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Do casamento religioso com efeitos civis e o novo Código Civil

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

1. Considerações preliminares

É inegável a influência que a igreja possui em matéria familiar, sobretudo quando se trata do casamento. Orlando Gomes, no primeiro capítulo da obra Direito de Família, já afirma que "(...) não se pode omitir a influência da Igreja, por sua doutrina e ação, na elaboração do estatuto da família. (...) A Religião e a Moral influem na formação dos costumes familiares e, portanto, na legislação que o Estado dita para regular a constituição da família e as relações provenientes".[1]

É curioso notar que, ainda hoje, persiste no povo brasileiro a idéia da necessidade das duas cerimônias: a religiosa e a civil.

Porém, reputamos que esta prática se deva ao absoluto desconhecimento da população a respeito das normas pertinentes ao casamento e, por conseguinte, dos ministros eclesiásticos. O desconhecimento acaba por gerar um senso comum de que só o costumeiro é lícito e possível.

Outro fator importante a ser acrescentado, que talvez possa explicar o desuso desta espécie de casamento e até sua proibição por alguns credos, sobretudo quando houver habilitação posterior, é de cunho subjetivo. Parece-nos que o terror da iminência da constrição da liberdade, por conta de um Decreto de 26 de maio de 1890, que proibia as autoridades religiosas de realizar os casamentos antes de celebrado o civil, sob pena de prisão e multa, foi tamanho que o mito da ilicitude rompeu o milênio e nos atinge até hoje.

Deve-se consignar, também, a justificável precaução das autoridades religiosas quanto à origem dos nubentes. Muitos pastores conhecem seu rebanho desde o ventre de sua mãe, em razão da assiduidade da família na Igreja. Outros, porém, tomam parte na comunidade já adultos. Reconhece-se a dificuldade, ou pelo menos, a insegurança de um ministro eclesiástico em realizar o casamento sem a certeza da inexistência de impedimentos matrimoniais no âmbito civil. Contudo entendemos que se deve avaliar o caso concreto, cabendo ao ministro eclesiástico a decisão de celebrar a cerimônia ou não.

Observamos que parte do povo brasileiro crê no casamento, crê na promessa divina advinda do ato religioso e, se soubesse de sua constitucionalidade, optaria, certamente, pelo casamento religioso com efeitos civis.

Nas últimas duas décadas surgiram, pelo menos, dois grandes movimentos no seio da Igreja: o avivamento neopentecostal entre os evangélicos e o movimento denominado carismático entre os católicos.

As pessoas que participam dessas comunidades têm no casamento um momento de celebração de uma aliança, um pacto de amor, fidelidade e mútua assistência diante de Deus, que sela este compromisso.

Aos poucos, a satisfação social e o desfile de trajes vêm sendo substituidos pela assunção de votos diante de Deus e da Igreja. Este é o verdadeiro sentido do casamento. O casamento civil vem a ser a submissão do indivíduo à lei secular.[2]

Diante desta breve justificativa, este artigo almeja abordar o tratamento conferido ao casamento religioso com efeitos civis no Direito brasileiro. Para tanto, será traçada sua evolução legislativa, de meados da Idade Média até os dias atuais, culminando com breve análise do novo Código Civil.


2. De Trento ao Rio de Janeiro

O casamento civil surgiu, dentre outros fatores, da preocupação da Igreja Católica com os casamentos clandestinos e da necessidade de parametrização, normatização da matéria, uma vez que com o nascimento do anglicanismo, católicos passaram a não reconhecer os casamentos celebrados por protestantes e vice-versa.

"O casamento cristão, ao contrário do que se poderia imaginar, não é tão antigo quanto o Cristianismo. O casamento tal como conhecemos atualmente é uma invenção medieval e se casar na Igreja só se tornou prática corrente no século XIII"[3]

Yussef Said Cahali traz um panorama jurídico-religioso da época:

" A princípio, a ação da Igreja visou apenas a moralização do casamento do ponto de vista religioso. Porém, à medida que se foi desenvolvendo o direito canônico e, sobretudo, à medida que aumentava o poder espiritual e político da Santa Sé, começou a atribuir-se competência legislativa e jurisdicional. As primeiras medidas datam do século IX. Paulatinamente foi aumentando a sua ingerência até que finalmente o Concílio de Trento (1563) afirmou definitivamente sua competência."[4]

Os casamentos, até meados de 1500, eram civis, reservados ao seio familiar; mas isto não quer dizer, em absoluto, que as celebrações religiosas não existiam. "De repente direito e rituais até então civis tornam-se eclesiásticos. O direito matrimonial ingressa na competência da Igreja, que entende legislar e julgar soberanamente sobre a matéria.".[5]

Nos moldes atuais[6], o casamento civil foi instituído na Holanda, em 1580. Naquele país, todos os não calvinistas deveriam se casar perante o magistrado civil Aos judeus, dispensava-se e, aos calvinistas, facultava-se.

"Não há concordância entre os estudiosos sobre a época precisa em que se operou a importante transformação da troca dos papéis; mas existe uma certa concordância em fixar, no século XI, o início da supremacia da Igreja na esfera até então reservada ao interesse privado. Na Idade Média, o casamento percorria a segunda fase importante de sua evolução. Inicialmente, restrito à esfera religiosa sob total dependência da Igreja. Resta-lhe, ainda, uma terceira e definitiva fase: a da supremacia incontestável do Estado."[7]

Preocupada com as transformações sociais (a proliferação do casamento clandestino e a definição do padre como testemunha ou não na celebração) e religiosas (a reforma protestante), a Igreja Católica viu-se obrigada a convocar um concílio para definir sua doutrina a respeito de vários assuntos, inclusive casamento. Em 1.545, inicia-se o Concílio de Trento.

O Concílio resultou na afirmação do casamento como um contrato indissolúvel e no reconhecimento do princípio monogâmico na determinação do livre consentimento dos nubentes para contrair o matrimônio na obrigatória presença do ministro eclesiástico e testemunhas, com a benção.[8]

A Igreja caminha soberana disciplinando o casamento até o século XVIII, com a Revolução Francesa, que "...inaugura o começo do período do casamento civil, obrigatório, determinando, a Constituição de 03/09/1791, no art. 7º, título 2, ‘que a lei considera o casamento somente como um contrato civil’".[9]

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"Em Portugal, o alvará de 12-09-1564 publicou e mandou observar as disposições do Sagrado Concílio Tridentino em todos os domínios da Monarquia Portuguesa...", por conseguinte, no Brasil.[10] Este alvará, de autoria do Cardeal D. Henrique, regente português, foi ratificado por D. Sebastião, em 1569.

E assim era feito no Brasil, que era colônia de Portugal, e, em razão desta colonização, possuía a densa maioria da população fiel ao catolicismo.

Com o advento da Independência do Brasil em 1822, o país necessitava de legislação própria. Entretanto, a Lei de 20.10.1823 determinou a observância da legislação portuguesa enquanto se elaborava a brasileira.

Contudo, o Brasil precisava crescer, expandir. Para isso, o país viu-se obrigado a recorrer à imigração, que trouxe um choque cultural muito grande entre os que aqui aportaram e os brasileiros.

As uniões advindas destes relacionamentos não encontravam guarida nas leis eclesiásticas e, por isso, eram marginalizadas.

Com a Lei n. 1.144, de 11.09.1861, cujo projeto era do Ministro da Justiça, Diogo de Vasconcelos, houve a permissão para o casamento de pessoas não católicas. O enlace deveria ser celebrado, por óbvio, segundo o ritual religioso professado pelos nubentes.

Esta lei conferiu "efeitos civis aos casamentos religiosos realizados pelos não católicos desde que estivessem devidamente registrados".[11] Para tanto, criou-se um registro estatal para atender à situação dos não católicos.

"O Decreto 3.069, de 17-04-1863, regulamentando a lei de 1861, estabeleceu as normas básicas referentes ao registro dos nascimentos, casamentos e óbitos dos acatólicos."[12]

Nessa época, o Brasil contava com três formas de casamento:

a)o católico, observando todas as prescrições do Concílio de Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia;

b)o misto, mesclando disposições católicas e de outros credos;

c)não católico, conforme a Lei n. 1.144 de 11.09.1861, conferindo aos juízes competência para decidir todas as questões relativas à matéria.

A Constituição do Arcebispado da Bahia permitia que os padres casassem noivos católicos ou pelo menos um deles, desde que não tivessem impedimentos.

Seguindo a tendência francesa, a separação Igreja/Estado era defendida, em Portugal, por Alexandre Herculano e, no Brasil, pelo Visconde de Outro Preto.

Um dos desdobramentos da Proclamação da República foi a publicação, em 24.01.1890, do decreto 181, de autoria de Ruy Barbosa, que reconhecia como válido, no Brasil, somente o casamento civil.

Disciplinava o art. 108, in verbis:

Art. 108. Esta lei começará a ter execução desde o dia 21-05-1890, e desta data por diante só serão considerados válidos os casamentos celebrados no Brasil se forem de acordo com suas disposições.

Par. único."O casamento civil, único válido nos termos do art. 108 do Dec. 181, de 24 de janeiro último, precederá sempre às cerimônias religiosas de qualquer culto, com que desejem solenizá-las os nubentes."

O decreto 521 de 26.06.1890 proibiu a celebração religiosa antes da civil, criminalizando esta conduta no art. 284 do Código Penal.

"O ministro de qualquer confissão, que celebrar as cerimônias religiosas do casamento antes do ato civil, será punido com seis meses de prisão e multa correspondente à metade do tempo."

A precedência do ato civil à cerimônia religiosa ingressou no ordenamento jurídico brasileiro por direta influência francesa. O Código Penal, arts. 199 e 200, punia o sacerdote que não observasse a primazia do casamento civil[13]

Esta separação entre Estado e Igreja ficava bem clara, se observado o consagrado na Carta Magna de 1891, que inaugurou a era republicana, art. 72, nos seguintes parágrafos: § 4º "A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita";§ 7º "Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados".

Explica Rodrigo da Cunha Pereira que:

"Esse artigo ficou inserido nesta Constituição em razão da separação Igreja/Estado. A partir do regime republicano, o catolicismo deixou de ser a religião oficial e com isto tornou-se necessário mencionar o casamento civil como o vínculo constituinte da família brasileira. Até então era dispensável, pois as famílias constituíram-se pelo vínculo do casamento religioso, que tinha automaticamente efeitos civis, já que não havia a separação dos poderes Igreja/Estado."[14]

Foi bastante difícil a conscientização da população, sobretudo a rural, acerca da necessidade do ato civil. A despeito dos diplomas supracitados, o povo continuava prestigiando somente o casamento religioso, constituindo verdadeiras uniões estáveis, para usar a linguagem jurídica atual.

A Constituição de 1934[15] inaugura um capítulo reservado a disciplinar a matéria familiar. No art. 146, dispunha, in verbis:

"O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório."

A Constituição de 1946, no § 1º, confirmava o reconhecimento do casamento religioso.[16]

A partir daí, surge em 1950, legislação regulamentando o casamento religioso com efeitos civis, matéria que será analisada a seguir.


3. O casamento religioso com efeitos civis hoje

3.1 Breves notas

O casamento religioso recebe esta denominação porque a autoridade que preside a cerimônia é ministro eclesiástico. Contudo, as normas que o disciplinam são civis, cogentes, de ordem pública.

Isto quer dizer que a autoridade religiosa não pode dispensar as formalidades exigidas por lei civil. Deve observá-las e, em obediência a elas, celebrar o matrimônio.

Numa leitura apressada pode-se chegar à conclusão de que a autoridade religiosa tem a obrigação de celebrar o casamento, se os noivos atendem a todos os requisitos legais.

Não. A Constituição consagra como direito fundamental, no art. 5º, inc. VI, que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos..."

Em razão da liberdade de consciência é possível que um padre ou pastor se neguem a realizar um casamento se dum dos nubentes não for batizado, for ateu etc. Um rabino pode, eventualmente, em cumprimento às normas pertinentes ao seu credo, negar-se a realizar o matrimônio quando um dos nubentes não tiver origem judaica.

Assim, os ministros de confissão religiosa não são obrigados a celebrar o matrimônio, mas ao faze-lo cumprirão fielmente a lei civil.

De acordo com o já exposto, não era esta a letra da lei. O casamento, desde meados da Idade Média, era matéria afeta ao Direito Canônico e, portanto, o Estado não tinha competência para legislar sobre esta matéria.

Ponto muito delicado diz respeito ao reconhecimento da confissão religiosa e, por conseguinte, de sua autoridade.

O art. 17, da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), dispõe que: "As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes."

Diante do art. 17, da LICC, Antonio Chaves lança mão da lição de Bruno de Almeida Magalhães para estabelecer um critério sobre a idoneidade do rito confessional, a saber:

"Não é contrário à ordem pública (...) ‘se as formalidades de celebração não atentam contra as que a lei estabeleceu para segurança e validade dos atos jurídicos em geral e do casamento civil em particular. Assim será contrário à ordem pública o rito de uma confissão que celebrar o casamento: a. fora das horas destinadas pela lei para a prática dos atos jurídicos; b. em lugar inacessível a qualquer pessoa; c. não estando os contraentes livres para expressarem sua vontade ou se achando sob coação; d. no mesmo dia da retratação de um dos contraentes; e. com testemunhas legalmente incapazes ou em número inferior ao admitido pela lei.’ "[17]

Continua o tratadista afirmando, então, ser possível duas impugnações: "... em relação à qualidade e competência do ministro e em relação à idoneidade do rito".[18]

E tem razão. O oficiante pode não ser um padre, pastor, rabino, bispo, mas apenas um teólogo, coroinha, evangelista, isto é, pessoa não habilitada para o ato, de acordo com as leis internas de cada religião. Isto, contudo, não traz maiores problemas porque a irregularidade salta aos olhos.

A tensão está na idoneidade do rito.

Caio Mário da Silva Pereira leciona:

"Válido o matrimônio oficiado por ministro de confissão religiosa reconhecida (católico, protestante, mulçumano, israelita). Não se admite, todavia, o que se realiza em terreiro de macumba, centros de baixo espiritismo, seitas umbandistas, ou outras formas de crendices populares, que não tragam a configuração de seita religiosa reconhecida como tal."[19]

Tendo em vista a escassez destas celebrações, o Poder Judiciário não é chamado, com freqüência, a decidir sobre a idoneidade do rito. Arnoldo Wald aponta um exemplo raro extraído da jurisprudência carioca:

"As Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Alçada do antigo Estado da Guanabara decidiram, por maioria, ser insuscetível de registro civil a união conjugal realizada em centro espírita."[20]

Nesta esteira de pensar, os nubentes podem unir-se sob qualquer rito confessional. Contudo, o Estado somente reconhecerá efeitos civis ao casamento celebrado consoante rito que não ofenda os bons costumes, tais como, o evangélico, católico, mulçumano, israelita.

No que concerne ao local para realização da solenidade, a lei é omissa. Como parâmetro norteador, o projeto da Lei n. 379 estabelecia que "A solenidade terá lugar na igreja, ou templo, ou outro local designado, ou admitido pelo celebrante, a portas abertas, perante testemunhas, parentes ou não, dos contraentes, e na forma do rito da religião adotada."

Atualmente, o casamento religioso com efeitos civis é consagrado pelo § 2º do art. 226 da Constituição Federal[21] e, ao reconhecê-lo nos termos da lei, faz remissão aos arts. 71 a 75 da Lei n. 6.015/73.

É na legislação infraconstitucional que se encontra expressa menção ao casamento religioso com efeitos civis mediante habilitação[22] prévia e posterior.

A habilitação prévia, embora pouco utilizada pela população em face da pouca informação acerca da possibilidade de se contrair casamento religioso e a ele conferir a lei todos os efeitos civis, é do conhecimento dos operadores do direito.

No entanto, a habilitação posterior passa quase que despercebida, resumida ao art. 74 da lei n. 6.015/73.

Note-se que a habilitação é de rigor. Somente o momento de procedê-la que fica ao arbítrio das partes.

A seguir, serão analisados os procedimentos do casamento religioso com efeitos civis, nas suas duas modalidades: prévia e posterior.

3.2 Habilitação prévia

Desejando submeter-se ao casamento religioso com efeitos civis, os nubentes deverão proceder à habilitação perante o Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais.

Note-se que é a mesma habilitação exigida para o casamento civil.

Este procedimento visa declarar e certificar que os interessados não possuem impedimentos, estando aptos para o casamento.

Para tanto, devem apresentar a documentação exigida pelo art. 180, do CC, atendendo, assim, aos requisitos dos arts. 67 e seguintes da Lei n. 6.015/73.

Regularmente processado e não havendo impedimentos, o Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais expede o certificado de habilitação, que deverá ser entregue à autoridade religiosa, para que o arquive após anotar a data da celebração, conforme preceitua o art. 73, da Lei n. 6.015/73.

Este casamento deverá ser celebrado num prazo máximo de três meses a contar da data da entrega do certificado de habilitação (art. 3º, a Lei n. 1.110/50). Note-se que se trata de prazo decadencial. Transcorrido o lapso temporal sem a solenidade, os nubentes deverão se submeter à nova habilitação.

Dispõe o art. 73, da Lei n. 6.015/73, in verbis, que "No prazo de 30 (trinta) dias a contar da realização, o celebrante ou qualquer interessado poderá, apresentando o assento ou termo do casamento religioso, requerer-lhe o registro ao oficial do cartório que expediu a certidão.

Além da autoridade religiosa e qualquer dos nubentes, é aceitável que tenham interesse no registro seus pais e filhos.

Porém não é esta a lição de Antonio Chaves[23]. Afirma o tratadista que a inscrição do casamento religioso no registro civil deve ser promovida pelos cônjuges apenas.

Já vigorou na doutrina, com maior vigor, o entendimento que a não observância do registro nos trinta dias subseqüentes à cerimônia acarretaria a inexistência do ato jurídico.[24]

Porém, a tendência parece ser outra:

"A transcrição do casamento religioso no registro público não está sujeita a prazo. (...)... o Supremo Tribunal Federal conclui que, a rigor, a transcrição é um elemento probatório. O casamento celebrado na forma religiosa já existe, é válido e eficaz antes da transcrição: ‘o registro a posteriori não é um pressuposto de eficácia do ato, mas necessário a sua publicidade’"[25].

3.3 Habilitação posterior

Esta espécie de casamento religioso ainda caminha como uma desconhecida ao povo brasileiro. Muitas são as razões para isto, sobretudo razões sociológicas e históricas, já abordadas.

A possibilidade da habilitação posterior é oriunda da Lei n. 1.110, de 23 de maio de 1950, nos arts. 4º e 5º; posteriormente, a Lei n. 6.015/73, no art. 74, regulou a matéria[26].

Neste caso, conforme a própria denominação, primeiro é realizada a cerimônia religiosa para após haver a competente habilitação e, por fim, a inscrição do casamento religioso no registro público.

Os doutrinadores que enfrentaram a questão são unânimes em cogitar a necessidade da presença do homem e da mulher quando do requerimento da inscrição do casamento religioso no Registro.

Isto se deve ao fato de que no, art. 4º da Lei n. 1.110/50, a inscrição deve ser requerida pelos nubentes, no plural, enquanto que no art. 3º, ao tratar da habilitação prévia, autoriza tanto o celebrante quanto qualquer interessado.

Acompanhando a opinião de Antonio Chaves, em sede de habilitação posterior, justifica-se a restrição da inscrição aos cônjuges, tão-somente, porque "... o simples fato de tornarem os nubentes a iniciativa, posteriormente ao casamento religioso, de requererem a inscrição, está a demonstrar que pretendem dar ao seu casamento os efeitos civis."[26]

Os nubentes podem assumir os votos matrimoniais perante a lei divina e não ter o mesmo desejo em relação à leis civis, de modo que existe razão para a obrigatoriedade do requerimento pessoal dos nubentes.

Quanto ao prazo de validade do certificado de habilitação, sendo esta posterior, não há que se cogitar.

Consoante os arts. 4º e 5º da Lei n. 1.110/50, e § ún. do art. 74 da Lei n. 6.015/73[27], terminado o processo de habilitação, sem a constatação de impedimentos matrimoniais, o oficial isso certificará e, no mesmo dia, o juiz ordenará a inscrição. Não é necessário que os nubentes ingressem com o requerimento porque o procedimento, em virtude de lei, desenvolve-se de ofício.

Preceitua o art. 75, da Lei n. 6.015/73, que os efeitos civis do casamento religioso, após o devido registro, retroagirão à data de sua celebração, ou seja, são ex tunc.

Passa-se à análise deste instituto em face do novo Código Civil, ocasião em que se constatará, novamente, sua previsão legal, abrindo caminhos à sua efetiva utilização.

Sobre a autora
Débora Vanessa Caús Brandão

advogada em São Paulo, professora de Direito Civil em São Paulo, doutoranda e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Do casamento religioso com efeitos civis e o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2662. Acesso em: 22 dez. 2024.

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