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Querela nullitatis.

Estudo acerca de sua aplicabilidade no atual ordenamento jurídico pátrio

Agenda 02/04/2014 às 00:07

No presente estudo, busca-se investigar a supervivência da querela nullitatis, ou, mais modernamente, Ação Declaratória de Inexistência, no sistema jurídico brasileiro; traçando sua evolução histórica e seu procedimento hodierno.

RESUMO

No presente estudo, busca-se investigar a supervivência da querela nullitatis, ou, mais modernamente, Ação Declaratória de Inexistência, no sistema jurídico brasileiro. Para tanto, faz-se uma breve análise histórica acerca deste instituto, traçando sua evolução, nos sistemas processuais, desde o direito Romano, passando pela contribuição do direito Canônico, chegando até as hipóteses de cabimento e o rito de processamento utilizado na atualidade. Com tal espírito, intenta-se elucidar, ainda que de forma tênue, as diferenças e determinados pontos de toque existentes entre a ação rescisória, a querela nullitatis e a ação anulatória. Assim, necessário se fez explanar, no decorrer desta obra, acerca das espécies de vícios processuais e seus efeitos no campo do direito material, pois, trata-se de critério determinante para distinção entre aplicação destas ações impugnativas autônomas. Por fim, apurou-se a subsistência deste expediente no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que careça de amparo legal, já que o Código de Processo Civil não tratou da via autônoma da querela de nulidade.

Palavras-chave: Sentença. Inexistência. Querela nullitatis. Processo Civil Brasileiro. Ausência de Citação.

SUMÁRIO

RESUMO. 3

ABSTRACT. 4

INTRODUÇÃO. 6

1  Esboço Histórico. 8

2  A contribuição do Direito Canônico. 12

3  A subsistência no direito processual vigente. 16

4  A Querela Nullitatis. 20

4.1  Regime Jurídico Processual 23

4.2  Hipóteses de cabimento. 28

4.2.1  Dos vícios de atividade. 30

4.2.2  Da citação como pressuposto de existência e constituição do processo. 31

5  Considerações finais. 35

Referências. 38

INTRODUÇÃO

Querela nullitatis é uma expressão latina que significa nulidade do litígio. No universo processual jurídico, esta indica o mecanismo criado e utilizado desde a idade média, para impugnar sentenças, independentemente de recurso, sendo, então, apontada como a origem direta das ações autônomas de impugnação.

Sua aplicação tem como pressuposto a existência de situações de desrespeito aos pilares da sistemática processual. Destarte, verifica-se sua presença juntamente no mesmo terreno das nulidades do processo civil, haja vista que ao lado dos atos processuais existentes encontra-se o regime dos atos processuais inexistentes (ou ineficazes). 

Todavia, mesmo se tratando de atos juridicamente inexistentes (ou ineficazes), é indiscutível que estes, em virtude de sua fática “existência”, ao menos em uma atmosfera formal, enquanto não forem depurados do mundo jurídico, irão emanar seus efeitos, gerando conseqüências tanto no campo do direito processual, quanto no âmbito material.

Em remate, tem-se que a via adequada para a impugnação das sentenças tidas como inexistentes (ou ineficazes) pode ser encontrada no instituto da “querela nullitatis”, ou melhor, da ação de nulidade, via processual autônoma, criada pelo direito italiano, com o escopo original de denunciar as graves nulidades havidas no curso de determinado processo e, por conseguinte, na prolação de sua sentença.

Modernamente, tal mecanismo ecoa no ordenamento jurídico através da Ação Declaratória de Inexistência (ou de nulidade), posto que seja, hodiernamente, instrumento adequado para assolar do universo jurídico as sentenças decorrentes de ato processual absolutamente nulo, ineficaz, ou inexistente, ante a ausência de atendimento à algum do seus pressupostos de existência ou de eficácia jurídica.

Diante deste breve intróito, resta esclarecer que no presente estudo, pretende-se analisar este instrumento processual, traçando desde sua evolução histórica até a comprovação de sua patente subsistência no ordenamento jurídico moderno.

Para tanto, necessário se fez analisar as espécies de vícios processuais e seus efeitos no universo jurídico, para que, então, fosse possível avaliar todas as hipóteses de cabimento da querela de nulidade, e seu decorrente regime jurídico processual.

1  Esboço Histórico

A “querela nullitatis” é parte integrante do regime das nulidades do processo, posto que concebida exatamente como forma de correção destas falhas. Assim, impossível termos em vista tal instituto se não entendêssemos, conjuntamente, como eram concebidas as nulidades “lato sensu” no direito pretérito.

No direito romano, - origem deste meio de impugnação - tanto no período das “legis actiones” quanto no da “ordo judiciorum privatorum”, as sentenças eram irrecorríveis e as nulidade de direito material operavam-se “pleno iure”, não havendo necessidade de declaração.

Já no período formulário, por conta da atividade do pretor, houve uma depuração do conceito de nulidade, posto que a mesma seria uma sanção aos atos não realizados de acordo as regras vigentes.

 Nesse período, o devedor condenado, superado o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, podia fazer a seguinte escolha: a) ou confessava o débito e, então, o pretor autorizava o credor a praticar atos de execução em sua pessoa ou seus bens; b) ou negava a condenação, contestando a existência ou a validade da sentença (sentença nula era considerada inexistente), apresentando, contudo, caução, correndo o risco de ser condenado, por sua vez, ao dobro do valor da condenação.[1]

Mas o devedor não necessitava, contudo, esperar que o credor agisse para, somente então, apresentar a “actio judicati”. Podia ele tomar a iniciativa, visando à declaração de nulidade da sentença, mediante uma remédio denominado “revocatio in duplum”.

Foi através do surgimento dessa ação impugnativa que se iniciaram as discussões sobre a necessidade de haver um sistema adequado para a declaração da nulidade e inexistência da sentença que não teria sido proferida nos conformes formais da época. Vale ressaltar que, para esse instituto, não havia um prazo certo.

Por outro lado, pouco depois, já no período republicano, floresceu a idéia de uma ação que tivesse por objetivo a anulação de sentenças que, embora formalmente válidas, representassem manifesta injustiça. Então, a critério do pretor, dava-se à parte prejudicada a oportunidade do ajuizamento do remédio da “restitutio in integrum”.

Por fim, todo esse sistema impugnativo veio a ser completado, logo após, pela oficialização da “appellatio”, como forma ordinária de correção da injustiça da decisão.

Em síntese, o quadro impugnativo quanto às sentenças em geral no período formulário era o seguinte:

a) “appellatio” – via ordinária para a correção da injustiça substancial da sentença, tendo em vista a aplicação da lei, consequentemente, abarcando o tema das nulidades.

b) “restituto in integrum” – via excepcional, concedida pelo pretor e pelos magistrado imperiais, com o escopo de corrigir a injustiça substancial da sentença, tendo em vista a consideração dos fatos da causa.

c) “revocatio in duplum” – via autônoma – sem prazo fixado - de iniciativa do devedor, que, correndo o risco de ser condenado no dobro, antes de eventual atitude constritiva do credor, impugnava a sentença sob o ponto de vista da legalidade (nulidade = inexistência).

 

Contundo, mesmo diante desta gama de institutos romanos supra declinados, somente no direito intermédio, no direito estatutário italiano, que se julgou necessário criar um remédio especial para a denúncia dos errores ‘in procedendo’, a “Querela Nullitatis”.

Conclui-se, portanto, que, diversamente do período romano, a impugnação das sentenças nulas, essas já erigidas à categoria autônoma em relação às inexistentes, somente se dava através da querela “nullitatis”. Enquanto a injustiça da decisão era atacada via apelação, sua ilegalidade somente podia ser objeto de impugnação, por período certo, através da querela. Decorrido esse período, todos os vícios da sentença, seja os “in judicando”, seja os “in procedendo”, eram sanados, nada mais podendo ser reclamado.

Todavia, mister esclarecer que alguns estatutos dispuseram acerca da diferenciação entre os conceitos de existência e nulidade. Porém, mesmo nestes casos onde havia tal previsão, deixou-se de observar que, criada uma ação, por prazo determinado, para a impugnação das sentenças nulas, as sentenças juridicamente inexistentes ficariam sem via impugnativa própria. Por conta disto, muitas das causas de inexistência passaram a ser abarcadas como causas de nulidade da sentença.

Com efeito, passou-se a entender em muitos estatutos que, decorrido o prazo para o ajuizamento da querela “nullitatis”, todas os vícios da sentença se sanavam, pois nenhum deles sobrevivia à preclusão desse meio de impugnação, mesmo sabendo que nulidade e inexistência não se confundiam, não podendo mais, em hipótese alguma, serem alegados.

Buscando dirimir esta confusão, a legislação estatutária vinha a mitigar a excessiva absoluteza do princípio da validade formal da sentença e a reconhecer que este, se era aplicável à maioria dos defeitos do julgado não era logicamente admissível quando faltassem à sentença aqueles requisitos constitutivos, sem os quais não se podia concebê-la, como acontecia, por exemplo, nos casos de absoluto ‘defectus jurisdcitionis’.

 Tem-se, desse modo, a conclusão pela qual, enquanto certas nulidades, nesses estatutos, eram impugnáveis por via da querela por prazo certo – sanáveis portanto - outra nulidade mais grave, em razão da intensidade do vício, independiam de ajuizamento em prazo certo, podendo, por não se sanarem jamais, serem alegadas a qualquer tempo, seja por via de exceção, seja através da própria querela. No primeiro caso, dizia-se que a ação era de “querela nullitatis sanabilis”, enquanto que na segunda hipótese, “querela nullitatis insanabilis”.

Portanto, apreende-se que para esse estatutos, a querela tinha duas funções:

a) atacar nulidades do processo e da sentença, nesse caso, sendo a mesma submetida a prazo certo para alegação;

b) atacar os processos e sentenças inexistentes, nessas hipóteses, não havendo prazo para a argüição do vício.

 

Entretanto, a evolução do direito processual, com o aperfeiçoamento do sistema recursal nos diversos ordenamentos jurídicos que sucederam ao período estatutário italiano, notadamente o de apelação, fizeram com que a querela “nullitatis” desaparecesse quase que por completo dos sistemas jurídicos subseqüentes, ora sendo encampada por novos institutos como a ação rescisória, ora sendo abrangida pela extensão cada vez maior das matéria alegáveis na seara recursal.

Com isso, na maioria dos ordenamentos europeus, a querela “nullitatis”, em suas duas modalidades, “sanabilis” e “insanabilis”, acabou perdendo fôlego; “a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo, de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de alegar-se por meio de recurso, sob pena de ficarem preclusos com o esgotamento das vias recursais.

Vale ressaltar, contudo, que o desaparecimento da querela de nulidade, pelo que podemos constatar pela análise de sua evolução histórica, se deu muito mais em virtude do aperfeiçoamento dos sistemas impugnativos do que em virtude da desnecessidade do instituto.

Todavia, restou ainda incólume o escopo da querela para os fins de declaração da inexistência das sentenças, retirando-as materialmente do mundo jurídico, posto que, embora juridicamente as mesmas nada sejam, indiscutível que produzem seus efeitos.

2  A contribuição do Direito Canônico

O CIC - “Codex Iuris Canonici”, promulgado pelo papa João Paulo II em 25 de janeiro de 1983, expressamente prevê, para as causas relativas às coisas espirituais e com elas conexas; e para as que apurem a violação de leis eclesiásticas e atos caracterizados como pecado, no que se refere à determinação da culpa e imposição de penas eclesiásticas, a utilização da querela de nulidade contra sentença. [2]

Neste viés, impende esclarecer que no direito canônico, a regra geral, é que o Juiz de 1º grau é o Bispo diocesano (Cânon 1.419), o qual, no julgamento das demandas, prolata sentenças definitivas ou interlocutórias (Cânon 1.607), sendo estas reguladas pelos Cânones 1.607 ao 1.617, destacando-se como requisitos formais os Cânones 1.611 e 1.612.

Destarte, necessário se faz ressaltar que no CIC, em seu Cânon 1.641, existe a previsão de quatro hipóteses pelas quais as sentenças podem transitar em julgado:

·               "Duplex conformis";

·               Preclusão dos prazos processuais;

·               Perempção ou renúncia em grau de apelação;

·               Inadmissibilidade de recurso.

 

Com relação ao direito processual civil brasileiro, com exceção da primeira hipótese, as demais são conhecidas

Ademais disto, a coisa julgada no direito canônico está associada também, à noção de estabilidade e faz direito entre as partes e proporciona a ação de julgado e exceção de coisa julgada, que o juiz pode declarar também ex officio, para impedir nova introdução da mesma causa.

Nos conformes do CIC, as sentenças podem ser atacadas pela querela nullltatis; restitutio in integrum; e pela apelação.

Em face do próprio objetivo do presente escrito, me reservarei a analisar apenas a primeira destas hipóteses.

A querela "nullitatis" é regulada pelo Código Canônico nos Cânones 1.619 ao 1.633 e é reservada aos casos de sentença e decisões interlocutórias nulas, diferentemente da apelação e da restitutio in integrum que são manejados contra sentenças válidas. Trata-se de um meio extraordinário de impugnação da sentença definitiva, ou da decisão interlocutória com força de definitiva, eivada de vício de nulidade.

A propósito, cumpre esclarecer que o remédio especial da querela nullitatis previsto no CIC não encontra similitude com outro, quer no direito contemporâneo, quer no direito romano. A querela, na legislação canônica atual, provém da exceptio nullitatis das Decretais e da actio nullitatis do direito processual medieval.

A via processual pode ser oposta em prazos diferenciados, caso a nulidade for insanável ou sanável, não sendo cabível, no entanto, sua interposição na hipótese das nulidades não terem sido denunciadas ao juiz até o momento da sentença, quando a demanda versar sobre bens particulares, excetuando-se os vícios enumerados no Cânon 1.622, quando é cabível o ajuizamento da demanda.

Neste lanço, imperativo destacar que o Cânone 1.619 prevê que, exceção feita às nulidade sanáveis, aquelas cominadas em lei que, "sendo conhecidas pela parte que propõe a querela, não tiverem sido denunciadas ao juiz antes da sentença, são sanadas pela própria sentença, sempre que se trata de causa referente ao bem de particulares".

A regra, portanto, é que as nulidades que versam sobre bens particulares devem ser impugnadas até o momento de prolação da sentença, sob pena de preclusão, no entanto, nos casos expressamente reservados pelo Código Canônico em que há vícios insanáveis ou vícios sanáveis enumerados, é passível o ajuizamento da querela de nulidade.

Neste compasso, os Cânones. 1620 e subseqüentes apontam os casos em que a sentença é viciada por nulidade insanável:

a) foi proferida por juiz absolutamente incompetente;

b) foi proferida por alguém destituído do poder de julgar no tribunal em que a causa foi definida;

c) o juiz proferiu a sentença coagido por violência grave;

d) o juízo foi feito sem a petição juidicial, ou não foi instaurado contra alguma parte demandada;

e) foi proferida entre partes, das quais, ao menos um não tinha capacidade de estar em juízo;

f) alguém agiu em nome de outro sem mandato legítimo;
g) foi negado a alguma das partes o direito de defesa;

h) a controvérsia não foi definida sequer parcialmente

De acordo com o Codex Canonici, ainda, a querela pode ser proposta tanto por via de exceção como de ação; neste último caso, diante do juiz que proferiu a sentença no prazo de dez anos desde sua publicação.

Por outro lado, de acordo ainda com o cânone 1.622 do “Codex Iuris Canonici”, a sentença é viciada de nulidade sanável, se:


a) foi proferida por número não legítimo de juízes;

b) não contém os motivos ou as razões da decisão;

c) não traz as assinaturas prescritas pelo direito;

d) não traz a indicação do ano, mês, dia e lugar em que foi proferida;

e) está baseada em ato judicial nulo, cuja nulidade não tenha sido sanada;
f) foi proferida contra uma parte legitimamente ausente.

 

Nesses casos, a querela somente pode ser proposta no prazo de três meses após a notícia da publicação da sentença.

Percebe-se, assim, que sem nenhum rigorismo sistemático, da mesma forma em que concebida a querela em parte dos estatutos italianos do século XII, mesclam-se causas de nulidade, umas mais graves (absolutas), outra nem tanto (relativas). E mais. Junto às causas de anulabilidades, há hipóteses claras de inexistência da sentença, as quais, salvo melhor juízo, não deveriam ser objeto da sanatória geral advinda do decurso do prazo para impugnação.

Ademais, necessário asseverar que, nos moldes do c. 1.626, §2º, do CIC, destaque-se que a legitimidade para aforamento da querela de nulidade é, além das partes prejudicadas pela nulidade, o promotor e o defensor do vínculo nas causas em que atuam.

Neste compasso, saliente-se que, desde que não tenha sido também interposto recurso de apelação, o juiz que lavrou a sentença viciada por nulidade poderá, de ofício, e dentro dos prazos fixados para o socorro da querela de nulidade, com fulcro no §2º do cânone 1.626, do CIC,  emendar a sentença. Tal prerrogativa se dá face sua competência para o julgamento da actio nullitatis, salvo a exceção de suspeição, prevista no cânone 1.624. Neste caso, haverá sua substituição por outro juiz ou delegado, da mesma sede do tribunal.

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Outrossim, quando se tratar de sentença proveniente da Rota Romana, a competência para o julgamento da querela será do Supremo Tribunal da assinatura Apostólica.

No que se tratar de nulidades insanáveis, sua argüição via exceção  poderá ocorrer em qualquer momento; em sendo mediante aforamento da actio nullitatis, este prazo será de 10 anos, a contar da publicação.

Neste paço, se a nulidade enfrentada for sanável, a querela poderá ser proposta concomitantemente à apelação, em obediência ao seu prazo de 15 dias; ou, poderá ser proposta individualmente, se respeitando o lapso máximo de 3 meses, a partir da intimação da sentença.

Havendo a cumulação da querela com o recurso de apelação, o rito obedecerá o procedimento recursal. Logo, reconhecida a nulidade, os autos serão remetidos para o juízo a quo, que lavrou a decisão impugnada, a fim de que nova decisão seja prolatada.

Em se tratando de aforamento autônomo da querela, após novo exame, o próprio juiz que lavrou a sentença objeto da actio nullitatis irá exarar nova sentença, reformando ou mantendo o teor da anterior. A saber, este provimento judicial poderá vir a ser impugnado pelos remédios processuais ordinários.

Por fim, destaque-se que, em se tratando de nulidade sanável, os atos regularmente praticados no processo serão considerados válidos e aproveitados, prestigiando-se, desta forma, a celeridade e economia processual.

3  A subsistência no direito processual vigente

Inicialmente, conforme demonstrado supra, o instituto da Querela Nullitatis se desdobrava em duas espécies: (a) querela nullitatis sanabilis para os errores in procedendo menos graves; (b) querela nullitatis insabilis para os mais graves.

Hodiernamente, a primeira opção acabou sendo suprimida pela apelação, recurso advindo da apellatio romana, sendo utilizado por quase todos os países do mundo civilizado. Em sua aplicação, o que eram os "motivos de nulidade" se transfigurou para sua fundamentação.

Já com relação a querela nullitatis insabilis, instrumento de confronto aos vícios in procedendo mais graves, tem-se que esta ainda subsiste no direito moderno, mantendo-se com o condão de expurgar do universo jurídico aqueles vícios, que, de tão graves, não se sanariam com a preclusão temporal e, por conseguinte, sobreviveriam à formação da coisa julgada.

Neste sentido, defendendo a sobrevivência deste instituto no processo civil moderno, o irretocável processualista italiano Piero Calamandrei, em artigo publicado na afirmou, in verbis:

Nullità della sentenza. - La nullità della sentenze sogette ad apello (339, 342) o a ricorso per cassazione (360) può essere fatta valere soltanto nei limiti e secondo le regole proprie di questi mezzi di impugnazione (158).

Questa disposizione non si applica quando la sentenza manca della sottorcrizione del giudice (132, 354, 383).

Alla regola generale, enunciata nel primo comma dell´art. 161 e valevole per tutte le nullità della sentenza, la legge prevede expressamente una eccezione, quella enunciata nel cpv. dell´art. 161; ma questo non esclude (como si è sempre ritenuto, anche prima che esistesse l´art. 161) che altri casi di nullità in senso stretto vi possano essenre non solo per necessità logica, ma anche per necessità pratica, tutte le volte che la sentenza manchi di quel minimo di elementi essenziali che sono indispensavili per passare in giudicato, cioè per produrre quell´effetto di certezza giuridica che è lo scopo del giudicato.

Possiano dunque concludere che vi è almeno un caso ma in realtá tutta una serie de casi non determinabili a priori, nei quali sopravvive nel nostro dirrito, fuo del campo dei mezzi di impugnazione enumerati nell´art.  323 l´antivca actio nullitatis contro la sentenza viziata de nullità insanabile.(CALAMANDREI, 1951, p. 112-128)

 

Logo, apreende-se, pela leitura do excerto supra transcrito, que ainda que inexista expressa menção sobre o instituto da querela nullitatis, este permanece na realidade do processo civil moderno.

Diferentemente ocorre no ordenamento pátrio, donde existe dispositivo expresso a respeito, qual seja no inciso I, do art. 741, do Código do Processo Civil. Trata-se da hipótese de cabimento para os embargos do executado, que tem natureza de querela nullitatis insanabilis, sem prejuízo, todavia, de sua existência concomitante como ação autônoma de declaração de nulidade/inexistência.

A jurisprudência pátria é uníssona com relação a conservação da querela de nulidade no campo das ações impugnativas:

 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO NO PROCESSO QUE SE QUER ANULAR. CABIMENTO.

É cabível a ação declaratória de nulidade de sentença proferida em ação de usucapião, por não ter sido citado quem deveria integrar a lide. Recurso conhecido e provido. (Resp 94811-MG, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJU, 01.02.1999)

 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA EM AÇÃO DE USUCAPIÃO. QUERELA NULLITATIS. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS POSSUIDORES DO IMÓVEL. VIABILIDADE. PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

(Apelação Cível Nº 70042525220, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 26/05/2011)

 

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA (QUERELA NULLITATIS). IDONEIDADE DA VIA PROCESSUAL ELEITA.

1. A ação declaratória de nulidade, também denominada querela nullitatis, pode ser manejada nos casos de decisão proferida contra o réu revel, cuja revelia se deu em razão da falta de citação ou citação irregular.

2. No caso dos autos, todavia, ainda que assista razão ao INSS, de que a citação não foi feita na pessoa de seu representante legal, tal nulidade não foi arguida em momento oportuno, operando-se a preclusão processual. (AC 1130 RS 2009.71.99.001130-2. Relator(a): GILSON JACOBSEN. Julgamento: 17/03/2011)

 

AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA RESCINDENDA QUE RECONHECEU A UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE HERDEIRA. NÃO CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA DIANTE DE NULIDADE DECORRENTE DE VÍCIO/INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO. CABÍVEL AÇÃO DECLARATÓRIA - QUERELA NULLITATIS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO INADMISSÍVEL.

1.De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é cabível ação declaratória de nulidade (querela nullitatis) para se combater sentença proferida com nulidade ou inexistência de citação, sendo inadequado o uso da ação rescisória.

2.Inadmissível a ação rescisória, o depósito de 5% sobre o valor da causa é revertido em favor do réu, sem prejuízo do disposto no art. [20] do CPC.

3.Extinção da ação sem julgamento do mérito. À unanimidade.

(Processo: AR 600006846 PE 0004660-48.2007.8.17.0000. Relator(a): Jones Figueiredo. Julgamento: 24/02/2011)

 

Sobre o tema, Adroaldo Furtado Fabrício ensina:

 

Todas as considerações já alinhadas conduzem à conclusão de continuar admissível no direito brasileiro contemporâneo a ação autônoma de desconstituição da sentença proferida contra o revel não citado, que representa a continuidade e a sobrevivência, pelo menos nessa limitada hipótese, da querela nullitatis. (FABRÍCIO, 1987, p. 27-44)

 

A corroborar, traz-se à baila, parte do acórdão do STJ, no REsp 12586-SP, Rel. Min Waldemar Zveiter, Publicado no DJ em 04/11/91:

 

A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual, não se constitui, nem validamente se desenvolve. Nem, por outro, lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso.

 

Assim sendo, tem-se, então, que a querela nullitatis, sob a modalidade insanabilis, subsiste no direito brasileiro, afigurando-se neste como uma espécie de gênero referente aos remédios utilizáveis para impugnação de sentença eivada do vícios transrescisórios, sendo o mais comum, dentre estes, o vício de falta ou nulidade de citação de réu em processo de conhecimento, se este lhe correu à revelia.

Destarte, apura-se que a querela nullitatis é faculdade do interessado para o combate dos vícios de atividades mais graves, podendo ser exercida através dos embargos à execução; ou pela sua via autônoma de ação declaratória de nulidade (inexistência) do processo, que é a própria querela nullitatis insanabilis.

Por fim, destaque-se que, apesar do direito romano (fonte originária da querela de nulidade) ter sido "destronado", sua obra continua a exercer sua função cultural, servindo como fonte à todos intérpretes desta ciência. Isto decorre da tendência atual de queda do formalismo exagerado, donde a lei era fonte única, merecedora de integral e cega adesão.

Agora, mediante o sistema histórico evolutivo de interpretação, o intérprete não é mais um mero ente inanimado, escravo do texto, alheio às diversidades de cada caso.

Lógico que tal constatação não pode ser confundida com a liberdade para criação de normas. Trata-se de uma faculdade dada ao jurisconsulto de revelar um direito existente, fruto da consciência comum do povo, independente das limitações territoriais.

Afinal, o fim de uma lei não é buscado nela mesma, ou na vontade de pensamento do legislador. Interpreta-se uma norma unicamente em função de sua adaptação aos fins sociais esperados.

Desta forma, fontes culturais/históricas como o direito romano e o canônico, ganham repercussão no campo da hermenêutica e da interpretação, libertando o direito do logicismo abstrato.

4  A Querela Nullitatis

Em sua origem, a querela “nullitatis” não era nem um recurso, nem uma ação. Tratava- se de uma invocação do “officiu iudicis”, uma forma simples de provocação do Estado para que expurgasse do sistema sentenças de espírito meramente emulativo.

Diferentemente de um Recurso que é remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou integração da decisão judicial, a querela ‘nullitatis’ se enquadra no campo das ações impugnativas, que, como o próprio nome diz, são remédios voluntários que, fora da relação jurídica processual primitiva, tem por escopo a reforma ou a invalidação dos atos judiciais.

Em estudo sobre este tema, Tereza Arruda Alvim Wambier (2004, p. 35-58) aponta que há íntima relação entre coisa julgada e rescindibilidade da sentença. Neste lanço, cumpre destacar que, conforme dispõe o art. 485 do Código de Processo Civil, somente as sentenças transitadas em julgado podem ser rescindidas..

Por outro lado, ao ver da supra mencionada autora, sentenças inexistentes por si só, ou aquelas frutos de processos inexistentes, em hipótese alguma transitariam em julgado, razão pela qual, nessas situações, não seria cabível sua impugnação por meio da Ação Rescisória. Neste caso, o instrumento processual adequado para a invalidação destas sentença seria a Ação Declaratória de Inexistência, que na verdade, outra coisa não é senão a “querela nullitatis”.

Destarte, apreende-se que a sentença inexistente não precisa ser rescindida, pois que não se convalida pela “res judicata”, diferentemente das causas de nulidade e anulabilidade.

Com efeito, verifica-se, então, que a sentença objeto da querela ‘nullitatis’ é aquela que não obedece/reúne todos pressupostos processuais de existência do ato com relação à parte revel, ou seja, são aquelas que fogem dos requisitos mínimos para a própria constituição da relação jurídica processual, sem os quais essa não existe e, conseguintemente, o fruto dela, a prestação jurisdicional veiculada na sentença, também não. São eles: a citação; o procedimento; a jurisdição; e a capacidade postulatória.

No entanto, para uma melhor elucidação do tema, mister se faz elencar a divisão existente entre pressupostos de validade e os de existência:

 

a) Pressupostos de existência: a.1) petição inicial válida; a.2) competência do juízo e imparcialidade do juiz; a.3) capacidade processual e legitimidade processual; a.4) citação válida.

b) Pressupostos de validade: b.1) litispendência; b.2) coisa julgada; b.3) cláusula compromissória

 

Assim, resta evidenciada uma clara distinção entre o que seja uma sentença inexistente (que padece da ausência de um dos pressupostos processuais de existência) e uma sentença nula (que padece da falta de um dos pressupostos processuais de validade).

Desta forma, nas sentenças proferidas em que não se encontrem presentes um ou mais desses requisitos jamais passam em julgado, pois, na verdade, são frutos de uma relação jurídica processual inexistente, e assim sendo é impossível que seja rescindida, já que não cabe ação rescisória sobre algo que jamais chegou a existir.

Destarte, em ordem de combater os efeitos jurídicos emanados por este ato inexistente, mister se faz que tal inexistência seja declarada pelo Poder Judiciário, por meio da actio nullitatis, a moderna ação declaratória de inexistência.

Por essa razão, a qualquer momento, em qualquer grau de jurisdição, sem necessidade de ação própria ou através da ação declaratória de inexistência, essas sentenças podem ser declaradas inexistentes e, se operavam algum efeito, deixam de produzi-lo de imediato.

Na esteira do que foi acima mencionado, necessário se faz ressaltar que a ação rescisória e a ação anulatória, ambas previstas expressamente no ordenamento jurídico nacional, não são aptas a lidar com as sentenças inexistentes, pois estas ações são de caráter desconstitutivo.

Destarte, em suma, se houve um vício, estar-se-ia então diante do campo da nulidade, sendo esta, então, existente e rescindível no prazo legal.

Ademais, importante asseverar que o principal traço distintivo entre as ações impugnativas e os recursos, é que enquanto naquelas forma-se uma nova relação jurídica processual, nessa há uma continuidade do procedimento inicial. Trata-se de verdadeira ação, conseguintemente, de relação jurídica autônoma e diversa daquela em que proferida a decisão que se pretende impugnar.

Destarte, verifica-se que a querela ‘nullitatis’ foi a mãe de todas as ações impugnativas, sendo, então, impossível que esta, diversamente do imaginado no momento de sua concepção, ainda persistisse sendo encarada como invocação do “officiu iudicis” do Estado. Portanto, trata-se de verdadeira ação autônoma de impugnação que tem por objeto uma decisão judicial, mesmo que só na aparência.

A corroborar com esta tese esboçada, Alfredo Buzaid (1986, p. 86) manifestou-se:

 

Os embargos constituem uma ação do devedor contra a eficácia do título executivo representado pela sentença condenatória. Ora, a ação que o devedor pode exercitar mediante embargos à execução pode a fortiori propô-la autonomamente; esta ação tem por objeto a declaração da inexistência da relação jurídica processual por falta da citação do réu ou por citação nulamente feita, em conseqüência, a ineficácia da sentença que nela foi lavrada. Por estas razões é que se torna desnecessária a ação rescisória para desconsituí-la. Configura-se aí, de modo incontestável, a possibilidade jurídica do pedido.

 

Verifica-se que Alfredo Buzaid afirma, no excerto supra, a desnecessidade do uso de ação rescisória para desconstituir sentença eivada de vício em pauta.

 Contudo, José Carlos Barbosa Moreira (1989, p. 97), acrescentou à esta lição que, se haveria desnecessidade do manejo de ação rescisória, tal expediente seria, portanto, inadmissível ao combate da referida espécie de vício.

Afinal de contas, não se poderia impor ao réu não citado (ou citado invalidamente) a propositura da ação rescisória, pois, em seu desfavor não há uma sentença juridicamente constituída, nem muito menos, por conseguinte, coisa julgada para ser rescindida.

Particularmente, adoto o entendimento de que a ação rescisória só se tornaria juridicamente inadmissível diante da hipótese de manejo da querela de nulidade pela oposição de embargos à execução, a qual, diga-se de passagem, oferece até maior vantagem que a ação rescisória, pois, além de operar os efeitos da querela nullitatis, suspende automaticamente os efeitos da execução.

4.1  Regime Jurídico Processual

No direito brasileiro, nos moldes do art. 475-L, I, do Código de Processo Civil, a querela nullitatis está expressamente prevista como hipótese de cabimento de impugnação à execução de sentença.

Contudo, tal direito potestativo de pleitear a nulificação de uma decisão judicial poderá ser exercido por outro meio, revelando, destarte, outra feição procedimental à querela nullitatis, distinta daquela prevista aos embargos à execução. Trata-se da própria actio nullitatis, que tem como hipótese de cabimento preponderante, sentenças proferidas em processo com vício ou ausência de citação do réu prejudicado.

Inicialmente, cumpre asseverar que, diante da falta de uniformidade doutrinário acerca da definição do regime jurídico da actio nullitatis, somente se pode decretar com plena certeza, embora sem previsão legal expressa em nosso ordenamento jurídico, que esta ainda sobrevive na sistemática processual pátria.

Assim o sendo, levando-se em conta, ademais, a falta de regulamentação própria em procedimento especial, tem-se, então, como válido, a extração dos moldes previstos ao procedimento comum (ordinário ou sumário) para o processamento da querela nullitatis, seja no rito ordinário, ou no sumário; havendo sua adequação em conformidade ao valor dado à causa - regra geral para adoção do procedimento sumário.

Afortiori, assinale-se que, como não se pode alcançar a prestação jurisdicional mediante qualquer manifestação de vontade perante o orgão judicante, tem-se que, para o regular processamento da ação declaratória de nulidade (ou inexistência), é necessária a obediência aos requisitos de estabelecimento e desenvolvimentos válidos da relação processual - (i) capacidade da parte; (ii) representação por advogado; (iii) competência; (iv) forma adequado do procedimento.

Ademais disto, igualmente ocorre com todo processo, para que a actio nullitatis atinja sua prestação jurisdicional esperada, ou seja, a solução do mérito, mister se faz que a lide seja deduzida em juízo em observância aos pressupostos de condição da ação - (i) possibilidade jurídica do pedido; (ii) interesse de agir; (iii) legitimidade das partes.

Todavia, mister se faz configurar previamente à abertura do procedimento, o atendimento ao princípio basilar das nulidades, Pas de Nullité Sans Grief. Afinal, a invalidade processual é sanção que somente pode ser aplicada com a conjugação do vício processual e o decorrente prejuízo. Logo, sendo a sentença favorável ao suposto réu não citado (ou invalidamente citado)[3], sua possibilidade de nulificação restará prejudicada.

Ademais, ainda sob o prisma da hipótese supra mencionada, verifica-se, também, que o réu não citado, por não ter sido prejudicado pelos efeitos decorrentes daquele processo, careceria de interesse de agir para a propositura da querela nullitatis.

Todavia, apesar deste ser o entendimento majoritário da doutrina, Pontes de Miranda (2002, p. 82) aponta em sentido distinto, afirmando, para tanto, que " a sentença, ainda favorável, não cobre o vício da citação nula do revel."

Importante notar-se que, concomitantemente ao atendimento do princípio de Pas de Nullité Sans Grief, extrai-se o interesse de agir e a legitimidade para a propositura da actio nullitatis. Afinal, aquele que foi prejudicado pelo ato inválido poderá levar a juízo sua pretensão, posto que este é detentor de vínculo direto com a situação jurídica eivada de mácula.

A possibilidade jurídica do pedido decorrente da querela de nulidade é a própria anulação ou declaração de inexistência, daquele ato enodoado por vício transrescisório. Logo, verifica-se, de plano, que este não se choca com qualquer preceito de direito material, sendo assim possível o seu atendimento.

Outrossim, necessário esclarecer que, na tramitação da actio nullitatis, via de regra, dispensa-se a designação da audiência preliminar e a audiência de instrução e julgamento, pois, trata-se de litígio de improvável conciliação e de desnecessária produção de prova em audiência, devendo, então, haver o julgamento antecipado da lide, nos moldes do art. 330 do Código de Processo Civil. Afinal, como o objeto da querela de nulidade é a configuração de determinados vícios in procedendo, a análise dos autos impugnados já será suficiente para o convencimento do magistrado acerca da ocorrência ou não de vício suficiente para ensejar a nulificação daquele processo.

Outro aspecto relevante ao trâmite da actio nullitatis esta na competência para sua apreciação. Via de regra, compete ao juízo que proferiu originariamente a decisão maculada por nulidade, julgar a querela de nulidade, salvo raros casos onde resta configurada a suspeição do magistrado que lavrou a sentença objeto da actio nullitatis.

Importante perceber que tal característica não fere a regra da livre distribuição[4] – corolário do princípio constitucional juiz natural (art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da CF/88), que é norma expressa e cogente nos arts. 251 e 252 do Código de Processo Civil. Isto decorre pois, o processamento da actio nullitatis, não impõe o afastamento dos efeitos da coisa julgada, como sói acontecer com as ações rescisórias (art. 485 do CPC), mas objetiva, sim, o reconhecimento de que a relação jurídica processual e a sentença sob exame jamais chegaram a existir no universo jurídico.

Embora poucos tenham sido os enfrentamentos de questões similares nos tribunais, cito, a título de ilustração, arestos que abraçam a tese de que a competência originária para o processamento e julgamento das querelas nullitatis é a do próprio juízo prolator da decisão a ser apreciada:

 

PROCESSUAL CIVIL. QUERELLA NULITATIS. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. PROVIMENTO.

1. A querela nullitatis, também denominada ação declaratória de inexistência, é adequada para impugnar sentenças inexistentes, não havendo prazo para tanto, pois trata-se de vício que subsiste à coisa julgada.

2. Como é de cediço, este tipo de ação anulatória é da competência do juízo de 1º grau, porquanto não se trata de afastamento dos efeitos da coisa julgada, como sói acontecer com as ações rescisórias (art. [485] do CPC), mas objetiva, sim, o reconhecimento de que a relação jurídica processual e a sentença nunca existiram no universo jurídico.

3. Em suma, a competência originária para o processamento e julgamento da presente é a do juízo que proferiu a decisão nula, no caso dos autos, a 29ª Vara Federal e não do Tribunal a que está vinculado.

4. Assim, se o autor busca a anulação de sua citação e de todos os atos judiciais posteriores a esta, referentes à ação de despejo nº 97.0010085-5, não poderia agora juízo distinto, no caso, a 1ª Vara Federal, processar e julgar a presente querela, uma vez que, não há hierarquia entre os juízos da 1ª e 29ª Varas Federais, mormente existindo pedido de antecipação de tutela para suspender a execução da sentença proferida na aludida ação de despejo que tramitou na 29ª Vara Federal.

5. Apelação a que se dá provimento.

(TRF-2.ª Região, AC 440522, rel. Des. Fed. Salete Maccaloz, 7.ª Turma Especializada, unânime, DJU 24/9/2009, grifos acrescidos.)

 

 

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL. AÇÃO RESCISÓRIA. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO REGIMENTAL.

1. A competência para a revisão, desconstituição ou anulação das decisões judiciais (seja pela via recursal, rescisória, por ação anulatória ou mesmo querela nullitatis), é do próprio sistema que a proferiu, assim o sendo também quanto à sua execução.

2. Precedentes da Terceira Seção desta Corte e da Quinta Turma do STJ.

(TRF-4.ª Região, AGRAR 2008.04.00.023483-6/RS, rel. Des. Fed. Celso Kipper, 3.ª Seção, unânime, D.E. 15/10/2008.)

 

Ultrapassado este aspecto, necessário esclarecer que a falta ou vício de citação contamina de nulidade todos os atos processuais, inclusive a sentença nele proferida, pois impede a regular formação da relação jurídica processual.

Assim sendo, verifica-se, então, que por tal nulidade frustrar a formação da coisa julgada, esta jamais poderá ser limitada/prejudicada pelo biênio da ação rescisória. Logo, tem-se que tal vício pode ser denunciado a qualquer tempo, pois a ação autônoma direta da querela nullitatis insanabilis, goza de caráter perpétuo, porque o que nunca existiu não passa, com o decorrer do tempo, a existir.

Por conta disto, tem-se que a Ação Declaratória de Inexistência não se sujeita a qualquer prazo decadencial ou prescricional.

A corroborar, Humberto Theodoro Júnior, a propósito, leciona que:

 

A decisão judicial transitada em julgado desconforme com a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte, pode ‘a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução’ (STJ, REsp. 7.556/RO, 3 T., Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/349)[...]

 

Por fim, destaque-se que mesmo nos casos de ausência ou vício de citação que venha a gerar revelia, o réu deve alegar tal mácula na primeira oportunidade possível sob pena de preclusão. Isto decorre do princípio da celeridade processual, buscando-se evitar que uma causa seja postergada premeditadamente pelo réu ciente da existência de vício que possa vir acarretar na nulidade do processo.

Sintetizando toda a problemática do processamento da querela de nulidade, Celso Neves transcreve, de um acórdão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de São Paulo, proferido ao tempo do Código de Processo Civil de 1939, a seguinte ementa:

Subsiste em nosso direito, como último resquício da querela nullitatis insanabilis, a ação declaratória de nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. A Sobrevivência, em nosso direito, da querela nullitatis, em sua formação primitiva, restrita aos vícios da citação inicial, corresponde a uma tradição histórica, cujo acerto, na moderna conceituação da relação jurídica processual, adquire flagrante atualidade. Na evolução do direito luso-brasileiro, a querela nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória, que limitou a antiga prescrição trintenária para o lapso qüinqüenal de decadência. todos os vícios processuais, inclusive os da sentença, uma vez transitada em julgado, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res judicata, somente são apreciáveis em ação rescisória, específica à desconstituição do julgado. Um deles, porém, restou indene à transformação da querela nullitatis em ação rescisória: a falta de citação inicial, que permaneceu como nulidade ipso iure, com todo o vigor de sua conceituação absoluta de tornar insubsistente a própria sentença transitada em julgado. Se a nulidade ipso iure não puder ser alegada em embargos à execução, subsiste, ainda assim, a ação autônoma direta da querela nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo qüinqüênio da ação rescisória, porque o que nunca existiu não passa, com o tempo, a existir. Classifica-se como ordinária autônoma, de competência funcional do mesmo juízo do processo que lhe deu causa, a ação de nulidade ipso iure de relação contenciosa. (NEVES, 1999, p. 216-217)

 

4.2  Hipóteses de cabimento

Partindo destas supra referidas premissas, necessário se faz discorrer sobre as hipóteses de cabimento da referida actio nullitatis. Para tanto, imperativo destacar, inicialmente, que as sentenças inexistentes, objeto da citada “actio”, decorrem de processos tidos como inexistentes, ou em virtude de não possuírem elementos (intrínsecos ou extrínsecos) essenciais à sua constituição, como ocorre nos seguintes casos:

 

a) sentenças com ausência de decisório;

b) sentenças proferidas em processos instaurados por meio de uma ação, faltando uma de suas condições;

c) sentenças proferidas em feito em que tenha faltado pressuposto processual de existência – citação, petição inicial, jurisdição e capacidade postulatória;

d) sentenças em que teria havido citação nula aliada à revelia;
e) sentença em que não tenha sido citado um litisconsórcio necessário unitário;

f) sentença que não contenha a assinatura do juiz ou que não esteja escrita.

 

Percebe-se, assim, um rol extenso de sentenças, que, por serem inexistentes, jamais transitariam em julgado, e assim sendo, por conseguinte, são passíveis de futura declaração de inexistência, independente do biênio para manejo da ação rescisória, a qualquer tempo e procedimento.

Dentre estas a hipótese de cabimento para manejo da “actio nullitatis”, tem maior evidência o caso de “sentenças proferidas por pessoas que não gozem dos poderes de jurisdição, nos termos do art. 161 do Código de Processo Civil Italiano.

Embora isso seja bastante improvável, posto que ninguém em sã consciência iria creditar validade a uma sentença dada a “non judice”, o fato é que não se pode negar a possibilidade de, por exemplo, um magistrado já aposentado, desatento ao fim de sua judicância, venha a proferir uma sentença, e, desapercebidas as partes, a mesma, sob o timbre judicial, consiga gerar efeitos por longa data. Nesse exemplo, enquanto não declarada a inexistência desse “decisum”, indiscutível que persiste a sentença no universo jurídico.” (GAJARDONI, 2005, p. 23)

Importante destacar que, entre as hipóteses supra mencionadas, a de maior usualidade na prática é a da querela motivada por vício ou ausência de citação. Ora, por não ter havido formação da relação jurídica processual, é inexistente a sentença proferida em feitos em que não tenha havido citação. Sem a formação trilateral da relação jurídica, não há processo. E sem processo, não há sentença. Em razão disso, mesmo que prolatada, tal decisão existe apenas formalmente, pois despida de qualquer conteúdo material. Conseqüentemente, tem-se como meio para expurgar do universo jurídico tal simulacro sentencial, a ação declaratória de inexistência.

Não existe a sentença, também, quando os feitos em que proferidas não tiveram um procedimento, iniciado por uma petição inicial e finalizado por uma sentença com o mínimo de elementos formais, haja vista que não se concebe de tutela jurisdicional de ofício, sem que tenha havido provocação da parte.

Neste sentido, não se concebe, também, uma sentença que não contenha parte dispositiva e que, portanto, não apresente comando algum. Isso não significa que sentenças sem motivação, ou com comando normativo defeituoso, sejam impugnáveis via “querela nullitatis”. As sentenças assim prolatadas são viciadas, sem dúvida. Mas existem e geram feitos, razão pela qual a via adequada para atacá-las é a rescisória, dentro do prazo legal de 02 anos. Superado esse lapso temporal, o “decisum”, mesmo que viciado, torna-se intangível.

Ademais do dilucidado ao longo deste capítulo, imperativo destacar que há, concomitantemente, outra corrente doutrinária mais restritiva no sentido de limitar a “querela nullitatis” tão somente para o caso de decisão proferida em desfavor do réu, em processo que lhe correu à revelia, por ausência de citação, ou por defeito nesta.[5]

4.2.1  Dos vícios de atividade

Os vícios processuais pertencem ao gênero dos atos jurídicos, aplicando-lhes, destarte, aqueles requisitos de constituição e validade dos atos, já tratados neste trabalho.

Conforme visto supra, o objeto da querela de nulidade são os chamados vícios transrescisórios, ou seja, defeitos que transcendem a competência material para manejo da ação rescisória, não sendo convalidados automaticamente pelo instituto da preclusão.

Tais deformidades jurídicas tem natureza de error in procedendo, ou seja, vícios de atividade, em que o juiz, ao formular a regra jurídica concreta para disciplinar a situação jurídica levada ao seu conhecimento, aprecia corretamente a prova, e aplica bem a lei, contudo, deixa de sanear integralmente o processo, omitindo-se acerca de possíveis nulidades que o tenha atingido.

Para sanar tais máculas, o ordenamento processual pátrio dispõe de uma vasta gama de remédios à disposição do interessado/prejudicado:

 

a)  preliminares em contestação (art. 301 do CPC);

b)  arguição de exceções (art. 304 do CPC);

c)  diversos recursos (arts. 496 e seguintes do CPC);

d)  ação rescisória (arts. 485 e seguintes do CPC);

e)  ação de embargos à execução (arts. 736 e seguintes do CPC), e etc..

 

À aplicação da querela de nulidade, apenas interessa aqueles vícios de atividade que, inspirados na carga preponderante de eficácia que fala Pontes de Miranda (1976, p. 69), recebem a maior gradação, ou seja, os vícios de peso 4, ou os chamados vícios gravíssimos.

Como visto, diante da gravidade de tais máculas, estas não se convalidam com o acometimento da preclusão, podendo serem impugnadas mesmo após ultrapassado o prazo para ação rescisória.

José Carlos Barbosa Moreira (1989, p. 271) agrupa-os da seguinte forma: "Classe C) - a dos que, dispensando o exercício da rescisória, são alegáveis como óbices à execução, através de embargos."

Nesta classe, encontra-se o vício in procedendo considerado mais grave: falta ou nulidade de citação do réu no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia.

Tal defeito impõe tamanha austeridade, que, como será elucidado no próximo item deste trabalho, boa parcela da doutrina considera como inexistente a sentença proferida em processo eivado pelo supra mencionado error.

4.2.2 Da citação como pressuposto de existência e constituição do processo

O direito à citação válida emerge desde o Novo Testamento[6], onde se previa que o patrão deveria chamar o administrador para se defender e prestar contas de sua administração: "Quid hoc audio de te? ´Redde rationem vilicatinis tuae; jam enim non poteris vilicare."

Similar ocorria no Evangelho de São João, VII, 51: " "Nunquid lex nostra iudicat hominem, nisi prius audierit ab ipso et cognoverit quid faciat?"[7]

A corroborar, o professor Luiz Carlos Azevedo teceu as seguintes considerações:

Na verdade, o direito de ser citado acerta com a própria origem da humanidade; sua constante permanência ao longo da história fornece o alcance do seu significado, para localizá-lo entre aqueles direitos que pertencem ao indivíduo como emanação de sua personalidade. Por isto, é absoluto, inatingível, indisponível; inseparável da pessoa humana. Não há como afastá-lo.

A essência e a natureza do direito de ser citado permanecem íntegras, persistindo, com igual proveito, a atualidade máxima: aquele que quiser propor uma ação deve comunicá-la ao réu, pois é justo que este tome conhecimento do pedido, resolvendo se vai aceitá-lo ou contestá-lo. (AZEVEDO, 1980, p. 385)

Os romanos também adotaram igual preceito, e, desde então, o sagrado direito de ser citado tornou-se dogma em todos os ordenamentos, forjando-se, via de regra, como garantia constitucional às partes no processo civil, v.g.: art. 24, §2º da Constituição italiana; art. 6º da Constituição de Senegal; o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e o art. 6º da Convenção Européias sobre Direitos Humanos. (AZEVEDO, 1980, p. 356-357)

Assim, tem-se que ademais das óbvias razões de ordem filosófica, social e política, o direito de ser citado também ganha respaldo legal.

Conforme se depreende pela leitura do art. 213 do Código de Processo Civil, "a citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender."

Trata-se de elemento indispensável ao processo, pois instaurador do contraditório. Nas palavras de Humberto Teodoro Júnior (2010 p. 79), "Sem a citação, todo o procedimento estará contaminado de irreparável nulidade, que impede a sentença de fazer coisa julgada."

Neste viés, imperativo esclarecer, outrossim, que este referido requisito de validade do processo não se limita à mera existência de citação, mas sim à citação válida. É a inteligência aplicada do art. 247 do Código de Processo Civil, o qual determina que "As citações e intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais."

Destarte, verifica-se que a formação de um processo judicial se dá de forma gradual, não se estabelecendo em um só ato, pois através do mero ingresso da petição inicial em juízo, tem-se apenas a instauração de uma relação bilateral entre autor e juiz.

Para que o réu venha compor esta relação, necessário se faz o aperfeiçoamento de sua citação. Só assim o processo estará perfeito em sua forma angular de actus trium personarum.

Por conta disto, vários processualistas, como Liebman, Moniz de Aragão e Vicente Greco Filho, sustentam que a carência da citação acarretaria não só na nulidade do processo, mas sim na sua inexistência.

Vê-se, assim, que, diante da inteligência do art. 5º, LV, da Constituição Federal combinado com o art. 214 do Código de Processo Civil, o aludido vício de citação se revela o mais grave de todos.

Desta forma, tem-se que o processo somente "ganha vida" com a completa angularização de autor, juiz e réu. Logo, verifica-se que a citação é pressuposto de constituição do processo, pois, só após sua concreção, tem-se a incidência dos reflexos do processos em relação ao réu. Sem esta, a relação processual não é aperfeiçoada, tornando-se inócua para resolução da lide, já que a sentença restaria inoperante.

Pari passu, a corroborar, escreveu Enrico Tullio Liebman:

Primeiro e fundamenta requisito para a existência de um processo sempre foi, é, e sempre será, a citação do réu, para que possa ser ouvido em suas defesas. Audiatur et altera pars. É com a citação que se instaura o processo.

Sem esse ato essencial, não há verdadeiramente processo, nem pode valer a sentença que vai ser proferida. Um cidadão não pode ser posto em face de uma sentença que o condena, quando não teve oportunidade de se defender.(LIEBMAN, 1976, p. 179)

 

Outrossim, imperativo destacar que há uma corrente doutrinária distinta da elucidada ao longo deste capítulo, na qual tem-se que a citação não é pressuposto de existência do processo, mas sim de eficácia. Esta tese é adotada por Cândido Dinamarco, Pontes de Miranda, Barbosa Moreira, Adroaldo Furtado Fabrício, José Maria Tesheiner.

Para estes, basta que alguém postule perante um órgão investido de jurisdição para que uma relação processual exista. Logo, ter-se-ia que a relação processual existiria mesmo diante da ausência do réu, contudo, resguardando sua eficácia perante este mediante sua válida citação.

Ou seja, antes da citação, já existe um processo constituído, mesmo que "prematuramente". Além disto, argumenta-se que, como a citação decorre posteriormente à formação do processo, esta jamais poderia ser um pressuposto, já que este termo se refere aquilo que precede ao ato e se coloca como elemento indispensável para a sua existência jurídica.

Neste lanço, todavia, particularmente, adoto a tese defendida por Humberto Theodoro Júnior, o qual defende que:

 

Antes da citação já há processo, mas a relação processual está ainda incompleta, porque só produz vínculo entre o autor e o juiz. É a citação que irá completá-la com a inserção do terceiro sujeito indispensável ao desenvolvimento do processo rumo ao provimento jurisdicional de mérito. (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 78)

 

Por fim, imperativo  esclarecer que a citação nula não equivale a citação inexistente, mesmo que aquela esteja aliada ao fenômeno da revelia.

Diante de uma sentença de mérito, quando o caso era de carência da ação, tem a parte possibilidade de interpor recursos. E mais, ainda no prazo de dois anos, pode ajuizar a competente ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, do CPC. Se inerte durante todo esse período, mesmo diante da gravidade do vício da sentença, o sistema prefere a pacificação das relações sociais. A sentença se torna, perpetuamente, imodificável.

5  Considerações finais

Ao longo do presente trabalho buscou-se evidenciar a subsistência da querela de nulidade no direito pátrio.

A querela nullitatis é um expediente processual que objetiva a denúncia das nulidades absolutas ocorridas no processo (as quais chegam a torná-lo inexistente), independente de preclusão (biênio para ajuizamento da ação rescisória).

Partindo desta premissa, para uma melhor compreensão do tema, revelou-se seu esboço histórico, examinando suas particularidades desde sua origem no direito romano, até os dias atuais, quando este mecanismo apenas consta legalmente expresso, nos cânones 1.619 a 1.633 do Código de Direito Canônico.

Neste compasso,  destacou-se que o legislador pátrio se limitou a reportar acerca da querela de nulidade somente sobre sua feição via embargos à execução, no art. 741, inciso I, do Código de Processo Civil, deixando de lado, contudo, a possibilidade de manejo de ação autônoma de querela de nulidade, ou melhor dizendo, ação declaratória de inexistência.

Desta forma, tem-se que o presente tema revela sua pertinência, pois, além de lhe faltar normatização, é escassa as construções doutrinárias acerca de sua existência e dos moldes de seu processamento.

Contudo, convém destacar que, apesar desta carência de maiores estudos sobre o tema, seu sustentáculo jurídico encontra-se arrimado, apenas em pareceres de estudiosos em cima dos anais da ciência jurídica, mais especificamente com relação ao direito romano e canônico.

Neste lanço, verifica-se que tal composição ganhou relevância jurídica através dos sistema histórico-evolutivo, ou teleológico de interpretação, onde há uma substituição do processos introspectivo, do exame do interior da lei, por outro, externo, no qual, sem menosprezo da letra, busca-se fecundar a lei em sua imobilidade, adaptá-la, ajusta-lá aos devidos fins sociais.

Por conseguinte, extraiu-se do direito romano e do direito canônico, a atual ação declaratória de inexistência, que é, hodiernamente, o instrumento adequado para extirpar do mundo jurídico sentenças que estejam eivadas por alguma mácula que comprometa sua constituição, ante a ausência de um (ou alguns) de seus pressupostos de existência do processo (como a petição inicial, a jurisdição, a citação e a capacidade postulatória).

Desta forma, mister se fez evidenciar a diferença entre a existência e a validade dos atos jurídicos, revelando, então, que os atos inválidos correspondem aqueles dotados de nulidades, ou seja, passíveis de reparação, enquanto os atos inexistentes são aqueles que não preenchem os pressupostos necessários para sua constituição, e, por conta disto, se torna inadmissível sua correção.

Logo, tem-se que o objeto da querela de nulidade são aqueles atos jurídicos que estão contaminados por vício insanável, culminando, assim, na sua inexistência jurídica.

Neste viés, ressalte-se que, apesar de inexistentes, tais atos produzirão regularmente seus efeitos, e por conseguinte, precisam ser denunciados através da actio nullitatis, como forma de interromper sua eficácia.

Nesta esteira, imperativo ressaltar que este referido objeto da querela “nullitatis” não se mistura com aquele das ações rescisórias, haja vista que, enquanto esta trata de uma decisão de mérito transitada em julgado (desde que configurado um dos fundamentos de rescindibilidade, arrolados no art. 485 do Código de Processo Civil); a matéria da querela de nulidade se resume ao desatendimento dos próprios pressupostos de existência do processo (jurisdição do juiz, petição inicial, capacidade postulatória e citação do réu).

Nesta esteira, destaque-se que o vício de citação do réu revel no processo de conhecimento é o mais grave de todos os errores de atividade, razão a qual seria a única hipótese de cabimento da actio nullitatis pacífica entre os estudiosos deste tema.

Sob esta ótica, importante salientar que nem todos doutrinadores consideram que desta deformidade processual advenha a inexistência do processo maculado, pois, para esta minoria da doutrina, a citação não seria pressuposto processual, já que, realizada posteriormente à formação deste, sendo, então, mera condição de ineficácia.

Todavia, independente do efeito causado pela ausência ou vício de citação, é unânime a possibilidade de manejo da actio nullitatis para expurgar os efeitos de processo maculado sob este referido error de citação.

Por fim, imperativo salientar que o processamento da ação autônoma da querela de nulidade ocorrerá embasado nos ditames do procedimento comum, adequando-se o rito com relação ao valor dado à esta causa. Neste viés, a competência para o julgamento desta ação, que é funcional, será, via de regra, do juízo que tiver presidido o julgamento do processo maculado que lhe deu origem, independente de primeira ou segunda instância, incluindo-se até o Supremo Tribunal Federal.

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[1] Na hipótese b), encontra-se, provavelmente, a origem ancestral mais remota do que hoje é concebido como embargos à execução.

[2] Hodiernamente, somente na legislação canônica há previsão expressa para a aplicação da actio nullitatis.

[3] Principal hipótese de cabimento da Querela Nullitatis.

[4]Onde houver, com competência concorrente, mais de um órgão, ou mais de um cartório ou repartição vinculados ao mesmo órgão, impõe-se a prévia distribuição, paritária e alternada, entre juízes e escrivães

[5] Este é o entendimento de vários doutrinadores, como Cândido Dinamarco, Pontes de Miranda, Barbosa Moreira, Adroaldo Furtado Fabrício, José Maria Tesheiner.

[6] Evangelho de São Lucas, XVI, 2

[7] Acaso a nossa lei julga alguém sem primeiro ouvir e conhecer o que ele fez?

Sobre o autor
Rafael Novais de Souza Cavalcanti

Advogado, especialista em Processo Civil pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP; pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Informações sobre o texto

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Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação Latu Sensu, apresentado à Universidade Católica de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Processo Civil.

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