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Uma análise do imposto de renda:

pessoa física em face ao princípio da capacidade contributiva

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Agenda 06/11/2013 às 11:12

A legislação do imposto de renda da pessoa física precisa se adequar à realidade do Brasil, com maior progressividade das alíquotas e maior número de hipóteses de dedutibilidade, a fim de preservar os direitos mínimos garantidos constitucionalmente.

Resumo: Discorre a respeito do princípio inserto no § 1º do art. 145 da Constituição Federal, da capacidade contributiva, e seus elementos. Traça um panorama acerca da instituição do Imposto de Renda no Brasil, ao abordar sua origem, implementação e evolução frente ao ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, sinaliza a importância e a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva, especificamente em relação ao Imposto de Renda Pessoa Física, quanto ao dever de tornar o referido imposto mais pessoal ao contribuinte, imprimindo, ainda, um maior grau de progressividade de alíquotas.

Palavras-chave: Sistema Tributário Brasileiro, Constituição Federal, Princípio da Capacidade Contributiva, Imposto de Renda Pessoa Física.


1.0.INTRODUÇÃO

O intuito do presente trabalho é analisar e aprofundar o tema do Imposto de Renda de Pessoa Física, sob o enfoque Constitucional e Tributário, mormente em relação ao princípio da capacidade contributiva.

Primeiramente, o referido princípio será analisado puramente, através de seus tipos, sua previsão constitucional e elementos que o compõe. Após, o princípio da capacidade contributiva será tratado conjuntamente com Imposto de Renda Pessoa Física.

O Imposto de Renda é imposto de competência da União Federal e tem como função primária representar a principal fonte de receita tributária da União. De forma secundária, possui função extrafiscal.

Possui como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional.

Em contrapartida, o princípio da capacidade contributiva, disposto no art. 145, §1º, da Constituição Federal de 1988, insere-se no contexto desse tributo, de forma a garantir a participação dos contribuintes, de forma equânime e mais proporcional possível.

No entanto, o tema acaba conflitando com a realidade social do Brasil e com a deficiente contraprestação Estatal.

Dessa forma, é de suma importância demonstrar a legislação aplicável ao Imposto de Renda, seus princípios constitucionais reguladores e inserir essa realidade tributária à realidade social dos contribuintes.

Assim, o Imposto de Renda Pessoa Física é um assunto que chama a atenção de todos os brasileiros por ser diretamente ligado ao cotidiano de todos os cidadãos.

No entanto, o dever de pagar Imposto de Renda, em lato senso, só passa a ser mais questionado, quando a mídia enfoca a rede de corrupção por parte dos Três Poderes. O contribuinte começa, então, a reavaliar a relevância de sua contribuição compulsória e a sua conseqüente aplicação, discutindo, ainda, o tratamento diferenciado e clamando por maior progressividade nas alíquotas incidentes sobre a renda.


2.0.O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da capacidade contributiva apareceu, pela primeira vez, no Brasil, através da Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 179, XV, nos seguintes termos: “ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado na proporção dos seus haveres” [1].

Foi, no entanto, suprimido em algumas Constituições Federais posteriores, mas o texto constitucional de 1988 resgatou o superado artigo 202 da Constituição de 1946, e assim dispôs em seu artigo 145, § 1º:

“Art. 145. §1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

A capacidade contributiva, chamada no direito alienígena como “taxable capacity” é a capacidade de pagar tributo (ability to pay). Para Regina Helena Costa, destacam-se dois tipos de capacidade contributiva: a absoluta ou objetiva e a relativa ou subjetiva:

“Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos, apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial. Nesse sentido, a capacidade contributiva atua como pressuposto ou fundamento jurídico do imposto, constituindo diretriz para a eleição das hipóteses de incidência de impostos.

Diversamente, a capacidade contribuitiva relativa ou subjetiva – como a própria designação indica – reporta-se a um sujeito individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo, apto, pois, a absorver o impacto tributário. Nessa outra acepção, a capacidade contributiva opera, desse modo, como critério de graduação do imposto e limite à tributação” [2].

Tal princípio está intimamente ligado aos princípios da igualdade e da isonomia. No entanto, percebe-se que o intuito do constituinte é dar ainda mais abrangência ao princípio da capacidade contributiva, eis que busca a justiça social; enquanto que o princípio da igualdade é mais restrito e tem o intuito de coibir discriminações arbitrárias.

Nessa busca por uma tributação justa, encontram-se dois tipos de “equidade”: a horizontal e a vertical. Na equidade horizontal, tem-se a idéia do tratamento “igual para os iguais”, sendo que os contribuintes que possuem a mesmas condições deverão arcar com a mesma quantidade pecuniária ao Estado. Na equidade vertical, tem-se a idéia de tratar os “desiguais de forma desigual”, sendo que os que possuem desigual capacidade de contribuição deverão arcar com desiguais quantidades pecuniárias ao Estado. “Assim, indivíduos com rendas maiores deverão contribuir, proporcional e equitativamente com maiores recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos” [3].

No entanto, em relação a esse princípio, necessário verificar e analisar os termos empregados pelo constituinte na redação do mencionado artigo. A expressão “impostos” não limita a aplicação do princípio da capacidade contributiva a essa espécie tributária. Pelo contrário, tal princípio deve ser observado por outros tributos.  Nessa inteligência, Anderson S. Madeira, citado por Sabbag, dispõe:

“O princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios” [4].

Outra expressão de destaque é o disposto no início do artigo constitucional: “sempre que possível”. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado:

“É certo que a expressão ‘sempre que possível’, utilizada no início do mencionado dispositivo, pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor interpretação, porque sempre é possível a observância do referido princípio. A nosso ver, o sempre que possível, do § 1º do art. 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com caráter pessoal” [5].  

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Acompanhando o insigne Hugo de Brito Machado, citando Aliomar Baleeiro, Sabbag ainda dispõe:

“A análise do § 1º do art. 145 da Constituição Federal deve orientar o estudioso no sentido de que a expressão ‘sempre que possível’ não confere poder discricionário ao legislador, mas designa, sim, por meio do advérbio ‘sempre’ um inafastável grau de imperatividade no comando, ‘deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos pela capacidade contributiva do contribuinte’” [6].

No entanto, ao que pese o entendimento acima, importante ressaltar uma observação de SABBAG (2009, p. 119), explicando que a expressão “sempre que possível” é dependente do que chama de possibilidades técnicas de cada imposto. Dependendo do imposto, a capacidade contributiva será observada, ou não; a título de exemplo, dispõe:

“Com efeito, se o imposto sobre a renda, por exemplo, mostra-se vocacionado à variação de alíquotas, na busca do ideal de justiça, o ICMS, em princípio, repudia-a, uma vez que trata de imposto incidente sobre o consumidor final, no plano da repercussão tributária, indo de encontro à idéia da pessoalidade anunciada no dispositivo” [7].

Outro importante enfoque que diz respeito a este tópico é a correlação entre a capacidade contributiva e a progressividade.

Carrazza ensina que “em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva” [8].

“A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo ‘quanto mais se ganha, mais se paga’, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de ‘riqueza presumível do contribuinte’. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório” [9].  

Sacha Calmon Navarro Coêlho ainda expõe:

“A progressividade é instrumento técnico e também princípio, na dicção constitucional, que conduz à elevação das alíquotas à medida que cresce o montante tributável, indicativo da capacidade econômica do contribuinte. No Brasil (art. 153, §2º, I), a sua adoção é obrigatória. O legislador ordinário está obrigado a conferir-lhe eficácia, embora a sociedade, dormente, aceite que este atue à la diable nesta questão, por insuficiente consciência de cidadania” [10].

Previsão expressa na Constituição Federal de impostos progressivos são: Imposto de Renda, IPTU e o ITR.

No que tange à proporcionalidade, o princípio da capacidade contributiva torna um instrumento de justiça social neutro, eis que há a incidência de mesma alíquota para base de cálculo tributável variável.

Assim, os impostos que não são progressivos, mas sim proporcionais, acabam gerando a chamada “regressividade”:

“Com efeito, subsistem férteis críticas à técnica da proporcionalidade, como se nota da lição de Geraldo Ataliba, para quem ‘os impostos que não sejam progressivos – mas que tenham a pretensão de neutralidade – na verdade, são regressivos, resultando em injustiça e inconstitucionalidade” [11].

Com o fim de se inibir essa “regressividade”, o princípio da capacidade contributiva também busca na seletividade uma forma de extrafiscalidade na tributação com o fim de exteriorização desse princípio, prestigiando a utilidade social do bem. Assim, quanto mais essencial o bem, menor será a sua alíquota de imposto. Exemplos de impostos seletivos são: ICMS e o IPI.

Demonstrado o princípio da capacidade contributiva, em linhas gerais, importante destacá-lo, especificamente, no Imposto sobre a Renda.


3.0.O IMPOSTO SOBRE A RENDA E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A primeira norma disciplinadora do imposto sobre a renda, embora não especificamente com este nome, surgiu, no Brasil, no início do 2º reinado, através da Lei nº 317 de 21 de outubro de 1843 [12]. O artigo 23 da referida lei estabeleceu um imposto progressivo sobre os vencimentos percebidos pelos cofres públicos e vigorou por dois anos. Assemelhava-se a uma tributação exclusiva na fonte.

No entanto, somente em dezembro de 1922, o Imposto de Renda, como é conhecido nos dias de hoje, de forma com que seja incidente sobre a renda global foi instituído no Brasil, por meio da Lei de Orçamento de nº. 4.625, de 31.12.1922.

Em seu artigo 31, assim dispunha:

“Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem” [13].

Com um artigo e oito incisos, estava, então, criado o imposto sobre a renda no Brasil. Após essa data, ocorreram algumas alterações na legislação “a fim de facilitar a sua implementação, o que ocorreu em 1924. Optou-se, então, pela progressividade de suas alíquotas, estabelecidas entre 0,5% e 8%”. (COSTA, 2003, p. 26).

Desde então, o Imposto sobre a Renda, um dos principais impostos de âmbito Federal, tem alcançado importante destaque no orçamento da União e, também, no orçamento do contribuinte ordinário. Assim, o Imposto de Renda é imposto de competência da União Federal e tem como função primária representar a principal fonte de receita tributária da União. De forma secundária, possui função extrafiscal.

Na Constituição Federal de 1988, com disposição expressa no artigo 153, §2º, inciso I, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é informado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade.

“A generalidade diz respeito à sujeição passiva, indicando a incidência sobre todos os contribuintes que pratiquem o fato descrito na hipótese de incidência da exação. A universalidade, por sua vez, demarca o critério atrelável à base de cálculo do gravame, que deve abranger quaisquer rendas e proventos auferidos pelo contribuinte, independente da denominação da receita ou do rendimento (vide art. 43, §1º, CTN, à luz da LC n. 104/2001). Por fim, a progressividade do IR – mesmo que insuficiente, como é sabido – prevê a variação positiva da alíquota do imposto à medida que há aumento de base de cálculo”[14]

Ainda, Sacha Calmon ainda dispõe:

“Tem-se, na junção desses dois preceitos, o desejo do contribuinte de tornar o imposto de renda geral (incidindo sobre todos os rendimentos), universal (pago por todos), igual (para os iguais) e desigual em dada classe de pessoas, na medida de suas desigualdades, em homenagem à capacidade contributiva, em razão da qual a progressividade se justapõe à proporcionalidade na técnica de incidência do gravame [...] [15].

Possui como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional. Embora não seja o escopo deste trabalho, importante ressaltar que o conceito de renda encontra-se delimitado constitucionalmente, traduzindo, pois, no acréscimo patrimonial, considerado em um determinado período de tempo. É sempre algo que agrega ao patrimônio do contribuinte, não podendo caracterizar “renda” aquilo que substituiu uma perda patrimonial.

O Imposto de Renda, como se conhece hoje, demonstra dados curiosos: em 2003 e anos seguintes, a participação do Imposto de Renda na carga tributária brasileira, correspondia a, aproximadamente, 20% (vinte por cento). Em 2010, esse número chegou, precisamente, a 17,3%[16]. Nos países mais desenvolvidos da América e da Europa, esse número chega a 70% (setenta por cento). Em contrapartida, a carga tributária brasileira é extremamente dependente do IPI e do ICMS, impostos sobre produção e circularização de bens e serviços, chegando a corresponder 60%. (COSTA, 2003, p. 26).  

Com baixo grau de progressividade e alta regressividade, a conseqüência é o maior ônus àqueles que ostentam menor aptidão de contribuir às despesas do Estado, uma vez que, em regra, quem possui maiores renda e patrimônio, revelando maior capacidade contributiva, é o destinatário de uma carga tributária mais amena.

Assim, no intuito de se buscar a justiça social e fiscal, a lei do Imposto de Renda deveria levar em conta algumas concretas medidas:

“(1) consideração precisa das condições pessoais dos contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) e a prudente fixação de um mínimo vital, compatível com a realidade: o artigo 6º da Carta Magna arrola, como direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Há de se buscar a efetividade na proteção de tais valores, aqui prestigiados, à luz da tributação progressiva do imposto sobre a renda;  

(2) estipulação de um expressivo número de deduções para o IR devido, adequando a exigência fiscal ao perfil do contribuinte: a dedutibilidade deve ser ampla, englobando todas as despesas necessárias à manutenção do indivíduo e de sua família, sem limitações arbitrárias, as quais, por amor à lógica e à justiça, não podem integrar o conceito de ‘renda’. Há de haver uma política ‘de inclusão’ de despesas dedutíveis – e não o contrário! – alcançando-se, quiçá, os medicamentos e o material escolar, diversamente do que hoje presenciamos;

(3) estabelecimento de um expressivo grau de progressividade de alíquotas, em função da quantidade de renda auferida: há que se imprimir maior progressividade às alíquotas, de modo a cumprir, efetivamente, o desígnio constitucional” [17].

O primeiro item, na verdade, leva em consideração que o imposto de renda deve considerar as condições pessoais dos contribuintes, de modo a preservar o mínimo vital. Entende-se por “mínimo vital” a quantidade de riqueza mínima e suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família, sendo intocável pela tributação. Assim, o princípio da capacidade contributiva só pode existir, após a superação da margem do “mínimo vital”, para fins de tributação. O problema, no entanto, é estabelecer o conceito e a margem desse “mínimo”, sem considerar exageros ou chegar ao ponto de criar restrições para fins de subsistência.

O segundo diz respeito a um maior rol de hipóteses de dedutibilidade do Imposto de Renda. Hoje, com taxativas exceções, poderia ter seu leque ampliado, de modo com que a carga tributária fosse diferenciada para quem realmente precisa ser, adequando-se ao perfil do contribuinte.

O terceiro item corresponde ao clamor social da progressividade de alíquotas. Ora, o princípio da capacidade contributiva, como visto, exige que a tributação seja feita em proporção à riqueza/patrimônio de cada contribuinte, assim, nada mais do que justo que o imposto sobre a renda obedeça à progressividade, e não à proporcionalidade. Se atender à proporcionalidade, o contribuinte com maior capacidade arcará com a mesma proporção que o indivíduo de menor capacidade, já que as alíquotas são fixas, de modo com que o de menor renda terá um impacto muito maior em seu orçamento do que o contribuinte que aufere maior renda. Assim, a progressividade é a técnica mais adequada para se alcançar a igualdade.

Vale ressaltar que, até pouco tempo, a legislação previa apenas 2 (duas) alíquotas (15% e 27,5%) do imposto de renda da pessoa física (IRPF). Até 1995, havia também a previsão de uma terceira alíquota (35%). Hoje, têm-se as seguintes alíquotas: alíquota zero, para quem se encontra na faixa de isenção; 7,5% (sete e meio por cento); 15% (quinze por cento); 22,5% (vinte e dois e meio por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento).

A iniciativa de se ter uma tabela mais progressiva, criando outras faixas de alíquotas, fez parte do pacote “anti-crise” financeira de 2008. No entanto, não se pode aguardar oscilações financeiras nacionais e internacionais para se atender ao clamor social da progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física.

Sabe-se que o Brasil tem uma elevada carga tributária e, pior, em ascensão. Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), calcula-se que o brasileiro trabalha mais do que 4 (quatro) meses por ano para pagar tributos (impostos, taxas e contribuições). Ainda, a proporção da carga tributária direta e indireta é de 40% para a primeira e 60% para a segunda. Não bastasse isso, os pobres no Brasil, ou seja, aqueles que sequer chegam à contribuir com o Imposto de Renda, por estarem em faixa de isenção, pagam mais impostos proporcionais à sua renda, veja-se:

“Segundo Marcio Pochmann, presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ‘os pobres no Brasil pagam 44% mais imposto, em proporção à sua renda, que os ricos. Embora os 10% mais pobres não paguem Imposto de Renda, consomem bens com alta carga de impostos indiretos, como os da cesta básica’. Para Pochmann, ao apresentar dados que mostram a incidência de tributos mais fortes entre os hipossuficientes, afirma que 1,8% da renda dos mais pobres é gasta com IPTU, enquanto 1,4% da renda dos mais riscos é gasta com o imposto. Para ele, ‘o IPTU das mansões é proporcionalmente menor que o da favela’” [18].

Ainda, importante ressaltar que, na verdade, o brasileiro, usualmente, não se opõe às hipóteses de incidência tributária, nem se opõe às espécies tributárias dispostas no ordenamento jurídico. O maior clamor é pela contraprestação estatal.

A descoberta de inúmeros casos de corrupção no âmbito dos 3 (três) poderes, aliada às mudanças políticas, às crises financeiras e ao maior acesso da população à mídia e à informação, faz com que os contribuintes se tornem ainda mais exigentes com o destino dos impostos recolhidos pelo Estado. Merece destaque o Imposto de Renda da Pessoa Física, por ser o tributo que, visivelmente e mensalmente, o contribuinte se certifica, nominalmente, de quanto contribui aos cofres públicos. Assim, esse ato do “leão” abocanhando parte do ordenado em paradoxo às condições da contraprestação fornecida pelo Estado é o estopim para os clamores sociais de reforma tributária. Ora, o mais humilde e iletrado contribuinte já percebeu que o Brasil tem alta arrecadação tributária e baixo retorno social.

“De acordo com João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), como o Brasil é muito grande, o governo tem muitas despesas. Então, a alta arrecadação é mesmo necessária. Em países como Suécia, Suíça e Noruega, os impostos também são altos. Mas lá, o tratamento dado aos recursos públicos é sério e muito diferente. ‘O cidadão que nasce nesses países fica tranqüilo em relação a serviços públicos. E, como recebem o retorno, não reclamam em pagar impostos, por mais altos que sejam. Já aqui, temos um problema de administração pública. A população brasileira não recebe em troca, não há comprometimento em devolver um serviço público de qualidade’” [19].

Insta frisar que os Estados Unidos, o Japão e a Irlanda estão no topo do ranking dos países que melhor aplicam os tributos em qualidade de vida aos cidadãos. É o que aponta o Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES), elaborado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). O estudo analisou os 30 países com as maiores cargas tributárias no mundo e verificou se os valores arrecadados eram retornados à população por meio de serviços de qualidade.

O Brasil ficou com a última posição. Países da América Latina como Uruguai e Argentina, ocuparam as 13ª e 16ª posições, respectivamente, fazendo melhor uso dos impostos arrecadados dos contribuintes.

O Brasil tem uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo. Atualmente, ela corresponde a, aproximadamente, 37% do PIB (Produto Interno Bruto).

Verifica-se, então, que os números estão a favor do Brasil, mas não dos brasileiros. Os contribuintes são sacrificados em prol de uma forte e crescente arrecadação em paradoxo a uma contraprestação social cada vez mais deficiente. Não bastasse isso, o Imposto de Renda da Pessoa Física engessa toda a estrutura do contribuinte de modo a não haver muitas hipóteses de dedutibilidade, nem de expressivo grau de progressividade nas alíquotas.

Sobre a autora
Carolina Siniscalchi

Advogada Empresarial (empresa de âmbito internacional, no ramo de Alimentação). Especialista em Direito do Trabalho e Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SINISCALCHI, Carolina. Uma análise do imposto de renda:: pessoa física em face ao princípio da capacidade contributiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25706. Acesso em: 22 dez. 2024.

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