1. Introdução
O Consentimento informado consiste em informar previamente o paciente da prática médica, enaltecendo, assim, o aperfeiçoamento da ética biomédica.
De fato, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deriva do princípio da autonomia. Este princípio denota a faculdade do profissional de, livremente, traçar suas próprias condutas sem imposições externas, mas com respeito à vontade do paciente a seu autogoverno, de acordo com seus valores, crenças e convicções. Desse modo, o consentimento informado, em respeito à dignidade da pessoa humana, tem proteção jurídica validada pelo Direito e pela Ética.
Assim, traçaremos um breve debate sobre a proteção do direito constitucional ao consentimento informado, através dos princípios bioéticos, em especial, o princípio da autonomia, para estabelecer o limite da ação médica frente aos direitos e garantias individuais do paciente.
2. O consentimento informado e o Princípio da Autonomia
O consentimento constitui dever do médico, sob pena de responsabilização. Nesse sentido, é direito do paciente ser informado de toda e qualquer decisão que afete sua integridade física e/ou moral, para que seja alertado dos riscos e benefícios envolvidos, em obediência à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil, conforme artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
O Código de Ética e as Normas de Pesquisa em Saúde vigentes no Brasil fazem alusão ao consentimento informado, vindo daí o interesse crescente de órgãos e universidades no uso e na prática correta desta ferramenta.
Nesse contexto, os artigos 22 e 101 do Código de Ética Médica (Resolução CFM 1931/2009) informam que:
É vedado ao médico:
Art.22 Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.
Nessa linha de raciocínio, o consentimento além de englobar a informação, engloba também a ausência de coerção, denotando a liberdade e ação do paciente, e o direito de recusar ou interromper o tratamento. Nesse sentido, Mark A. Hall (1993) diz que "o objetivo da lei do consentimento informado é aumentar a autonomia pessoal nas decisões que afetam o bem-estar físico e mental.”.
Ademais, é importante salientar que o consentimento pode ser oral ou escrito, sendo a forma escrita mais recomendável, ainda que de forma simplificada. No entanto, reconhecida a impossibilidade poderá o consentimento ser dado por parente da linha direta ou por um responsável legal.
Aliás, na busca de uma instrumentalidade e simplicidade dos feitos, é necessário que o consentimento seja feito levando-se em conta a situação completa do paciente, seus valores culturais, seu estado físico e emocional, além, também, da atribulação diária da vida de um médico, intentando-se, dessa forma, maior diminuição do rigorismo formal e maior variabilidade do consentimento de acordo com o bem-estar do paciente.
Nesse contexto, o entendimento de Pithan (2004):
Cientes de um mínimo ético irrenunciável, onde a dignidade humana se apresenta como valor intrínseco às pessoas, os médicos ponderam sua ação a partir da adequação entre meios terapêuticos oferecidos e a capacidade dos tratamentos trazerem ou não benefícios ao doente. A assistência médica visa, portanto, fazer o bem; quando não é mais possível beneficiar o paciente através da cura, prioriza-se o dever de beneficiar com conforto e cuidados nos momentos que antecedem sua morte.
Portanto, a relação médico-paciente apresenta-se fundada no comprometimento com a saúde, ética e a dignidade e o processo do consentimento informado visa exercer a autonomia do paciente, para que este receba informações justas, claras e adequadas.
Depreende-se, então, que o consentimento informado é ato autônomo e isso quer dizer que o consentimento deve possuir três condições necessárias: 1) Intenção; 2) Compreensão e 3) Ausência de influências controladoras. Assim, estará garantida a informação necessária do paciente, a sua participação efetiva nas intervenções médicas e a liberdade de escolha de acordo com a situação exigida.
Dessa forma, resta garantida a liberdade e respeito à dignidade do ser humano. Assim, ao negar informações e esclarecimentos a respeito do tratamento de um paciente, estará o profissional da saúde negando ao mesmo o exercício de seus direito individuais.
3. A proteção jurídica da relação médico-paciente
O Código de Ética informa, em suas declarações finais, o respeito ao princípio da liberdade que é tido como um pilar fundamental do atual código, mas esse princípio está condicionado ao recebimento pelo paciente de informações justas, claras e adequadas. Assim, será responsabilizado aquele que faltar com o dever de informação. Nesse sentido, esclarece Stancioli (2004):
Quando o médico age sem atender à autonomia do paciente, arcará sozinho com todo o ônus de sua intervenção. Por outro lado, se a autonomia do paciente é respeitada, há uma repartição do risco entre médico e seu paciente. Assim, pode-se afirmar que, na atenção aos imperativos da autonomia do paciente, o médico tem um grande instrumento defensivo contra o ônus do risco.
Logo, o judiciário tem entendido que nas situações em que o médico não observa o dever de informação, e apresenta um documento pré-elaborado ou sequer apresenta ao paciente o termo do consentimento informado, o profissional será responsabilizado por sua conduta.
Dessa forma, denota-se a importância do Termo de Consentimento Informado como prova pré-constituída para uma futura demanda judicial, tornando-se um poderoso instrumento de defesa para o médico.
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/1990), corrobora, em seus artigos 6º, III, 9º e 14, que:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem.
Art. 9º. O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.( ...)
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Destarte, entende-se que a relação dos médicos com os seus pacientes é indubitavelmente contratual (Naves, Sá, 2009), estando sujeita a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, mas já as clínicas e os hospitais respondem por determinação legal de maneira objetiva.
Além disso, Cavalieri Filho (2008), com base na Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, assevera:
Ressalte-se que o dever de informar tem graus que vai desde o dever de esclarecer, passando pelo dever de aconselhar, podendo chegar ao dever de advertir. É o que se extrai do próprio texto legal. No inciso III do art. 6º o Código fala em informação adequada e clara; no art. 8º, fala em informações necessárias e adequadas (...).
Portanto, no que concerne à responsabilidade civil decorrente da violação do dever de informar, a doutrina pátria e a jurisprudência assinalam uma responsabilidade civil subjetiva, fundada na culpa. Vejam-se alguns julgados nesse sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Consentimento informado. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido. (REsp 436827/SP . Julgado 01/10/2002 Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar).
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ERRO MÉDICO E HOSPITALAR. VIDEOLAPAROSCOPIA. PERFURAÇÃO DE ALÇA INTESTINAL. PERITONITE. RESPONSABILIDADE DO CIRURGIÃO ASSENTADA NA FALHA DO DEVER DE INFORMAR , ASSOCIADA À CONDUTA DO HOSPITAL, AMBOS ASSENTINDO EM ALTA DA PACIENTE COM INDICAÇÕES DE INSTALAÇÃO DE QUADRO INFECCIOSO. ERRO MÉDICO. FALHA NO DEVER DE INFORMAR.NEGLIGÊNCIA DO PÓS-OPERATÓRIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS HOSPITALARES. Ausência de consentimento informado. Dever de informar inerente à realização de procedimentos médicos de risco. Conquanto a perfuração de alça intestinal se insira nos riscos do procedimento a que foi submetida a autora, o que não tipificaria imperícia, houve falha na não cientificação prévia. Conduta agravada pela negligência na seqüência do procedimento, em face da sintomatologia apresentada pela autora, a quem foi dada alta precoce, propiciando o agravamento do quadro e instalação de peritonite. (Ag 1009647 . Publicação em 13.05.2008. Relator: Ministro Ari Pargendler)
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. CONSENTIMENTO INFORMADO INOBSERVÂNCIA DO ART. [15] CC/02 . PRECEDENTES. DANO MATERIAL. PERDA DA CHANCE.DANO MORAL CONFIGURADO. O paciente deve participar na escolha e discussão acerca do melhor tratamento tendo em vista os atos de intervenção sobre o seu corpo. Necessidade de informações claras e precisas sobre eventual tratamento médico, salientando seus riscos e contra-indicações, para que o próprio paciente possa decidir, conscientemente, manifestando seu interesse através do consentimento informado. No Brasil, o Código de Ética Médica há muito já previu a exigência do consentimento informado ex vi arts. 46, 56 e 59 do atual. O CC/02 acompanhou a tendência mundial e positivou o consentimento informado no seu art. [15]. A falta injustificada de informação ocasiona quebra de dever jurídico, evidenciando a negligência e, como conseqüência, o médico ou a entidade passa a responder pelos riscos da cirurgia não informados ao paciente. A necessidade do consentimento informado só poderá ser afastada em hipótese denominada pela doutrina como privilégio terapêutico, não ocorrentes no presente caso. (REsp 1035346 . Publicação em 24.03.2008. Relator Ministro Francisco Falcão). (grifo nosso)
4. Considerações Finais
Ao discorrer de forma suscinta sobre o consentimento informado, notou-se que esta ferramenta além de ser um direito do paciente, no qual se evidencia sua autonomia, no que tange ao poder de decidir sobre eventual tratamento ou diagnóstico médico, é também uma ferramenta de defesa do médico, no sentido de legitimação de seu tratamento pelo paciente, diminuindo a probabilidade de ver contra si ajuizada uma ação judicial.
Desse modo, a responsabilização pela ausência da informação é, atualmente, aquiescida pelos tribunais e doutrinas majoritárias, o que corresponde ao respeito aos direitos e garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição Pátria e pela legislação infraconstitucional.
Assim sendo, o Consentimento Informado, como direito de todo aquele submetido a tratamento médico, está em consonância com os princípios da boa-fé objetiva e da solidariedade, que de todos exige o dever de zelar pela saúde e bem-estar do seu próximo.
5. Referências Bibliográficas
BORGES, Andrea Mores, Consentimento Informado e Autonomia na Relação Médico-Paciente. Revista Jurídica Cesumar, nº1, v.10. 2010. Disponível <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/viewArticle/1477>. Último acesso em: 12/02/2014.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de ética médica. 2010. Disponível em: < http://www.cfm.org.br > Último acesso em: 12/02/2014.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas,2008.
HALL, MA. Informed consent to rationing decisions. The Milbank Q, 1993;4:645-68.
NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
PITHAN, Lívia Haygert. A Dignidade humana como fundamento jurídico das ordens de não-ressucitação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
STANCIOLI, Brunello Souza. Relação Jurídica Médico-Paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.