O legislativo brasileiro tem a péssima mania de legislar com base em fatos, em modismos e no clamor social transitório. Isso nos gera infindáveis problemas advindos de uma legislação mal feita, pouco debatida e assistemática.
Essa mania acaba por criar leis com muitos problemas, que dão azo (propositalmente ou não) à impunidade e à arbitrariedade.
Exemplo disso foi a minirreforma do código de processo penal introduzida pela Lei nº 11.719/08, a qual, primando pela exaltação do sistema acusatório, modificou a redação do art. 400 do CPP e deixou o interrogatório do acusado como sendo o último ato da instrução criminal.
Vitória do garantismo e do direito de defesa!
Mas eu pergunto: e nas hipóteses de processos regidos por leis especiais não abarcadas pela alteração legislativa? O interrogatório do acusado permanece sendo feito no início da instrução ou passa a ser realizado ao seu final?
Pois é... isso é exemplo de lei feita às pressas e sem se preocupar com o sistema jurídico como um todo indissociável!
Muitas vezes leis são criadas com o único objetivo de aplacar o clamor público. São as chamadas leis "para inglês ver"..... ou melhor dizendo: leis para brasileiro ver!!!
Um exemplo foi a Lei nº 8.930/94, que alterou a lei de crimes hediondos e incluiu o homicídio simples, desde que praticado em atividade típica de grupos de extermínio, no rol daqueles crimes que devem receber tratamento penal mais rigoroso.
Tal modificação veio à baila como uma resposta à chamada "chacina da candelária", ocorrida no ano anterior. Veja, não se está aqui afirmando que a alteração da lei de crimes hediondos não era bem vinda. Ao contrário: ela era muito desejada.
Entretanto, a pressa fez surgir uma lei de péssimo conteúdo: como pode haver homicídio simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio? Essa atividade qualifica o homicídio, no mínimo, pela sua motivação torpe.
Vem, então, a doutrina para consertar o trabalho do legislador e institui uma nova modalidade de homicídio: o condicionado...
E assim, aos trancos e barrancos, segue o nosso legislativo!
A última foi a inclusão do crime de corrupção no rol de crimes hediondos. Vocês sabem quantas condenações temos na história do Judiciário brasileiro por este crime?
Pois é, mais uma lei para inglês.... ou melhor, para brasileiro ver!!!!!
Agora vão fazer o mesmo com o crime de terrorismo...
A tipificação penal do que seriam atos de terrorismo é algo complexo, que vem sendo debatido há tempos por sociedades que vivem esse drama, como a estadunidense, por exemplo. Aí vem o legislador brasileiro e, por causa da copa do mundo, querem resolver esse problema em menos de um ano..... já se sabe o que vem por aí, não é verdade?!!!
Ah, e só para não deixar uma pergunta sem resposta, a aplicação da nova redação do art. 400 do CPP para procedimentos regidos por leis especiais ainda é tema tormentoso na jurisprudência.
Logo no início da entrada em vigor desse dispositivo legal, a tendência dos Tribunais era a de rechaçar essa aplicação, sob o fundamento de que, em razão do princípio da especialidade, aplicar-se-ia aos crimes regidos por leis extravagantes os procedimentos nelas previstos.
Depois, com um maior aprofundamento da discussão, a tendência jurisprudencial tem seguido pela trilha da aplicação do art. 400 também aos demais crimes regidos por leis especiais. E isso por um motivo muito simples: tal dispositivo apenas veio a conferir máxima efetividade ao sistema acusatório, previsto na Constituição da República de 1988, prestigiando o garantismo penal e o próprio direito de defesa. Não faz sentido que a evolução do sistema de persecução criminal somente se aplique para um determinado tipo de crime e não para os demais!
Quando ainda estava na Direção da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tive a honra de trabalhar com um dos principais pensadores e doutrinadores do direito penal e processual penal da atualidade, que é o professor Geraldo Prado, à época ainda Desembargador do TJRJ. Num processo de Relatoria do eminente professor e que tramitava naquele órgão que estava sob a minha Direção, vi essa mudança de jurisprudência acontecer diante de meus olhos.
Certa feita fui chamado em seu Gabinete para que um determinado processo fosse retirado da pauta de julgamento, na medida em que, com a entrada em vigor da nova redação do art. 400 do CPP, seria mais consentâneo com a ampla defesa que se oportunizasse ao réu um novo interrogatório, agora depois de finalizada a instrução criminal, ainda que se tratasse de processo que tramitava sob o rito estabelecido pela Lei nº 8.038/90.
Foi uma das atitudes mais sensatas que vi um Desembargador adotar! Depois dele, vários outros o acompanharam, aplicando essa nova redação do art. 400 do CPP aos processos em trâmite sob o rito da Lei nº 8.038/90.
Vejamos o final dessa história e torçamos para que, contrariando o que vem acontecendo nos últimos anos, essa nova lei antiterrorismo seja feita com esmero, ainda que nesse exíguo espaço de tempo!