulosa expressão "ainda que descontínua" contida no art. 143 da Lei 8.213/91 sem levar em conta a concretização destes objetivos da Carta Magna. Esta estaria, assim, fadada a ser "uma folha de papel", no pensamento de Ferdinand Lasalle[4] (in José Afonso da Silva)
Recorrendo a uma interpretação gramatical, verifica-se que a expressão "ainda que descontínua" refere-se ao substantivo adjetivado "atividade rural". É dizer: descontínua é a atividade rural e não a prova desta. Nem a idade, nem a aposentadoria, nada mais. No entanto, é óbvio que a prova de uma atividade descontínua poderá ser feita..... de forma descontínua!
E, afinal, o que é "descontínua"?
Aurélio[5] nos socorre: "Verbete: descontínuo [De des- + contínuo.]Adj. 1. Não contínuo; interrompido, interrupto. 2. Biol. Ger. Diz-se dos caracteres que se apresentam em graus nitidamente delimitados, e não continuamente. [Cf. descontinuo, do v. descontinuar.] ~V. função -a. "
Descontínuo é aquilo que é interrompido. Atividade Rural descontínua: Atividade rural interrompida. Por quanto tempo e em que condições? A Lei não diz. Nem os sucessivos regulamentos o dizem. Cremos, como será esboçado logo adiante, que se trata de um "conceito jurídico indeterminado".
O trabalhador rural se vira como pode: Planta, colhe, cria galinha, conserta cercas, faz carvão para vender, "broca" o roçado, cava poço para terceiros. Ao legislador, e muito menos o administrador (neste caso, o INSS) é dado enxergar o trabalhador como um trabalhador comum, que dá seu expediente de tal hora a tal hora, tantos dias por semana, com tantos dias de férias, etc... Pode ocorrer que, em anos de seca ou de enchente, sequer possa exercer sua profissão – de agricultor ou pecuarista, dada a absoluta impossibilidade material para tanto. Por tudo isso a a descontinuidade.
A Lei é coerente, assim, como é coerente a interpretação que se expõe neste artigo. O trabalho descontínuo gera provas descontínuas. Óbvio. Não pode, pois, o INSS exigir que o trabalhador apresente provas de atividade rural por todo o período que corresponde à carência do benefício requerido, ano por ano, (aposentadoria por idade – art. 39, I, art. 142 e art. 143 da Lei 8213/91). Estará afrontando a lei, e, indiretamente, a Constituição, que deu tratamento diferenciado ao trabalhador rural, por sua condição especial.
Enquanto estiver em vigor a regra de transição do art. 142 da Lei 8.213/91, que determina um período de carência máximo de 5 anos (180 meses), a ser atingido em 2012, o trabalhador rural deverá apresentar as provas de atividade rural no período progressivo de carência (não confundir com a carência dos benefícios) referente ao ano em que completa a idade mínima necessária (60 anos para homens e 55 para mulheres). As provas poderão ser, na correta interpretação dos arts. 39, inciso I e 143 da Lei 8.213/91, apresentadas de forma descontínua.
Muito importante, porém, é fazermos uma exploração espeleológica no Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, que atualmente é o Regulamento da Previdência Social. Desbordando da redação da Lei 8.213/91, sua norma-matriz, deu o referido decreto restou publicado com uma redação que dá uma interpretação bastante: "Art. 26...§ 1º Para o segurado especial, considera-se período de carência o tempo mínimo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, igual ao número de meses necessários à concessão do benefício requerido."
O decreto inverte termos, talvez de forma proposital, e deixa a entender algo diferente do que a norma insculpida no art. 143 da Lei 8.213/91. Fica a impressão de que deve o requerente comprovar tantos meses de atividade rural quantos sejam o período de carência do benefício, nos limites da regra de transição do art. 143 da Lei 8.213/91. Assim, deveria comprovar cada mês, ou período ininterrupto, descontar os períodos intercalados em que exerceu outra ou nenhuma atividade, e, assim, juntar seu "período de carência". Mas não é isso que o multirreferido art. 143 diz! O referido artigo refere-se expressamente à comprovação do "exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ", que é bem diferente, pois o período de carência é contínuo, não dispondo a lei que haja qualquer interrupção do mesmo.
Cumpre dizer, inicialmente que o regulamento é um servo da lei, nos termos da doutrina majoritária em nosso país, como assinala Clémerson Merlin Cléve [6]: "Ademais, apenas a lei pode, originariamente, inovar a ordem jurídica para criar direitos e obrigações, e para restringir a liberdade e a propriedade. O art. 5º, II da Constituição deixa claro que "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" A lei pode perfeitamente disciplinar a matéria legislada de modo suficiente, prescrevendo, inclusive, os detalhes de sua aplicação. Ou pode preferir deixar certa margem para que a Administração Pública atue por meio da atribuição regulamentar. Importa salientar que o regulamento sempre compreenderá norma subordinada e necessária para a aplicação da lei."
No nosso caso, o parágrafo primeiro do art. 26 do regulamento é ilegal ao estatuir norma limitadora do benefício assegurado pela lei. E, mais do que isso, é possível afirmar que a norma do referido decreto é inteiramente desnecessária, dado que a lei, no que tange à comprovação da atividade rural descontínua (arts. 39, I, 142 e 143) é plenamente eficaz e auto-suficiente, carecendo de regulamentação.
Mas, objetar-se-ia: seria criada uma regra extremamente porosa para a comprovação desta atividade rural. Bastaria a comprovação, digamos no primeiro ano da carência e no último para configurar "trabalho rural". A crítica é procedente. A interpretação literal do dispositivo levaria a absurdos. Alguém que tivesse exercido esporadicamente atividade rural, mesmo não sendo trabalhador rural, poderia apresentar quaisquer das provas elencadas no art. 106 da Lei 8.213/91 em dois ou mesmo um ano de carência do benefício (art. 142) e pretender a aposentadoria como trabalhador rural. Poderia estar aí a configuração de uma fraude à lei. Mas, cuidado! Não vamos com muita sede ao pote. Supor que o requerente não conseguiu provar sua condição de trabalhador rural quando este apresenta poucas provas de atividade rural não pode ser tomado como fator definitivo de julgamento.
A vontade expressa do Constituinte foi beneficiar o trabalhador rural, categoria profissional totalmente desvalida, que tem extrema dificuldade para comprovar materialmente sua situação, principalmente porque não desfruta dos benefícios da legislação urbana; não é detentor da estabilidade e seu contrato de trabalho é estabelecido em condições precárias. A exigência do INSS, nos processos administrativos torna, assim, extremamente dificultosa a concessão de qualquer benefício rural, a perdurar a exigência de apresentação de provas elencadas no art. 106 para cada ano do interstício da carência. Aos trabalhadores rurais, categoria ampla, que em seu sentido lato engloba desde o parceiro, o meeiro, o arrendatário, o diarista e o mensalista, a Constituição Federal quis dedicar especial proteção previdenciária.
No campo, depoimento é o aperto de mão, o sorriso parco, sofrido e sincero, a palavra simples e sem refinamentos jurídicos e prova de trabalho rural por longos anos é a mão calejada e a coluna encurvada pelo fardo do trabalho pesado do roçado, que mal alimenta a família. Como se pode exigir destes homens e mulheres do campo documentos, homologações, certidões, protocolos, autenticações, encaminhamentos, procedimentos administrativos, e outros empeços burocráticos, quando, em sua gigante maioria, nunca tiveram oportunidade de trocar, mesmo por fugazes momentos, o cabo da enxada pela caneta esferográfica?
Como já apontado, chegamos a afirmar que a expressão "ainda que descontínua", pode ser classificada como um "conceito jurídico indeterminado".
Germana de Oliveira Moraes[7], Juíza Federal no Ceará, Doutora pela Universidade de Lisboa, em sua laureada tese de doutoramento, expõe minuciosamente a melhor doutrina a respeito do tema. Adota a classificação proposta por Rogério Erhardt Soares, administrativista português, que diferencia as categorias de Conceitos Classificatórios e de Prognose, sendo que os primeiros "envolvem apenas juízos objetivos nos processos de interpretação e aplicação e referem-se a situações indevidualizáveis como constitutivas de uma classe de acontecimentos substancialmente idênticos" (pág. 62). Já quanto aos conceitos de Prognose, traz a autora o conceito de Sérvulo Correia que, com apoio em Walter Schmidt o define como um "raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura"..., e, ainda, "A avaliação de pressupostos que integram a situação concreta, para efeito de sua subsunção em conceitos indeterminados que figuram na hipótese da norma, reduz-se sempre a um problema de prognose, quer se trate de avaliação de qualidades das pessoas ou coisas, quer diretamente da estimativa sobre a evolução futura de processos sociais.... "(pág. 63).
A prova, "ainda que descontínua" será legítima, pois, quando este conceito for submetido à referida técnica da Prognose, isto é, ao se avaliar um "processo social" de avaliação e configuração de uma vida dedicada ao trabalho rural, onde se haverá de admitir que as provas, "ainda que descontínuas" podem sim, efetivamente, comprovar sua condição de trabalhador rural, levando-se em conta as limitações e dificuldades desta categoria, já apontadas, sem que para isso se recorra à discricionariedade administrativa.
É certo, no entanto, que o administrador (no caso, o INSS) deverá sopesar entre o interesse público de preservação do erário, isto é, do patrimônio público especificamente destacado para o atendimento às necessidades previdenciárias da população (Constituição Federal - "Art. 195 -... § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos."), e ao atendimento às necessidades individuais destes mesmos segurados, como realização dos objetivos maiores da mesma Carta Magna (art. 3º, já referido e analisado, supra). Este sopesamento não contamina a interpretação da expressão "ainda que descontínua".
Cuida-se, sim, do sopesamento de dois interesses concorrentes, a que o mesmo autor (Sérvulo Correia) citado por Germana Moraes, assim se refere: "Distinguem-se da prognose a opção entre os interesse concorrentes, que pressupõe a respectiva valoração. É aí que reside o cerne da discricionariedade." (grifo nosso) Ob. Cit. pág. 63).
Analisando, e resumindo a exposição supra, chegamos à conclusão de que a expressão "ainda que de forma descontínua" é um puro conceito de prognose, que, como bem exposto pela Dra. Germana de Oliveira Moraes, não é um conceito discricionário, mas verdadeiramente vinculado, dado que "A classificação de conceitos indeterminados revela-se útil, e, nesse estudo apenas interessa à medida em que demonstre alguma serventia para resolver se há uma categoria de conceitos indeterminados que enseja diferente método de aplicação da norma que o contém, com reflexos subseqüentes nos limites do controle jurisdicional" (ob. cit. pág. 60).
Sendo vinculado, não é de se dar ao administrador (INSS) o poder de ignorá-lo ou de desprezar as provas, desde que elencadas no art. 106 da Lei 8.213/91 e em número razoável (veja-se que não é um conceito indeterminado, mas de prognose!) o segurado requerente vier a apresentar. Se, no entanto, o INSS vier a negar a validade das provas, em clara oposição ao enunciado no art. 143 da Lei 8.213/91, poderá (deverá) o Judiciário anular o julgamento indeferitório do INSS e analisar as provas, se condizentes com o elenco do art. 106 da referida lei e, diretamente, conceder o benefício pleiteado. Não é o caso de trocar a discricionariedade do administrador pela do juiz, pois não é discricionária a interpretação do referido artigo 143.
A discricionariedade poderia estar na avaliação dialética entre os interesses de preservação do erário (patrimônio da Previdência Social) e o interesse de concessão do benefício de aposentadoria ao trabalhador rural. Mas, mesmo aí não há espaço para a discricionariedade, dado que a Constituição (art. 201) e a Lei 8.213/91 (arts. 39, I, 142 e 143) ditam as regras claras para a concessão do benefício.
Por fim, é importante que se enxergue a resolução do problema em questão pela ótica da Tópica[8], dado que os documentos apresentados pelo requerente, quando da postulação do benefício de aposentadoria, configurarão ou não sua verdadeira condição de trabalhador rural. Esta avaliação, o que é importante dizer, é que se inspirará na já referida avaliação dialética e axiológica entre a os interesses da preservação do erário e o interesse da concessão do benefício pelo requerente, que, no entanto, tem sua discricionariedade extremamente reduzida pelas normas explícitas (Constituição - art. 201 e a Lei 8.213/91 - arts. 39, I, 142 e 143) e, ainda, se revelará pendente à priorizaçãodo bem "vida" e do bem "dignidade da pessoa humana" frente ao bem "preservação do erário público".
Esperamos, ao discorrer tão perfunctoriamente sobre o tema, ter trazido alguns subsídios úteis àqueles que labutam na seara previdenciária, que a cada dia é despertado, pelas páginas do Diário Oficial da União, por novidades e sustos que obrigam os operadores do Direito a uma constante atualização e revisão de seus conceitos.
Notas
1.Brasil. Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre Planos de Benefícios da Providência Social e dá outras providências.
2.Brasil. Lei Complementar 11 de 25 de maio de 1971, que institui o PRORURAL e dá outras providências.
3.Bulos, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada, Saraiva, 2000, pág. 55.
4.Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Malheiros, 4ª Ed. 2000, pág. 23.
5.(Dicionário Aurélio Eletrônico – Ver. 1.4).
6..Cléve, Clémerson Merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo. 2ª Edição ampliada, RT, 2000, pág. 280.
7.Moraes, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública", Dialética, 1999, pág. 62/95.
8."Tópica consiste num modo de pensar por problemas, a partir destes e em direção a estes. Ele procura fórmulas de solução de conflitos, à vista dos problemas a resolver. Conquanto seja método anterior a Aristóteles, foi este quem lhe deu a denominação específica. Já no Século XX, foi Theodor Viehweg, na Alemanha quem o difundiu e refundiu ("Topyk und Jurisprudenz", pág. 31)" nota de rodapé do artigo do Prof. Francisco Gérson Marques de Lima – Interpretação Axiológica da Constituição sob o Signo da Justiça, in Estudos de Direito constitucional, Coord. Ronald Cavalcante Soares, LTr, 2001, pág. 70)