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Flexibilização trabalhista: um estudo sobre a crise econômica e a suspensão do contrato de trabalho

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Agenda 29/01/2014 às 10:45

Flexibilizar direitos é um raciocínio puramente econômico, destoado dos princípios que orientam o Direito do Trabalho.

Resumo: O artigo trata da suspensão negociada do contrato de trabalho como uma forma de flexibilidade contratual baseada na eliminação de custos para as empresas. Constata-se através de um procedimento crítico que a flexibilização trabalhista é incompatível com os princípios específicos do ramo juslaboral, bem como as diretrizes e bases principiológicas traçadas pela Constituição. Através de uma análise jurídico-sociológica, observa-se que a suspensão do contrato de trabalho, constitui um ataque às garantias trabalhistas, à ordem jurídica e ao Estado Social, não podendo ser considerada como uma saída para a crise econômica e o desemprego.  A pesquisa demonstrou a necessidade de se resgatar o caráter protetivo e a função central do Direito do Trabalho com a conseqüente melhoria das condições de pactuação na ordem econômica, visando um equilíbrio na distribuição de renda e a criação efetiva de um patamar mínimo civilizatório. Os resultados mostram que a suspensão negociada não é capaz de cumprir seus objetivos preservando e efetivando a dignidade do trabalhador. Não é possível conceber a precarização de direitos conquistados a troco de tantas lutas frente ao princípio da proibição do retrocesso social, pressuposto básico para a existência de um Estado Democrático de Direito. Demonstra-se através desse estudo que o desenvolvimento da economia deve estar necessariamente atrelado aos postulados da boa fé e da justiça social, conforme dispõe o artigo 170 da Constituição da República. A metodologia utilizada para a produção do trabalho é bibliográfica, partindo-se de uma análise jurídico-sociológica e de um raciocínio dialético.

Palavras – chave: Suspensão Negociada. Flexibilização. Princípios. Precarização. Estado Democrático de Direito.


1. INTRODUÇÃO

Neste texto, aborda-se a nova modalidade de suspensão extraída do artigo 476 - A da CLT em face da Medida provisória n. 1.709 de sete de agosto de 1998 e da MP n. 1.726 de três de novembro do mesmo ano, que foi reeditada sucessivas vezes, até chegar a Medida Provisória n. 2.164 - 41 de vinte e quatro de agosto de 2001.

A suspensão negociada é uma medida flexibilizadora utilizada falaciosamente como um instrumento de proteção ao desemprego. Posteriormente, apareceu como uma recomendação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) através da Convenção n. 168 retificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 89, de dez de dezembro de 1992.

Trata-se de uma suspensão para qualificação profissional caracterizada por uma sustação recíproca de efeitos contratuais onde se preserva o vínculo e a lealdade entre as partes. Durante a referida suspensão não há prestação de serviços, pagamento de salário, cômputo do tempo de serviço e não são efetuados recolhimentos vinculados ao contrato de trabalho.

Durante o período em que o trabalhador afasta-se pela suspensão, há substituição do salário por uma bolsa-auxílio financiada pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), com a exceção dos casos de prorrogação da suspensão, caso em que a bolsa fica exclusivamente a cargo do empregador.

Com a dispensa das obrigações de pagar salário e de efetuar recolhimentos previdenciários e de FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), os custos das empresas ficam sensivelmente diminuídos.

A suspensão contratual foi expandida devido à crise econômica global, que foi e ainda é motivo de preocupação de muitas empresas na busca de alternativas para diminuição de gastos. Grande parte dos empresários substitui as demissões pela suspensão negociada, por ser considerada um caminho “menos drástico”.

Os adeptos ao discurso da suspensão negociada, acreditam que o custo do trabalho no Brasil inviabiliza a atividade econômica e possibilita o aparecimento e a propagação de crises. Para analisarmos questões como essa, é fundamental explanar sobre as influências do neoliberalismo e da globalização no Direito do Trabalho.


2. INFLUÊNCIAS DO NEOLIBERALISMO E DA GLOBALIZAÇÃO NO RAMO JUSLABORAL

A globalização não é um processo inteiramente novo, os primeiros vestígios apareceram nos séculos XV e XVI com as Grandes Navegações e a expansão do capitalismo comercial na Europa. Objetivava-se criar um mercado mundial e enfraquecer economias nacionais em detrimento desse mesmo mercado global. Como resposta à crise do capitalismo surgiu a política neoliberal que se consolidou no final da década de 1970 com o ‘Reaganismo’ e o ‘Thatcherismo’.

Devemos entender que a flexibilização e a desregulamentação do Direito do Trabalho são reflexos inexoráveis da globalização. A exploração e a escravização da massa trabalhadora é conseqüência do sistema capitalista e sua respectiva política neoliberal. A mundialização da economia passou a ser apenas um dos efeitos do atual sistema adotado que se propagou e consolidou com maior intensidade após a crise do mundo socialista.

O neoliberalismo é uma doutrina político - econômica responsável pela adaptação e estruturação dos princípios do liberalismo econômico ao capitalismo moderno. As políticas neoliberais avançaram rapidamente após o declínio do welfare state com a defesa da livre atuação das forças de mercado, com o término do intervencionismo por parte do Estado, com a privatização de empresas estatais, de alguns serviços públicos essenciais e com a crescente interação econômica no mercado mundial.

Quanto mais se tenta efetivar o moderno e competitivo modelo de livre mercado, que pelo menos em tese satisfaria os interesses da sociedade, aumentaria a produtividade, reduziriam os preços e ampliariam o consumo, mais reaparecem formas de miséria e barbárie, exclusão e pobreza. Desemprego, baixos salários, aumento da desigualdade social e o aumento da dependência de capital internacional são apenas algumas das conseqüências da política neoliberal.

O discurso neoliberal fomenta a ideologia de que o custo do trabalho no Brasil é alto e acaba por inviabilizar a atividade econômica. “Tem-se dessa forma a volta da liberdade entre empregado e empregadores, a igualdade entre as partes, que livremente contratam as regras de seu contrato, sua jornada, seu salário, suas horas extras, entres outros, como meio de fomentar a ampliação de empregos, porém o pano de fundo é o processo globalizador que determina as regras do jogo.” (VIEIRA, 2001, p.63,64).

O neoliberalismo falhou na prática. Atualmente ele é um modelo incapaz de enfrentar os desafios do trabalho no sistema de produção de mercadorias da economia globalizada. 

2.1 Reestruturação produtiva

Com a mundialização da economia e a revolução tecnológica houve uma reorganização da produção que também afetou intensamente a distribuição e a prestação de serviços. Para abordar a reestruturação produtiva dos anos 90 é necessário adentrar na trajetória e na evolução do sistema de produção que se utilizou da indústria automobilística para criar métodos flexíveis e espalhá-los para outros setores.

A civilização automobilística foi responsável pelo rápido desenvolvimento do capitalismo justamente por ter “a particularidade de ser pioneira em matéria de organização da produção (organização do trabalho), seja ao nível de uma fábrica ou de todo um sistema de produção”. (GOUNET, 2002, p.14)

Com o taylorismo, divide-se o processo produtivo e retira-se o domínio que o empregado possuía sobre o mesmo. “Taylor trabalhou a divisão do trabalho dedicando-se ao aperfeiçoamento do processo de produção, analisando cada movimento, diminuindo o tempo de sua realização e tornando-o mais racional”. (GONÇALVES, 2007, p.71)

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O modelo de produção fordista surgiu estabelecendo um controle de tempo para a produção (tempo-padrão). Henry Ford aplicou os métodos do taylorismo com o objetivo de fabricar veículos com preço relativamente baixo para incentivar o consumo em massa. O preço final do produto também era resultado de outra estratégia, “a fábrica de Ford produzia todos os componentes do carro, bem como a matéria prima para a produção do veículo. Da criação de gado para a utilização do couro para os bancos do automóvel até fazendas de seringueira no Brasil para a extração do látex a fim de transformá-lo em borracha para a confecção dos pneus”. (GONÇALVES, 2007, p.95)

O taylorismo e o fordismo foram práticas que fortaleceram o sistema capitalista e formaram uma massa de excluídos com o aumento dos índices de desemprego, subemprego e das formas de incidência da exploração para com os trabalhadores fabris.

Com a globalização e as incessantes inovações tecnológicas ocorre mais uma progressiva mudança, dessa vez, originada no Japão, dentro da empresa Toyota. O modelo de produção toyotista surgiu com o intuito de regular um estoque para pronto atendimento da demanda utilizando a descentralização de serviços.

A produção passou a ser apenas por demanda, caso o mercado exija um aumento do produto a ser adquirido contrata-se trabalhadores por prazo determinado ou através de empresas interpostas, o que acaba por propagar o tipo de trabalho que conhecemos atualmente, o trabalho precário.

Na década de 90 as transformações econômicas causadas pelo neoliberalismo ampliaram a competitividade no mercado despertando a necessidade de incorporação de novas estratégias produtivas de modo sistemático. “Passou a ser construído de modo contraditório, um toyotismo sistêmico no Brasil, caracterizado não apenas pelo avanço quantitativo, mas pelo salto qualitativo, de casos de inovações tecnológico-organizacionais”. (ALVES, 2000, p.179)

Visualiza-se uma modernização das empresas com uma acelerada produção de mercadorias para que as indústrias possam concorrer no cenário mundial:

O novo complexo de reestruturação produtiva significa não apenas a aceleração da adoção da automação microeletrônica na produção, mas a utilização de novas estratégias organizacionais, inspiradas no lean production. Elas articulam nova flexibilidade da produção, não apenas no espaço do processo de trabalho intra-empresa (ocasionando o surgimento de um novo perfil operário), mas, principalmente, na relação entre empresas, na qual se desenvolvem novas estratégias de subcontratação (ou descentralização produtiva). E nesse âmbito que surge algo fundamental na nova etapa da produção capitalista: uma nova logística da cadeia produtiva, cujo principal exemplo é a “terceirização”, que vai permitir às corporações transnacionais do setor automobilístico desenvolver novos laços de subcontratação, capazes de proporcionar um novo patamar de valorização. (ALVES, 2000, p. 182)

Hodiernamente muitos postos de trabalho são preenchidos por máquinas em detrimento de seres humanos necessitados de vender a sua força de trabalho para sobreviver com um mínimo de dignidade. As inovações tecnológicas ampliam cada vez mais o desemprego e transformam o empregado em uma mão de obra barata. A demanda é maior que a oferta, fato que gera a desvalorização do trabalhador.    

O novo paradigma técnico-produtivo trouxe consigo a crise do emprego, a crise da baixa geração de renda e a ausência de perspectivas econômicas melhores. A acumulação de capital passa por momentos de euforia e crises, o que acarreta cada vez mais instabilidade e retira toda a credibilidade da Teoria da “mão invisível” de Adam Smith, afinal de contas, com a crise econômica mundial de 2008 surgiu um novo fenômeno que analisaremos adiante.

2.2 Crise econômica e Direito do Trabalho

A ordem econômica exerce influência direta nas regras do Direito do Trabalho, ramo da ciência jurídica totalmente vulnerável às instabilidades da economia.

A crise econômica mundial ocorrida em 2008 se originou no mercado financeiro norte-americano em função da redução da taxa de juros, dos empréstimos hipotecários de alto risco com financiamento de casas e concessões de cartões de crédito para famílias que não teriam a menor condição de arcar com as prestações, de problemas regulatórios e até mesmo da ganância dos executivos das grandes empresas pelo recebimento de bônus por serviços prestados.

Esta crise de proporção mundial provocou um aumento de trabalhadores informais, de terceirizados e elevou ainda mais os índices de desemprego, principalmente na indústria e na agricultura. Com a queda da produção industrial agravaram-se cada vez mais os efeitos da recessão econômica sobre o mercado de trabalho.

Surgiu um temporário fenômeno na economia, “o keynesianismo”. A crise demonstrou que o mercado por si só não produz nenhum padrão equilibrado de crescimento econômico e desenvolvimento humano. O Estado passou a interferir na economia com medidas de política monetária e fiscal no intuito de mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos, como por exemplo, a recessão e a depressão. Quase dois séculos depois a teoria marxista está mais moderna do que nunca. Ainda, no século XVIII, Marx percebeu que o capitalismo promove o dinamismo econômico e a geração de riquezas, mas, por outro lado, esse mesmo movimento traz uma instabilidade que pode levar ao colapso. 

 Atualmente, buscam-se alternativas para a diminuição de gastos das empresas, as mais comuns são as demissões, mas alguns empresários estudam mecanismos previstos na própria legislação brasileira para adotar caminhos diversos. Como tentativa para amenizar os efeitos da crise, trabalhadores demitidos em dezembro de 2008 receberam duas parcelas a mais do seguro desemprego. A partir do processo de adaptação à nova realidade econômica surgem diversas formas de flexibilização que mitigam direitos em prol da garantia da continuidade da relação laboral.

A verdade é que em tempos de bonança ou de crise a flexibilização da legislação trabalhista é centro de polêmica. Parte da doutrina reforça a necessidade de mudança na lei através da alegação de que o custo do trabalho no Brasil inviabiliza a atividade econômica. Isto ocorre, porque o sistema capitalista objetiva tornar o contrato de trabalho cada vez mais rentável para os donos do meio de produção, o que provoca oscilações entre as margens de lucro dos grandes empresários e as necessidades do campo social.

Alguns estudiosos do Direito consideram a suspensão negociada como uma saída para a crise, enquanto outros a consideram uma forte medida flexibilizadora incapaz de contornar os efeitos da crise dentro do mercado de trabalho. Filiamo-nos a este último pensamento, pois o empregado não pode ser afetado em virtude dos problemas financeiros das empresas. Todo empresário já conhece os riscos de uma atividade empresarial e deve arcar com os mesmos. A força de trabalho é uma mercadoria que sempre produziu mais riqueza que seu valor de troca, o que gera uma concentração de riquezas nas mãos dos empresários e torna desnecessária a compensação de eventuais reduções no lucro.

A incessante busca de despesas mínimas por parte dos donos dos meios de produção enseja o discurso da flexibilização trabalhista, que passou a ocupar um lugar de destaque no cenário das modernizações econômicas.

Analisaremos, agora, a flexibilização como uma adaptabilidade das normas trabalhistas que elege o empregado como financiador e sacrificado frentes às dificuldades e recessões de uma empresa ou de uma economia nacional.


3. FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

A flexibilização é um termo comumente utilizado para questionar a suposta rigidez existente no Direito do Trabalho. A elasticidade atribuída às regras juslaborais pode referir-se ao mercado de trabalho, ao salário, à jornada ou às contribuições sociais; trata-se de uma adaptabilidade das normas trabalhistas face às dificuldades econômicas, sob a alegação de que a rigidez traria aumento do desemprego. Já a desregulamentação, é um maior afastamento do Estado perante as relações laborativas; o que torna as condições de trabalho livre para serem estipuladas pela autonomia privada, seja ela de forma coletiva ou individual. Apesar de possuírem conceitos teoricamente distintos; na prática, tornam-se sinônimos.

 Atualmente, a flexibilização está sendo utilizada para promover a desregulamentação de direitos sociais que são frutos das pressões populares, marcadas pela efetiva luta e participação da classe operária que se destacou na busca pelo reconhecimento e pela legitimação de seus direitos durante séculos.

Visualiza-se de maneira precisa a relação entre os termos flexibilização e desregulamentação nos ensinamentos de Souto Maior:

Por flexibilização entende-se a adaptação das regras trabalhistas à nova realidade das relações de trabalho, que permite, e muitas vezes exige, um reordenamento do sistema jurídico, não necessariamente no sentido de diminuição de direitos ou de exclusão de regras positivadas, mas no sentido de regular, de modo diferente, as relações de trabalho. Por desregulamentação identifica-se a idéia de eliminação de diversas regras estatais trabalhistas, buscando uma regulamentação por ação dos próprios interessados. Ambas, no entanto, quando apoiadas no pressuposto da necessidade de alteração das relações de trabalho, para fins de satisfação do interesse econômico, no que se refere à concorrência internacional, e mesmo sob o prisma interno, acabam constituindo-se na mesma idéia, sendo que o termo “flexibilização” ainda possui um forte poder ideológico, por ter, conceitualmente, um significado, mas atuar em outro sentido. Como a idéia de flexibilização, em nossa realidade, tem sido utilizada com o pressuposto da satisfação do interesse econômico, optamos examinar os dois termos como sinônimos, para desmascarar a ideologia que o termo “flexibilização” carrega. (SOUTO MAIOR, 2.000, p.139)       

A flexibilização classifica-se em autônoma ou heterônoma. A autônoma compreende a negociação feita entre as partes, ou seja, ocorre entre os contratantes ou através de ACT’s ou CCT’s. A flexibilidade heterônoma compreende a mitigação de direitos feita pela própria lei ou por decretos. Ambas podem freqüentemente ser visualizadas na prática, principalmente pelo fato de possuírem os mesmos fundamentos teóricos assentados nos postulados da escola econômica neoliberal.

Há argumentos favoráveis e desfavoráveis no que se refere ao fenômeno da flexibilização. As correntes doutrinárias se dividem em flexibilista, antiflexibilista e semiflexibilista.

A primeira corrente corresponde à adaptação do Direito à realidade dos fatos, ou seja, se a economia estiver normal, aplica-se a lei, se houver crise, flexibilizam-se as regras trabalhistas. O segundo entendimento, totalmente oposto ao primeiro, repugna o agravamento das condições de trabalho e considera que o direito deve ser diferenciado da lógica econômica para não se destoar dos princípios que orientam o ramo juslaboral. A terceira corrente, entende que a flexibilização deve começar pela autonomia coletiva, no intuito de evitar riscos. Para esta última corrente deveria ocorrer a flexibilização e a desregulamentação apenas do direito coletivo do trabalho, por meio das CCT’s ou ACT’s.

Em outras palavras, os semiflexibilistas defendem uma degradação consentida e legitimada pelos responsáveis na defesa de interesses comuns dos trabalhadores, os sindicatos.

Os adeptos da corrente flexibilista acreditam que os avanços e as conquistas trabalhistas são excessivamente onerosos para as empresas. É o que podemos observar na fala de Pastore:

Somando-se obrigações sociais como previdência e FGTS, a outras despesas, como férias, feriados, aviso prévio e 13º, uma empresa tem custo de 102,43% sobre o salário pago aos funcionários. Considerando-se apenas obrigações sociais que incidem sobre a folha de salário, o custo de cada contratação é de 35,8%, isso é maior do que todo o custo da folha no Japão, que chega a 12%, e nos Estados Unidos de 9%. (PASTORE, 2009, p. 13).

Souto Maior se opõe às idéias de Pastore, demonstrando que o Direito do Trabalho possui um valor social que deve ser levado em conta ao lado do fator econômico:

Não se podem considerar encargos sociais direitos conquistados à custa de muita luta, como férias 13º salário, repouso semanal remunerado, como explica Clóvis Rossi: “... o professor Pastore eleva, incorretamente, os encargos sociais a 102, 43% da folha por uma razão simples: inclui como encargos as férias, o repouso semanal, o 13º, etc. Não são encargos.” São direitos mínimos do trabalhador, a menos que se pretenda revogar a Lei Áurea, o que ainda não entrou na agenda das reformas. O certo é que uma empresa que pague um salário de R$ 100 a um trabalhador gasta com taxas e contribuições mais R$ 36, conforme Demian Fiocca provou usando os dados do próprio Pastore. (SOUTO MAIOR, 2000, p. 175).

Filiamo-nos a corrente antiflexibilista por acreditar que o problema do desemprego no Brasil e no mundo é estrutural, conjuntural, tecnológico e decorre única e exclusivamente do sistema econômico e de sua política; pois as variações macroeconômicas possibilitam muito mais a redução de postos de trabalho que a ‘rigidez’ do ramo juslaboral ou os ‘custos’ para se manter um empregado.

 3.1. Suspensão negociada do contrato de trabalho

A suspensão negociada do contrato de trabalho, também denominada de “desemprego parcial”, é uma medida flexibilizatória inserida no artigo 476-A da CLT através da MP 2.164-41 de agosto de 2001. Tal dispositivo surgiu como alternativa para as empresas reduzirem suas despesas durante as recessões econômicas. Foi a principal medida adotada no decorrer da crise de 2008 para se obter a manutenção dos postos de trabalho. O artigo 476-A da CLT assim dispõe:

Art. 476-A.  O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.

§ 1º  Após a autorização concedida por intermédio de convenção ou acordo coletivo, o empregador deverá notificar o respectivo sindicato, com antecedência mínima de quinze dias da suspensão contratual.

§ 2º  O contrato de trabalho não poderá ser suspenso em conformidade com o disposto no caput deste artigo mais de uma vez no período de dezesseis meses.

§ 3º  O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do caput deste artigo, com valor a ser definido em convenção ou acordo coletivo.

§ 4º  Durante o período de suspensão contratual para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador.    

§ 5º  Se ocorrer a dispensa do empregado no transcurso do período de suspensão contratual ou nos três meses subseqüentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador pagará ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação em vigor, multa a ser estabelecida em convenção ou acordo coletivo, sendo de, no mínimo, cem por cento sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.

§ 6º  Se durante a suspensão do contrato não for ministrado o curso ou programa de qualificação profissional, ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, ficará descaracterizada a suspensão, sujeitando o empregador ao pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período, às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor, bem como às sanções previstas em convenção ou acordo coletivo.

§ 7º  O prazo limite fixado no caput poderá ser prorrogado mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, desde que o empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de qualificação profissional, no respectivo período. (BRASIL, 2.009)

O caput do artigo 476-A estatui um período de dois a cinco meses para que haja a participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional, nada obstando que o instrumento normativo da categoria preveja um período superior a cinco e inferior a dois meses. A finalidade da suspensão contratual afigura-se no aperfeiçoamento profissional desprovido de encargos sociais para o empregador.

A referida suspensão é de grande interesse do empregador que, no período de afastamento, desobriga-se de recolher FGTS, INSS e de pagar salários. A manifestação por escrito do empregado e a negociação coletiva são requisitos de validade cumulativos nessa sustação recíproca de efeitos contratuais.

 O § 1º do artigo 476-A possui um caráter fiscalizatório através da exigência de notificação da entidade sindical com antecedência mínima de quinze dias do início da suspensão. Para obstar os abusos praticados pelos empregadores, o § 2º estabelece um limite de dezesseis meses a contar do começo da primeira suspensão. Apesar de tal limitação, a lei possibilita a prorrogação da suspensão pelo tempo que as partes desejarem, desde que não haja descumprimento do prazo máximo legal de dois a cinco meses ou outro estabelecido pelas negociações coletivas. O § 7º ainda estabelece que a bolsa de qualificação profissional somente seja financiada pelo FAT quando possui um número de três a cinco parcelas; se através do ACT ou CCT for estipulado um período maior, o empregador deverá arcar com o ônus correspondente ao valor da bolsa. 

O § 5 do referido artigo permite a rescisão sem justa causa no curso da suspensão ou em até três meses subseqüentes a seu término, desde que haja o pagamento de uma multa a ser prevista no instrumento normativo, em valor que não seja inferior a 100% da última remuneração percebida antes da suspensão. É importante ressaltar que, o pagamento da referida multa não pode prejudicar as verbas rescisórias e indenizatórias devidas ao trabalhador.

Caso seja comprovada alguma irregularidade, não for ministrado o curso ou programa de qualificação profissional, haverá uma declaração de nulidade do ato por atitude fraudulenta, nos termos do artigo 9º da CLT. A suspensão será descaracterizada e o empregador deverá pagar os salários e os encargos sociais referentes ao período, conforme dispõe o § 6º do artigo em análise.

Ocorrendo o cumprimento de todos os requisitos do artigo 476-A, o FAT arcará com a BQP (bolsa para qualificação profissional), desde que o empregado se encaixe nos incisos do artigo 3º da lei 7.998/90:

I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores;

II - ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;

III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;

IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e

V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. (BRASIL, 1.990)

Como demonstração dos prejuízos acarretados pela suspensão contratual, ainda, há o artigo 8º B da lei 7.998/90:

Art. 8º-B.  Na hipótese prevista no § 5º do art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, as parcelas da bolsa de qualificação profissional que o empregado tiver recebido serão descontadas das parcelas do benefício do Seguro-Desemprego a que fizer jus, sendo-lhe garantido, no mínimo, o recebimento de uma parcela do Seguro-Desemprego. (BRASIL, 1.990, incluído pela MP nº 2.164-41, de 2001)

Isto significa que, se o empregado for dispensado no período da suspensão contratual ou nos três meses subseqüentes, não fará jus ao seguro desemprego pelo simples fato de ter recebido uma bolsa qualificação do FAT. A referida suspensão desonera o empregador e compromete a verba pública, pois a bolsa cedida pelo FAT tem origem no pagamento do PIS e do PASEP, o que nos leva a crer que a verba recebida sai do bolso do próprio empregado.

Sobre a autora
Gabriela de Campos Sena

Mestranda em Direito pela UFMG. Graduada em Direito pela PUC MINAS. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Gabriela Campos. Flexibilização trabalhista: um estudo sobre a crise econômica e a suspensão do contrato de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3864, 29 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26537. Acesso em: 22 dez. 2024.

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