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Breve análise dos institutos do direito romano presentes no contexto da dívida hipotecária espanhola

Objetiva-se relacionar o contexto de não cumprimento contratual, que gerou a grande dívida hipotecária espanhola, com institutos do direito romano que a ele estão intimamente ligados.

Em texto publicado no jornal espanhol El País, Carlos Castresana traz o tema da dívida hipotecária espanhola no contexto da grave crise econômica mundial. Para o autor, a crise financeira é, em parte, culpa da especulação incontrolada dos próprios bancos. Foram eles que se equivocaram e agora o ambiente contratual em que celebraram os contratos de hipoteca mudou. Os contratantes já não estão mais na mesma situação econômica que antes, a realidade social já não é mais a mesma da época da celebração contratual, mas ainda se está aplicando o princípio do pacta sunt servanda, em que “o contrato faz lei entre as partes”. O que Castresana propõe é a aplicação do princípio do direito romano rebus sic stantibus, assim, “se as condições em que se contratou mudam dramaticamente, o devedor deixa de estar obrigado nos termos originais porque se estima que o consentimento que prestou perdeu vigência depois”[1] (CASTRESANA, 2012).

A partir do exposto, analisaremos institutos do direito romano que estão intimamente ligados ao contexto da dívida hipotecária espanhola, e veremos como a falta de aplicação de alguns princípios, já conhecidos pelos romanos, contribuiu para o aumento da crise.

Os romanos são conhecidos por ser o povo do ius, não o da lex, justamente pela extrema importância que tinha a fides, a confiança. Em Roma predominava a forma oral e, portanto, era por meio da palavra, o iuramentum, que se realizavam os negócios jurídicos. Em um contrato de empréstimo de dinheiro, por exemplo, o mutuante confiava que o mutuário devolveria o dinheiro porque ele deu sua palavra e isso já era suficiente para gerar confiança. A bona fides era presumida, e por isso não se cobravam usuras[2].

O que ocorre hoje com o contrato de hipoteca é justamente o fato de se estar considerando que a impossibilidade de pagar as prestações seria culpa dos devedores, quando na realidade eles atuaram de boa-fé e acreditavam que poderiam quitar a dívida à época do vencimento, sendo o contexto de crise financeira atual totalmente imprevisível à época da celebração dos contratos.

A jurisprudência romana surge na época republicana quando os juristas começaram a estudar e interpretar os mores maiorum (os costumes dos antepassados) e as 12 Tábuas, dando solução aos litígios a partir de sua interpretação dessas leis e costumes (CHURRUCA; MENTXAKA, 2007: 93).

É o que devem fazer hoje os magistrados da Suprema Corte espanhola: interpretar as leis, sendo que essa interpretação deve se dar conforme a situação social e econômica em que se encontra o país.

A hipoteca, instituto originariamente grego, foi desenvolvida pelos romanos que passaram a oferecer equipamentos e instrumentos agrícolas como garantia de pagamento. O dono então mantinha sua posse sobre os implementos agrícolas, só os perdendo caso não pagasse sua dívida no prazo acordado (CATÓN, 2009: 113-114).

Em Roma, a regra geral era a de que “os acordos devem ser cumpridos” e a quebra do que se havia acordado implicava no rompimento com o princípio da boa-fé. O que ocorria era que muitas vezes, por força de circunstâncias não previstas, não se podia honrar a palavra, a obrigação, razão pela qual os contratantes modificavam os acordos para adaptá-los à nova situação[3].

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Não há dúvida de que os romanos já conheciam esse princípio, porém, esse só vai ganhar força pós Primeira Guerra Mundial com a aparição da “teoria da imprevisão”, em que devido à situação econômica dos países envolvidos na guerra, muitos contratos não puderam ser cumpridos como haviam sido pactuados. Essa teoria consiste

No reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011: 311).

REFERÊNCIAS

CASTRESANA F., Carlos. Contratos que no pueden cumplirse. El País. Madrid, 13 de nov. 2012. Disponível em: http://elpais.com/elpais/2012/11/12/opinion/1352733945_450263.html. Acesso em: 21 mar. 2014.

CATÓN, Marco Porcio. De agri cultura. Estudio Preliminar, traducción y notas de Amelia Castresana. Madrid: Editorial Tecnos, 2009.

CHURRUCA, Juan de; MENTXAKA, Rosa. Introducción histórica al Derecho Romano. 9ª ed. Bilbao: Universidad de Deusto, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo I: teoria geral. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

IGLESIAS, Juan. Derecho Romano. 18ª ed. Barcelona: Sello Editorial, 2010.


[1] Tradução própria.

[2] Neste sentido: CHURRUCA; MENTXAKA (2007: 169-170).

[3] Neste sentido: IGLESIAS (2010: 322-326).

Sobre os autores
Ana Tereza Duarte Lima de Barros

Advogada e professora da graduação em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Limoeiro-PE. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi bolsista do CNPq. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco com graduação sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha).

Braulio Machado Pinheiro de Morais

Graduando do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Ensaio elaborado como requisito para aprovação na disciplina "Derecho Romano", ministrada no curso de "Grado en Derecho" da Universidad de Salamanca (Espanha).

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