CAUTELARES PENAIS E A BUSCA DA VERDADE REAL
- – AS MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL
Diverge a doutrina quanto à existência de um processo penal cautelar específico, ao lado do processo de conhecimento e do de execução. O Professor Marcellus Polastri Lima[1] noticia que autores como Arturo Santoro negam a autonomia do processo cautelar, sendo opostos por grande parte da doutrina, a exemplo de José Frederico Marques.
Contudo, ainda que não se admita a existência de um processo cautelar ou ação cautelar no processo penal previstos autonomamente, estão dispostas várias medidas cautelares na legislação adjetiva penal, que têm por fim instrumentalizar o exercício da jurisdição. Tais medidas nada mais são do que meio e modos utilizados para garantia da obtenção de um resultado útil na tutela jurisdicional a ser obtida pelo processo principal, seja ele de conhecimento ou execução.
Para o Professor Vicente Greco Filho[2]:
“seja durante o processo de conhecimento, seja antes da concretização da execução, pode ocorrer que a demora venha a acarretar o perecimento do direito pleiteado pelo autor, que está exercendo seu direito de ação. Daí, então, prever o sistema processual outra forma de pedido e, consequentemente, de tutela jurisdicional, a tutela cautelar. Para evitar, portanto, o periculum in mora, existe o provimento cautelar, que tem por fim garantir, provisoriamente, a permanência e integridade do direito até que se concretize a sua execução. No processo penal são exemplos de tutela cautelar as prisões processuais, a produção antecipada de provas entre as quais a interceptação telefônica, as medidas assecuratórias de arresto e sequestro de bens etc.”
As medidas cautelares estão previstas não apenas no Código de Processo Penal, mas em leis extravagantes, podendo incidir sobre a restrição e salvaguarda das várias formas de liberdade, preservação dos direitos e interesses do ofendido e preservação da prova para formar a convicção do Juízo.
As provas cautelares têm importância fundamental na busca da verdade real, ou verdade possível no processo. Paulo Rangel explica que “as medidas cautelares, visam à descoberta da verdade processual dos fatos, porém com respeito aos procedimentos delineados em lei” [3].
Podem ser pleiteadas mediante simples petição e serem concedidas sem que haja iniciativa do interessado, no mesmo iter procedimental. Contudo, a exemplo do processo civil, a medida cautelar no processo penal pressupõe a existência de dois requisitos específicos: fumus boni iuris e periculum in mora. O primeiro representa a plausibilidade do direito do requerente, um juízo de probabilidade, ao passo que o periculum in mora se prende ao risco na demora do provimento jurisdicional no processo principal.
Macellus Polastri[4] elenca as características fundamentais das cautelares penais: acessorialidade – subordinação da medida ao processo principal; preventividade – a medida só deve se dar para se evitar futuros danos, com o prolongamento do tempo; instrumentalidade hipotética – o direito do requerente deve existir como probabilidade e não mera possibilidade; provisoriedade – tem duração apenas enquanto ocorrer a emergência; revogabilidade – pode ser suprimida ou modificada ante novos fatos; não definitividade – não faz coisa julgada material; referibilidade – está conectada ao processo penal principal; jurisdicionalidade – está submetida à reserva de jurisdição.
- – O PODER GERAL DE CAUTELA NO PROCESSO PENAL
A Lei 12.403/11 trouxe alterações no Código de Processo Penal estabelecendo medidas cautelares pessoais menos gravosas do que a prisão. As cautelares pessoais deixaram de ficar legalmente restritas ao cerceamento de liberdade do investigado ou réu, estabelecendo o artigo 319 do CPP nove medidas diversas da prisão: comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da Comarca, suspensão do exercício de função pública, recolhimento domiciliar, internação provisória do acusado, fiança e monitoração eletrônica.
A ampliação das medidas possíveis de serem aplicadas pelo juízo evita a segregação do agente, pondo fim à bipolarização entre prisão e liberdade provisória e traz questionamento no sentido de serem taxativas ou ter o órgão julgador liberdade para aplicar cautelares inominadas no caso concreto.
Carollyne Andrade Souza informa que[5]:
“a posição aderente às cautelares pessoais inominadas era adotada pelo STF e a pela 5ª turma do STJ. O fundamento adotado repousa na teoria dos poderes implícitos, nesse sentido, quem pode o mais, também poderia o menos. Assim, se o nosso ordenamento prevê expressamente a prisão preventiva que seria uma constrição cautelar da liberdade no seu grau máximo, nada impediria que o juiz pudesse impor ao réu outras restrições cautelares a sua liberdade, desde que tão eficazes e menos gravosas que a prisão”.
Com a edição da lei 12.403/11 houve uma grande mudança de paradigma. Para muitos houve um fortalecimento da posição contrária ao exercício da cautela geral, tendo a nova norma não só conservado a prisão preventiva, mas detalhado diversas medidas menores, alegando também ser necessária a observância do devido processo legal, o que imporia a previsão expressa das cautelares.
Marcellus Polastri[6], entretanto, defende um poder geral de cautela do juiz no processo penal, dando como exemplo a regressão cautelar de regime do art. 118, §2º, da LEP, e alegando que:
“devem se separar, para um mais cuidadoso exame, as medidas cautelares pessoais das demais, pois, se em relação às modalidade de prisão provisória não será possível o exercício do poder geral de cautela, em relação às demais medidas cautelares, especialmente aquelas relativas às provas e as reais, poderá se dar, de forma parcimoniosa e extraordinária, o exercício deste pode pelo juiz no processo penal”.
Alegam ainda os partidários do poder geral de cautela no âmbito do Direito Processual Penal que o novo CPP trará ainda mais cautelares, além das já existentes.
Os contrários à teoria do poder geral de cautela no processo penal se baseiam nos princípios da taxatividade e da legalidade e são imbuídos pela defesa do réu. Entretanto, muitas vezes as cautelares atípicas visam, na verdade, o fortalecimento da liberdade, além de favorecer a busca da verdade real.
Dentre as cautelares típicas relativas à produção de provas previstas no CPP temos a busca e apreensão e a produção antecipada de prova testemunhal, além daquelas expressas na legislação extravagante, remanescendo menos contenciosa a possibilidade de serem admitidas, no processo, as cautelares probatórias, as quais, sem dúvida, dotarão o juízo de melhores elementos para proferir a decisão final.
- – AS MEDIDAS CAUTELARES RELATIVAS À PROVA E A BUSCA DA VERDADE REAL
Para Paulo Rangel[7], ao menos o que se depreende da sua obra, o conceito mais apropriado refere-se à verdade processual, a verdade produzida nos autos do processo. Ensina que:
“descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória”.
Evidente a importância das provas cautelares para a descoberta da verdade nos autos.
As provas cautelares são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova pelo decurso do tempo, prejudicando o conhecimento da verdade possível no processo (ou verdade real, sabendo-se que este conceito tem sido afastado por parte da doutrina contemporânea, com dito). Daí sua suma importância para que os elementos de convicção sejam colacionados aos autos em tempo oportuno, permitindo-se ao órgão julgador proferir uma decisão justa.
No que se refere a tais provas, o contraditório se dará após as suas produções, podendo ocorrer, como nas provas antecipadas, tanto na fase investigatória como na fase judicial (contraditório diferido). Como exemplos podem ser citados os casos de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente. Nestas situações, os investigados só terão ciência do ato após a produção da prova, evitando assim que esta se torne obsoleta. A interceptação telefônica deve observar as disposições do art. 5ª, XII, da Constituição República e da Lei 9.296/96.
O art. 155 ressalta que o juiz não poderá fundamentar sua decisão, exclusivamente, nos elementos informativos colhidos na investigação. A palavra exclusivamente, segundo, mais uma vez, o Professor Paulo Rangel[8] significa dizer que:
“o juiz não deve levar em consideração, em sua sentença, as informações contidas no inquérito policial, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Não servem nem para cotejá-las com as do processo. Prova de inquérito é para que o MP possa dar o pontapé inicial, oferecendo denúncia”.
A distinção entre provas cautelares e antecipadas é feita com propriedade pelo Professor Vicente Greco Filho[9], ao estabelecer que:
“é possível tentar-se fazer uma distinção entre a prova cautelar e a antecipada, entendendo-se esta como a decorrente de procedimento próprio cautelar de produção antecipada de prova e as outras as colhidas sem audiência do possível ou hipotético acusado em virtude da urgência de sua colheita, como o levantamento do local, o exame necroscópico e outras perícias”.
Provas cautelares, como todas as demais medidas com esta natureza, são as informadas pelo binômio periculum in mora e fumus boni iuris, autorizando sua adoção com o escopo de assegurar o curso do inquérito a fim de que possa o MP oferecer denúncia, a exemplo da busca e apreensão e interceptação telefônica.
Provas antecipadas são as realizadas na fase do inquérito visando a preservar o objeto de prova que seria colhido no curso do processo, mas que diante de um fato urgente pode prejudicar sua colheita, pois quando da instauração do processo poderá não mais existir. É o caso da oitiva de uma testemunha com grave enfermidade.
Há ainda as provas não repetíveis, que são aquelas que não se renovam em juízo, tais como: exame pericial, exceto o complementar; auto de exame cadavérico; exame de corpo de delito. São provas realizadas apenas na fase de inquérito.
Em certos casos, se a prova não for realizada cautelarmente, o processo penal remanescerá injusto.
- – CONCLUSÃO
Depreende-se, assim, que as cautelares probatórias exercem papel fundamental para a descoberta da verdade dentro do processo, permitindo ao juízo a prolação de uma sentença justa, quanto mais no processo penal, onde digladiam interesses tão caros às partes adversas: segurança da sociedade e liberdade do réu.
Também podemos concluir que a total repulsa às cautelares pessoais inominadas não se aplica às provas cautelares. Exatamente por favorecerem a busca da verdade no processo, grande parte da doutrina defende a existência do poder geral de cautela neste tema.
REFERÊNCIA
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 9ª Edição, 2012.
LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 3ª Edição, 2009.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen, 18ª Edição, 2011.
SOUZA, Carollyne Andrade. O Poder Geral de Cautela Sob o Enfoque da Lei 12.403/11. Conteúdo Jurídico. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-poder-geral-de-cautela-sob-o-enfoque-da-lei-124032011,42657.html>, acesso em: 30 dez. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>, acesso em: 30-07-2013.
BRASIL. Decreto nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. DOFC DE 13/10/1941, P. 19699, Rio de Janeiro, DF, 3 de out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>, acesso em 30-07-2013.
BRASIL. Decreto nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. D.O. DE 13/07/1984, P. 10227, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>, acesso em 31-07-2013.
BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. D.O. DE 25/07/1996, P. 13757, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9296.htm>, acesso em 30-07-2013.
[1] LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 3ª Edição, 2009, p.507
[2] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 9ª Edição, 2012, p. 128.
[3] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen, 18ª Edição, 2011, p. 52.
[4] LIMA, op. cit., p. 511-516.
[5] SOUZA, Carollyne Andrade. O Poder Geral de Cautela Sob o Enfoque da Lei 12.403/11. Conteúdo Jurídico. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-poder-geral-de-cautela-sob-o-enfoque-da-lei-124032011,42657.html>, acesso em: 30 dez. 2013.
[6] Idem, p. 518.
[7] RANGEL, op. cit., p. 58.
[8]Idem, p. 1389.
[9] GRECO FILHO, op. cit., p. 563.