Resumo: A falência de uma empresa é extremamente impactante para o meio social, em especial em Municípios pequenos, cuja economia gira em torno, muitas vezes, de uma ou algumas empresas de porte considerável para aquela realidade. As mudanças legislativas implementadas com a revogação do vetusto Decreto-Lei nº 7.661/45 repercutiram positivamente no Poder Judiciário com a redução da decretação de falências e, até mesmo, do número de processos nessa seara.
Sumário: I. Considerações IniciaisII. Análise do TemaIII. Considerações Finais
I. Considerações Iniciais
O estudo do impacto de uma nova lei sobre a sociedade em geral deve observar estritamente a medida da eficiência do novel diploma normativo através da análise da capacidade deste em realmente modificar as relações sociais e/ou econômicas por meio do âmbito jurídico e de atender aos princípios e às razões maiores pelas quais foi elaborado.
Vislumbrar os efeitos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sobre a sociedade em geral já seria um importante trabalho para que se constatasse a eficiência da mesma em proteger os valores para os quais foi porventura concebida pelo Poder Legislativo da República brasileira.
Entretanto, cumpre ainda apontar e descobrir o real impacto da novel Lei de Falências e Recuperação de Empresas no âmbito do Poder Judiciário nacional, nada obstante o espaço de um artigo seja insuficiente para uma análise completa e mais aprofundada do tema.
A título de exemplo preambular, é de se indagar se a Lei foi capaz de gerar redução do número de demandas no Judiciário e se os seus objetivos estariam sendo alcançados na prática forense e no cenário econômico.
A análise de todo o material bibliográfico encontrado e disponível atualmente deve delimitar os pontos mais importantes e buscar eficientemente novas teses jurídicas ou novos pontos de vista acerca do tema.
A busca dos fundamentos do pensamento jurídico deve propiciar ao leitor um conhecimento aprofundado e sólido capaz de servir de base para ideias ou debates a respeito do que se busca com a nova legislação.
Os estudos comparativos entre as normas que se sucederam (Lei nº 11.101/05 e Decreto-Lei nº 7.661/45) devem estar atentos a toda uma gama de fatores presentes nas realidades de uma e de outra, para que não se façam observações injustas ou inadequadas a respeito do real efeito modificador da nova Lei e/ou não se permita uma busca infeliz de volta ao passado. A nova Lei deve ser sim retrato fiel das atuais necessidades sociais para que não entre em vigor já “velha” – já que o Direito vem na esteira do fato social.
Finalmente, não se deve olvidar que existe uma tendência dos legisladores em geral de se socorrer em novas leis para resolver antigos problemas, “maquiando” a realidade que se busca modificar com novos nomes a velhos problemas ou velhas soluções. Em outras palavras, deve ser estudado se a nova “recuperação de empresas” não se trata mera e simplesmente de uma já conhecida “concordata”. Partindo-se deste pressuposto é possível detectar melhor características da nova legislação.
Assim, cientes de que o aprofundamento nos estudos, a seriedade nos mesmos e a sua disponibilização para o conhecimento de todos é uma tarefa social de fundamental importância, compartilhamos com a comunidade jurídica o resultado escrito de algumas de nossas pesquisas e observações empíricas realizadas na seara da Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
II. Análise do Tema
Constatou-se a priori uma aparente desaceleração no número de ações judiciais de falências ou de concordatas antes da entrada em vigor da novel legislação, provavelmente pelo temor dos futuros prováveis polos ativos das demandas acerca das novidades do atual diploma legal.
O Projeto de Lei nº 4.376/93, na Câmara dos Deputados (PLC nº 71/03 no Senado Federal), revogou o Decreto-Lei nº 7.661/45, a antiga Lei de Falências, e tinha objetivos e inovações importantes como, dentre outros, a alienação imediata dos bens do falido. Assunto tratado em audiências públicas, recebeu o Projeto diversas emendas e sugestões de juristas até que, após longo trâmite no Congresso Nacional, foi sancionado e se tornou a Lei federal nº 11.101/05, então denominada nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, passando a viger no mesmo ano.
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA NOVA LEI DE FALÊNCIAS
Fábio Ulhoa Coelho sintetiza quatorze principais alterações na nova Lei Falimentar.1 A seguir, elencamos os pontos mais importantes de algumas delas.
Primeiramente, a antiga concordata preventiva ou suspensiva passou a ser denominada recuperação judicial. Diferentemente da concordata, que era um direito de todo empresário que preenchesse as condições legais, independentemente da viabilidade ou não de sua recuperação econômica, a recuperação judicial só pode ser obtida por quem a atividade econômica possa ser reorganizada. A concordata abarcava somente os credores quirografários enquanto a recuperação judicial sujeita todos os credores, mesmo detentores de privilégio ou preferência. Finalmente, o sacrifício dos credores (dividendo mínimo), na concordata, vinha definido na lei e era da escolha unilateral do devedor. Na recuperação judicial, o sacrifício, acaso existente, será delimitado no plano de recuperação, sem limitação legal, devendo também ser aprovado por todas as classes de credores.
O pedido de falência deixa de ser medida de coerção para a cobrança de dívidas. Efetivaram-se mudanças como o novo patamar mínimo para valores de dívidas a serem cobradas, a impossibilidade de decretação de falência com base na impontualidade não justificada pela simples apresentação, no prazo de contestação, de plano de recuperação, sem se falar do aumento do prazo de contestação de um para dez dias.
A realização do ativo pode se dar sem estar sujeita à verificação de créditos e de possíveis crimes falimentares. Bens perecíveis, sujeitos à desvalorização, de arriscada ou dispendiosa conservação podem ser vendidos antecipadamente.
A venda dos bens do falido segue ordem legalmente estabelecida de preferência, cria-se o pregão como nova modalidade de venda, além de a escolha da melhor forma e da modalidade de venda caber ao juiz, e não mais ao síndico.
Houve mudança dos critérios legais de participação do Ministério Público de forma substancial. A participação do órgão só ocorrerá em intervenções específicas, quando houver indícios de crime, desobediência à Lei ou ameaça de lesão ao interesse público.
Administrador judicial é o novo nome do outrora denominado “síndico”. Sua remuneração foi alterada, sua autonomia e seu leque de competências diminuídos em relação à sistemática anterior.
Com efeito, criou-se o “Comitê” como novo órgão na falência e ampliou-se a função da assembleia-geral de credores.
No tocante à ordem de classificação de credores, tem-se as seguintes alterações: (I) vítimas de acidentes de trabalho concorrem com os empregados titulares de direitos trabalhistas limitados a 150 salários-mínimos por credor; (II) credores fiscais perdem a ordem de preferência para os titulares de garantia real; (III) despesas da administração da falência serão atendidas antes dos credores; (IV) são atendidos antes dos outros credores do falido os que lhe outorgaram crédito não quirografário no decorrer da tramitação da recuperação judicial; e (V) define-se como subordinado o crédito titularizado por administrador sem vínculo trabalhista ou sócio.
As penas pecuniárias por infrações penais ou administrativas podem ser reclamadas na falência. As multas tributárias estaduais e municipais estão neste conjunto e são classificadas, doravante, como subquirografários com preferência sobre os subordinados.
Doravante, quem apresentará a lista dos credores, na falência, será o próprio falido. Os discordantes do valor e da classificação de seu título deverão apresentar seus reclamos ao administrador judicial. Somente após nova publicação da lista de credores é que o juiz poderá receber qualquer impugnação a respeito. Posteriormente ao julgamento de todas as impugnações será publicada uma terceira lista que consolidará o quadro geral de credores.
O procedimento para as ações revocatórias também foi modificado em relação à legitimidade ativa e ao prazo de decadência para a ação. A verificação de contas não existe mais.
O Direito Penal Falimentar, da mesma forma, foi alterado significativamente. A conduta culposa deixa de ser típica. As penas foram aumentadas de maneira considerável. O conhecido “caixa 2” se tornou agravante do crime falimentar. A prescrição passa a ser a mesma do Código Penal. Foi extinto o inquérito judicial e o crime falimentar passou a ser investigado por meio de inquérito policial.
DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Extrai-se do art. 47 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas que a recuperação judicial objetiva tornar viável a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
É relevante destacar que, no antigo Decreto-Lei nº 7.661/45, o instituto da concordata seria o que mais se assemelharia à atual recuperação judicial. Entretanto, na leitura dos dispositivos do Título X da regulamentação não se vislumbra qualquer manifestação do legislador no sentido de criar um princípio de preservação de empresas.
Nesse sentido, decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça2, no tocante à recuperação judicial, têm refletido o acolhimento pelo Judiciário do aludido princípio.
III. Considerações Finais
Deveras, a mudança da recuperação judicial em relação à antiga concordata foi positiva no que concerne à exigência atual de que, para ser obtida, a recuperação judicial requer do seu postulante a demonstração da capacidade real de reorganizar suas atividades econômicas. O fato de abarcar a recuperação judicial todos os credores também é relevante.
Outras medidas importantes para a melhoria da prestação jurisdicional em relação à legislação anterior foram detectadas. O pedido de falência não pode ser mais utilizado para cobrança de dívidas. Falências não poderão ser mais decretadas por impontualidade de pagamentos não justificada quando o devedor apresentar plano de recuperação. Além de ter havido um aumento do prazo de contestação do devedor de um para dez dias.
A participação do Ministério Público foi otimizada pelos novos critérios legais para situações específicas. A alteração da autonomia e da competência do outrora “síndico” e atual “administrador judicial” tem gerado o aumento das atribuições do juiz, que preside o processo, do comitê e da assembleia-geral de credores.
Ainda, entendemos como positiva a medida da realização dos ativos poder realizar-se sem prévia verificação de créditos e de crimes falimentares. Da mesma forma, é relevante a possibilidade de que bens perecíveis, sujeitos à desvalorização, de arriscada ou dispendiosa conservação possam ser vendidos antecipadamente. As mudanças pertinentes à venda de bens do falido, a inclusão do pregão como espécie de venda e a escolha da melhor forma e da modalidade de venda caber ao juiz foram alterações significativas.
As modificações atinentes à lista dos credores e à verificação de contas simplificaram o procedimento, assim como as de Direito Penal Falimentar.
Contudo, o fato de as penas pecuniárias por infrações penais ou administrativas poderem ser reclamadas na falência pode gerar eventuais demoras ou aumentar o lapso de tempo do transcorrer do processo.
Com efeito, a Lei nº 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, foi editada com o notório intuito de desafogar o Poder Judiciário das inúmeras demandas de falência – o que, efetivamente, tem se dado nas varas judiciais País afora –, possibilitando à empresa devedora que passa por crise financeira se valer dos institutos da recuperação judicial ou extrajudicial para apresentar aos seus credores um programa de pagamento das dívidas que viabilize à mesma quitar seus débitos sem que tenha que encontrar o seu fim.
De fato, a nova Lei veio ao encontro da Constituição Federal, que em seu art. 1º, inciso IV, fixa como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Com isso, o legislador constituinte originário de 1988 registrou a importância da atividade empresarial para a economia brasileira.
Sem embargo, a falência de uma empresa é extremamente impactante para o meio social, em especial em Municípios pequenos, cuja economia gira em torno, muitas vezes, de uma ou algumas empresas de porte considerável para aquela realidade.
Dessa forma, ressai do estudo realizado e das constatações empíricas empreendidas no juízo falimentar que as mudanças legislativas implementadas com a revogação do vetusto Decreto-Lei nº 7.661/45 repercutiram positivamente no Poder Judiciário com a redução da decretação de falências e, até mesmo, do número de processos nessa seara.
NOTAS:
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 41-44.
2 Cf. REsp nº 1.166.600-RJ, Terceira Turma, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, DJe 12.12.12.