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Uma análise acerca da competência do Senado Federal no controle de constitucionalidade pelo sistema difuso - art. 52, X da CF/88

Agenda 08/02/2014 às 13:18

O posicionamento que tem prevalecido é no sentido de reconhecer ao Senado a discricionariedade para suspender ou não a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.

O nosso sistema jurídico, no que tange ao controle de constitucionalidade das leis, adotou o sistema judicial, padrão norte americano, sendo que nesse sistema qualquer juiz, de qualquer instância pode declarar a inconstitucionalidade; como também é possível uma ação direta, abstrata e concentrada no Supremo Tribunal Federal para o mesmo fim.

     Lembramos também que o ato normativo contrário ao texto constitucional será considerado presumidamente constitucional até que por meio de mecanismos previstos constitucionalmente se declare a sua inconstitucionalidade e, conseqüentemente a retirada de sua eficácia ou executoriedade.[1]

     No controle difuso, também chamado aberto, via de exceção ou defesa, há a possibilidade de qualquer juiz ou Tribunal, ao analisar um caso concreto, verificar a constitucionalidade da norma, argüida como preliminar, como meio de defesa da parte.

     Uma vez reconhecida e declarada a inconstitucionalidade através do sistema difuso, os efeitos dessa decisão produzem-se apenas entre as partes litigantes, sendo que os efeitos dessa decisão são ex tunc, ou seja, o ato ou a relação jurídica fundada naquela lei inconstitucional se desfaz desde sua origem. Todavia, se o processo chegar até o Supremo Tribunal Federal, por meio de recurso, sendo confirmada por decisão definitiva a declaração de inconstitucionalidade, derivada da apreciação do caso concreto, pode o STF então comunicar essa decisão ao Senado Federal, para que este então edite resolução a fim de suspender a execução da referida lei declarada inconstitucional. Sendo que a partir da edição/publicação da referida resolução pelo Senado Federal a decisão terá então efeito erga omnes, mas com efeitos ex nunc.[2]

     Destarte, de acordo com o disposto no art 52, X da CF/88,[3] o fato é que ao Senado Federal, no controle difuso,[4] foi atribuída a competência exclusiva, para “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

     Com relação a essa competência do Senado Federal, a doutrina é controvertida, eis que alguns sustentam que a atividade do Senado Federal é discricionária, enquanto que para outros essa atividade é vinculada, eis que o Senado ao receber a comunicação do Supremo Tribunal Federal estaria obrigado a suspender a executoriedade da lei declarada inconstitucional.

Vejamos alguns posicionamentos:

Pela obrigatoriedade:

Manoel Gonçalves Ferreira Filho entende que “a suspensão não é posta ao critério do Senado, mas lhe é imposta como obrigatória. Quer dizer, o Senado, à vista da decisão do Supremo Tribunal Federal, tem de efetuar a suspensão da execução do ato inconstitucional. Do contrário, o Senado teria o poder de convalidar ato inconstitucional, mantendo-o eficaz, o que repugna ao nosso sistema jurídico”. (in. Curso de Direito Constitucional.São Paulo : Saraiva, 1990, p.35)

Lúcio Bittencourt o ato do Senado não é optativo, devendo sempre ser baixado quando se verificar a hipótese prevista na Constituição: decisão definitiva do STF, sendo que o objetivo da atividade do Senado é de tornar pública a decisão do STF, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. (in. O controle jurisdicional da constitucionalidade. Rio de Janeiro : Forense, 1968, p. 145)

Cabe aqui também a referência feita por José Afonso da Silva, para o qual ao Senado compete “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (em parte não há de ser entendido como poder de admitir apenas uma parte do que foi declarado inconstitucional, a suspensão há de ser total, dela toda; o Senado não pode decidir faze-lo apenas de parte; portanto quando o texto fala suspender em parte, significa que também só parte foi declarada inconstitucional”. (in. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Malheiros, 1993, p.457)

Pela discricionariedade:

Para Luiz Alberto David Araújo “não há mais dúvida de que o Senado Federal exerce poder discricionário, podendo ou não suspender a execução da norma declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF. O momento do exercício da competência do art. 52, X, é ato de política legislativa, ficando, portanto, ao crivo exclusivo do Senado Federal”. (in. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 1998, p.27)

Michel Temer entende que o Senado Federal goza de discrição ao exercitar tal competência, ou seja, “o simples fato de o art. 52,X, possibilitar a suspensão parcial ou total da lei revela essa discricionariedade”. (in. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo : Malheiros, 1998, p.48)

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Paulo Napoleão Nogueira da Silva afirma que “o Senado continua dispono das mesmas prerrogativas e responsabilidades: recebendo a comunicação da declaração incidental de inconstitucionalidade, apreciará discricionariamente, sob sua ótica de órgão político, a conveniência e oportunidade de suspender ou não a execução do texto inquinado. E como observa Nagib Slaibi Filho, tanto é político (e não somente discricionário) o papel do Senado Federal, ao apreciar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que não há como agir em represália caso não sobrevenha a resolução”. (in. A evolução do controle de constitucionalidade e a competência do Senado Federal. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1992, p.108/109)


Posição intermediária

Alfredo Buzaid entende que ao Senado ao realizar tal competência não se trata de operação de ofício ou puramente mecânica, que o reduziria a simples cartório de registro de inconstitucionalidades. Ao contrário, cabe-lhe examinar o julgado do ponto de vista substancial e formal, verificando se na declaração de inconstitucionalidade foram observadas as regras jurídicas. Concorrendo os requisitos legais, não pode o Senado recusar a suspensão ainda sob a alegação de que a lei deva ser mantida por necessária ao bem estar do povo, ou à defesa nacional. (in. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo : Saraiva, 1958, nº 37, p. 89; apud. PALU, Osvaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p.131).

Para Celso Ribeiro Bastos a competência do Senado trata-se de atividade vinculada, de exame de requisitos formais para a suspensão do ato, sendo que “o Senado não pode se furtar à suspensão da lei declarada inconstitucional pelo Supremo, desde que verificados os requisitos para tanto”. (in. Perfil constitucional na aço direta de declaração de inconstitucionalidade. Revista de Direito Público 22/78 e ss. Apud. PALU, Osvaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p.131)

Jurisprudência:

   Com relação à manifestação jurisprudencial podemos constatar que o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de apreciar tal questão no ano de 1966, quando do julgamento do MS 16519,[5] quando então, por maioria, decidiu que o ato do Senado[6] não é um ato legislativo, mas sim vinculado. Vejamos algumas passagens do voto do Relator Min. Luiz Gallotti:

   “O ato do Senado, previsto no art. 64 da Constituição (na atual é o art. 52, X), não é um ato legislativo.

   Se fôsse, teria que competir não só ao Senado mas também à Câmara, dependendo ainda da sanção do Presidente da República.

   Se fôsse, não poderia abranger leis estaduais, como é a de que trata, conforme bem assinalou em seu voto magistral, o eminente Ministro Prado Kelly.

   (...)

   O ato do Senado é complementar de uma decisão judicial, ampliativo dos efeitos desta.

   Pode o Senado, ao exercer a atribuição que lhe confere o art. 64 da Constituição, rever, em sua substância, a decisão do Supremo Tribunal??

   NÃO. Poderá, quando muito, ver se foi observado o quorum (aspectos formais).

   (...)

   Estou de acordo com os eminentes Ministros Victor Nunes e Aliomar Baleeiro em que o Senado atendendo as razões de conveniência e oportunidade, pode suspender, ou não, a execução da lei declarada inconstitucional, estendendo ou não, erga omnes, os efeitos da decisão do Supremo.

   O que não pode é, depois de suspender baixar nova resolução, para interpretar o acórdão da Corte Suprema, restringindo-º Porque isso seria, no caso, revigorar o Senado, em parte, uma lei estadual (o que não pode) ou revigorar, em casos outros, uma lei federal (o que também não pode sozinho)”.

Uma proposta de solução:

     Portanto, como vimos o posicionamento que tem prevalecido é no sentido de reconhecer ao Senado a discricionariedade para suspender ou não a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.

     O problema é que na CF/88 e em nenhuma outra norma do nosso sistema jurídico não existe a previsão de prazo para que o Senado edite a resolução de suspensão de execução da lei inconstitucional. E nem mesmo há sanção determinada para o caso, o que nos proporciona pensar que pode ficar omisso por 10 ou 20 anos impunemente. “Este é o fato capital que leva a grande polêmica, de difícil solução, por que imaginar que o Senado pode desrespeitar a decisão do Supremo seria absurdo, acontecendo o mesmo se transformássemos o Senado em simples cartório de registros de acórdãos da Suprema Corte, o que poderia ser resolvido por tratamento legislativo”.[7]

     Por fim, e de acordo com Oswaldo Luiz Palu a solução talvez esteja em que “na via incidental, se ao Senado Federal fosse retirada a competência de suspender a eficácia erga omnes e atribuída ao próprio Supremo Tribunal Federal, atuando por meio de súmulas de jurisprudência constitucional, o sistema seria mais eficaz. Claro que para haver alteração de orientação a cerca de inconstitucionalidade firmada, haveria necessidade de revisão da súmula de jurisprudência, ou após expressivo número de julgados ou após nova decisão com quorum mais elevado, que seria previsto na Constituição, na lei, ou no próprio regimento, por exemplo, de 2/3 dos membros do tribunal”.[8] Portanto a solução, sem dúvida, depende de vontade política, o que certamente é outro problema talvez até maior do que o referido.


Notas

[1] DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo : Saraiva, 1997, p.15.

[2] SIQUEIRA Jr. Paulo Hamilton. Controle de Constitucionalidade. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2001, p. 65.

[3] “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

   X- suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”

[4] Apenas no caso de declaração de inconstitucionalidade através do controle difuso, é que existe a participação do Senado Federal a fim de que edite resolução para suspender a execução da lei inconstitucional, já que se proferida a inconstitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade, nada cabe ao Senado Federal. (PALU, Osvaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p.129)

[5] Mandado de Segurança nº.16519, Rel. Min. Luiz Gallotti, STF, Tribunal Pleno, conhecido como Representação e julgado por maioria procedente, em 20/06/1966.

[6] naquela época a referida competência vinha prevista no art. 64 da CF/46.

[7] FERRARI, Regina Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 151/152.

[8] PALU, Osvaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p.130.

Sobre o autor
Marcelo Amaral da Silva

Professor Universitário, Advogado e Consultor jurídico, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral. Uma análise acerca da competência do Senado Federal no controle de constitucionalidade pelo sistema difuso - art. 52, X da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3874, 8 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26549. Acesso em: 22 nov. 2024.

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