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Cuidado, sudestinos racistas e ignorantes em ação

Agenda 20/01/2014 às 15:22

O racismo é um grave problema no Brasil, mas a tolerância policial ao racismo em São Paulo é criminosa.

É absolutamente essencial ler com atenção e meditar com calma sobre os comentários racistas e ofensivos postados no Twitter por jovens brancos e bem nascidos que rejeitam a presença de outros (pobres, baianos, favelados, negros e pardos) nos Shoppings. 

 http://revistaforum.com.br/blog/2014/01/negrada-e-baianada-criminalizacao-de-rolezinhos-gera-explosao-de-racismo-na-internet/

A primeira coisa que os comentários evidenciam é que seus autores ignoram ou rejeitam alguns princípios fundamentais da CF/88: 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: 

III - a dignidade da pessoa humana; 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Em razão do teor ofensivo e violento dos comentários, percebe-se que seus autores acreditam tanto na própria superioridade quando na inferioridade (social, racial, intelectual, regional ou econômica) dos outros, cuja simples presença no Shopping é rejeitada. Estes jovens brancos bem nascidos não querem coexistir com os outros no mesmo ambiente. O desejo neurótico de limpeza sócio-econômica e racial manifestado pelos comentaristas é evidente e assemelha-se àquele que estimulava os sul-africanos brancos racistas a preservar a separação racial na África do Sul. No limite, quando ganha importância política e contornos totalitários esta patologia produz massacres, pois quem primeiro rejeita a convivência com os outros e impede-os de circular em determinados ambientes está a um passo de exigir sua eliminação física. 

Após estudar profundamente o fenômeno, Jacques Sémelin (Purificar e destruir, Difel, 2009) afirma os genocídios praticados na Alemanha (contra os judeus), Ruanda (contra os tutsis) e Sérvia (contra kosovares e croatas) foram fomentados pelos discursos incendiários dos líderes políticos (Hitler, Habyarimana e Milosevic). Mas em todos os casos o discurso sacrificial só conseguiu alcançar seu propósito em razão da propaganda ter criado um ambiente emocional confortável para que o respeitável público aceitasse a intolerância e praticasse violências. 

A manipulação das emoções, ocupa, dessa forma, um lugar central na instauração de tais poderes, mas o que vai sustentar e desenvolver esse estado emocional é a propaganda. Ela, necessariamente, acompanha e reforça o estabelecimento desses sistemas políticos.

Um pouco mais adiante o estudioso francês explica que: 

O princípio básico é sempre o mesmo: fabricar emoção. Entenda-se: suscitar o medo, a desconfiança, o ressentimento e, assim, provocar, como reação, a vigilância, o orgulho, a vingança. Um aparelho de propaganda é, antes de tudo, uma máquina de fabricar emoção pública, a exemplo dos líderes, a quem ela reveza e amplifica o que dizem. É trabalhando com a emoção que ela almeja alcançar a adesão do público: 'Não tem escolha', é o que ela diz. 'Temos, todos, que nos defender dessa gente. É uma questão de identidade: nossa sobrevivência está em jogo.' E é por onde a propaganda ataca o pensamento: 'Diante da ameaça comum, devemos nos mostrar mais fortes e afirmar o poder da nossa identidade.' A propaganda procura impor a todos uma interpretação do mundo, apresentada como 'vital', a partir do grupo a que ela pertence. Dessa forma, o envolvimento emocional do público, rapidamente, se estende ao envolvimento ideológico.

Sem saber como tratar os rolezinhos, uma parcela significativa da imprensa brasileira reagiu com a mesma irracionalidade e rejeição que devota ao MST e outros movimentos sociais considerados indesejáveis pelos barões da mídia. A repressão policial se intensificou, inclusive com a realização de disparos de armas de fogo (usando balas de borracha) e a explosão de bombas de gás num Shopping. "Queremos mais repressão policial", "estamos nos sentindo inseguros" , "esta baderna é inadmissível e tem que acabar" vociferaram lojistas e clientes dos Shoppings nas entrevistas que deram aos telejornais. E a onda de ódio discretamente alimentada pela imprensa agora cresce na internet, onde as ofensas racistas são mais diretas e as exigências de limpeza (social, regional e racial) dos Shoppings e a prática de violência contra os outros não são mediadas pelo temor reverencial despertado pelas câmeras de TV. 

O ambiente de ódio e racismo em São Paulo não é novidade. O caso Mayara Petruso (jovem condenada por postar ofensas racistas no Twitter após a derrota de José Serra nas eleições presidenciais) ocorreu há bem pouco tempo. Esta semana um garoto negro, pobre e gay foi brutalmente assassinado e a Polícia estranhamente registrou o caso como suicídio. Se um garoto branco bem nascido fosse encontrado morto com os mesmos ferimentos e mutilações que Kaique Augusto Batista dos Santos o caso seria registrado como suicídio? Duvido muito. 

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O que assusta mais nestes jovens é a absoluta certeza de impunidade. Eles absolveram o discurso irracional de rejeição dos rolezinhos elaborado por uma parcela da imprensa e o reproduziram com uma intensidade virulenta que chega a ser criminosa. É impossível, todavia, que eles desconheçam os riscos que estão correndo ao postar estas mensagens racistas no Twitter, pois o processo e condenação de Mayara Petruso teve ampla divulgação na mesma internet que eles usam com frequencia. 

Outra coisa que assusta nestes jovens brancos e bem nascidos é sua absoluta falta de conhecimento de História. Eles ofendem os baianos como se Salvador não tivesse sido a primeira cidade a ser construída na Colônia a mando de D. João III, como se na Bahia não tivesse se forjado a nacionalidade brasileira durante a guerra contra os invasores holandeses. Eles parecem não ter aprendido nas suas requintadas escolas privadas que durante dois séculos São Paulo foi uma capitania deficitária em que se falava predominantemente tupi-guarani. Após a proclamação da independência, São Paulo continuou sendo apenas uma província irrelevante com sua capital despovoada (que mal poderia ser chamada de cidade quando comparada a Recife, Salvador e Rio de Janeiro). 

De fato, para mim é evidente que estes garotos racistas desconhecem ou rejeitam a própria história familiar. Muitos deles são provavelmente descendentes de europeus pobres que chegaram ao Brasil com uma mão na frente e outra atras a partir da segunda metade do século XIX. Os antepassados deles foram bem recebidos no Brasil e prosperaram. Mas agora os rebentos dos imigrantes europeus rejeitam o país que acolheu seus ancestrais miseráveis. Eles são netos, bisnetos e tataranetos de camponeses descalços e mesmo assim acreditam que tem sangue azul e, por via de consequencia, direito exclusivo de frequentar os Shoppings. Pelo teor dos comentários percebe-se a crença deles na própria superioridade tanto quanto na inferioridade dos outros brasileiros (muitos dos quais pertencem a famílias modestas que, com sangue, suor e lágrimas, construíram e constroem este país-continente há vários séculos). 

Os outros, cuja presença é virulenta e criminosamente rejeitada nos Shoppings, poderiam com muito mais justiça se dizer mais brasileiros do que os autores destes comentários ofensivos. E, no entanto, os rolezeiros não fizeram e não fazem comentários racistas ou excludentes na internet. Eles querem apenas passear e se divertir onde os comentaristas brancos e bem nascidos fazem compras. Em nenhum momento vimos comentários de jovens negros, pardos, favelados e baianos exigindo que seus inimigos declarados fossem expulsos dos Shoppings. Este exemplo de generosidade racial e social dado pelos outros, que constituem a maioria esmagadora da população brasileira e paulista, é a única coisa que me deixa comovido nesta história. Enquanto os outros continuarem a rejeitar o péssimo exemplo dado pelos jovens bem nascidos, o Brasil tem um futuro possível para todos os brasileiros. Caso contrário, a minoria racista levará a pior (pois em conflitos deste tipo a força dos números é quase sempre absoluta e decisiva).

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. Cuidado, sudestinos racistas e ignorantes em ação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3855, 20 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26446. Acesso em: 22 dez. 2024.

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