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Teoria constitucional do "distinguishing":

uma "nova" perspectiva à tradição jurisprudencial brasileira - prática forense

Agenda 02/04/2014 às 16:10

Estuda-se a pragmática recursal e os percalços atualmente colocados. Entende-se possível resolvê-los com a teoria constitucional do "distinguishing", quando pertinente.

Acredito que muitos estejam curiosos para saber que teoria é essa e qual a sua finalidade de existência no meio jurídico, eis que, muito embora comporte um nome diferente e de origem terminológica norte-americana, carrega consigo forte carga teórica e de alto nível de discussão no seio do Poder Judiciário.

A verdadeira fonte de sabedoria sobre o que significa e o que é a teoria do distinguishing encontra-se no livro: Didier Jr., Fredie, BRAGA, Paula Sarno & OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, v. 2, Salvador: Juspodivm.

Fredie Didier Jr. É livre-docente na matéria de Direito Processual Civil e junto com outros operadores da matéria, elabora-se o novo Código de Processo Civil, sendo assim um doutrinador a ser seguido, como medida a entender a nova visão moderna do Direito processual civil.

Significado. Ab initio, entende-se, por distinguishing, na visão de Fredie Didier Jr.:

Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, algumas peculiaridades no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente.

Origem. Advém da teoria stare decisis (decorre do latim: stare decisis et non quieta movere) que é própria do Direito inglês (natureza de common law), cuja aplicabilidade remonta mais aos casos de Direito civil daquela tradição jurídica; por outro lado, a doutrina e jurisprudência norte-americana são o verdadeiro exemplo pelo qual essa expressão "stare decisis" ganha sua devida respeitabilidade, de modo que, para eles, a stare decisis significa o grande comando com o qual as Cortes devem dar o devido peso e valor ao precedente. Exemplo: uma questão de direito material foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal, logo, a questão que porventura surgir futuramente será julgada do mesmo modo, desde que a decisão anterior seja cogente/imperativa, enxerga-se isso muito bem no controle de constitucionalidade, por exemplo. 

Por deveras algumas correntes doutrinárias e até mesmo juízes tapam os olhos para essa inovação da doutrina e jurisprudência brasileira. A preocupação de alguns revela-se sobre a "natureza de nossa tradição jurídica", que é o civil law. Pergunta-se: "como posso aplicar uma teoria norte-americana (que "possui" traços ingleses/common law) no Direito brasileiro (de origem civil law); além disso, qual o motivo de existência dos nossos Códigos e inúmeras leis federais, estaduais, distritais e municipais?".

Essa pergunta é respondida com apenas algumas palavras: "acesso à justiça" (art. 5-XXXV/CRFB88). Não se pode cogitar que o direito discutido, em pauta de julgamento, não pode ser analisado profundamente pelo fato de o tribunal já ter pacificado "a mesma" questão em tempos alhures. Cada fato tem a sua particularidade, nos quais, em alguns casos, são gritantes, de modo que para estes é que a medida judicial deve se adequar para levar ao Estado-juiz, da melhor forma, o direito material alegado e a sua devida apreciação, buscando-se assim o acesso a uma ordem jurídica justa (CAPPELLETTI; GARTH, 1988)[1].

Tradição jurídica brasileira. A tradição jurídica brasileira não é mais nem civil law nem common law. Felizmente, os tribunais estão aceitando a teoria do distinguishing. Questiona-se, assim, a verdadeira tradição jurídica do Brasil, de modo que, assim parece, a tradição romano-germânica (civil law), difundida na Europa continental, não é a mais aplicada no Brasil, digo, em sua integralidade.

O Brasil é um país de todos.

Não por outro motivo que o Brasil também é um país de todas as doutrinas e teorias:

O Sistema jurídico brasileiro tem uma característica muito peculiar, que não deixa de ser curiosa: temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do devido processo legal) e um direito infraconstitucional (principalmente o direito privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente). Há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras coficações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, contrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente complexo (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc. (...), de óbvia insipiração no common law. Embora tenhamos um direito privado estruturado de acordo com o modelo do direito romano, de cunho individualista, temos um microssistema de tutela de direitos coletivos dos mais avançados e complexos do mundo; como se sabe, a tutela coletiva de direito é uma marca da tradição jurídica do common law (...). (Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil, Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, vol. 1, 14.ª edição, 2012, p. 42).

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A nossa tradição jurídica brasileira é a como Fredie Didier Jr. representa, ou seja, a "brazilian law" (Fredie Didier Jr., p. 43).

Prática. Não é novidade que hoje o Judiciário afigura-se como uma fábrica de despachos, decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos. O magistrado, muitas das vezes, despreocupado com o direito material do requerente/requerido/autor/réu/terceiros, "delega" suas funções a servidores públicos, presenteando-os com os cargos de "função de confiança". A tecnologia serviu de grande ajuda ao "magistrado-despreocupado". Agora, considerando a assinatura digital, a delegação tornou-se mais célere e proveitosa, criando forma e louvor às inúmeras reportagens e, ainda, números em sites de tribunais: "sentenças julgadas neste ano '121561651'...'". O Judiciário se preocupa com números e metas do Conselho Nacional de Justiça. Não bastando, o maior medo do réu e, também do autor, é a matéria a respeito do "julgamento liminar de mérito - a improcedência prima facie". São três tipos: a) prescrição ou decadência; b) julgamento imediato de causas repetitivas; c) rejeição liminar dos embargos à execução manifestamente protelatórios. Fonte: Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2012, p. 479. O maior e mais temeroso, posto que todos o são, é o "julgamento imediato de causas repetitivas" (art. 285-A/CPC). Ela forma a coisa julgada material. A força desse artigo, colocada às mãos do julgador, importa arrepio ao que se pode esperar no desenrolar dos autos. Nem mesmo citação da parte contrária haverá. Deixo claro que não sou contra a institutos que buscam a celeridade. Ao contrário. Ocorre que, para que não importe de o cliente não sofrer consequências teratológicas, faz-se necessário apresentar desde logo um título na peça processual capaz de demonstrar ao juiz a disparidade do precedente com a atual problemática trazida.

Quantas vezes o advogado, consignando o mesmo direito material em pedido, se deparou com uma sentença que foi aplicada com base em um caso decidido da mesma maneira por aquela mesma vara/cartório?

Exemplo: contrato de consórcio. O seu cliente pagou 20 parcelas das 180 parcelas do consórcio de imóvel. Ele é pessoa idosa e tem mais de 70 anos. O IBGE indica que o brasileiro atinge a faixa etária dos 74 anos. Problema: o Tribunal julga em inúmeros acórdãos que o consumidor deve esperar o consórcio acabar para depois de 30 dias de seu fim poder resgatar o dinheiro pago.

Perceba que a circunstância jurídico-material é diferente da dos outros julgados. Esse seu cliente não tem mais condição de esperar os 15 anos! Em tom jocoso: ele vai morrer e nada receber. Preocupante, não? A solução está na teoria distinguishing.

Destarte, a não receptividade da doutrina do common law gera a interpretação fria e longínqua do operador do Direito, como ocorre na civil law.

Precedente jurisprudencial. O nosso Superior Tribunal de Justiça é receptivo à referida. Vide a melhor e mais atual jurisprudência:

(...) 5. Assim, necessário se faz a técnica hermenêutica do distinguishing para concluir pela inaplicabilidade do precedente consubstanciado no recurso especial nº 1.159.189/RS, pois os fundamentos fáticos ali destacados, que foram reconhecidos pelo Tribunal a quo, não estão presentes no acórdão ora recorrido. 6. Agravo regimental não provido. (STJ, AARESP 201202262460, MAURO CAMPBELL MARQUES - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/05/2013).

Prática forense. Como pedir a análise do pedido com base na referida teoria? A depender da situação processual, em qualquer caso como (preliminar). Interessante notar que antes defendia a tese no corpo do mérito. Entretanto, visto a importância de o pedido não ser logo extinto sem resolução do mérito ou mesmo o recurso ser considerado infrutífero, cabe a sua colocação como "preliminar". Veja o teor, possivelmente de ser alegado em peça processual:

3.1. Teoria constitucional do distinguishing.

É sabido que o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não aceitam os inúmeros pedidos distribuídos no âmbito do Poder Judiciário para conceder a devolução dos valores antes do término do consórcio.

Sucede que a presente petição inicial discute valores jurídicos que estão acima de qualquer análise já feita por qualquer precedente jurisprudencial.

A teoria constitucional do distinguishing autoriza essa corrente, pois ela ocorre quando o caso concreto em julgamento apresenta particularidades que não permitem aplicar adequadamente a jurisprudência do tribunal. Dissertando sobre o tema, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira bem elucidam:

Nos casos em que o magistrado está vinculado a precedentes judiciais, a sua primeira atitude é verificar se o caso em julgamento guarda alguma semelhança com o (s) precedente (s). Para tanto, deve valer-se de um método de comparação: à luz de um caso concreto, o magistrado deve analisar os elementos objetivos da demanda, confrontando-os com os elementos caracterizadores de demandas anteriores. Se houver aproximação, deve então dar um segundo passo, analisando a ratio decidendi (tese jurídica) firmada nas decisões proferidas nessas demandas anteriores. Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, algumas peculiaridades no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente. (...) Notando, pois, o magistrado que há distinção (distinguishing) entre o caso sub judice e aquele que ensejou o precedente, pode seguir um desses caminhos: (i) dar à ratio decidendi uma interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing), caso em que julgará o processo livremente, sem vinculação ao precedente; (ii) ou estender ao caso a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender que, a despeito das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica lhe é aplicável (ampliative distinguishing). Fonte: DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 4ª ed., v. 2, Salvador: Juspodivm, 2009, p. 392-393.

Dessa forma, muito embora o Superior Tribunal de Justiça ter chancelado o entendimento de que a restituição das parcelas pagas pelo participante ocorrerá em até trinta dias contados do prazo previsto contratualmente para o encerramento do grupo correspondente, o Superior Tribunal de Justiça passou acima de diversos preceitos os quais esta petição traz em seu bojo, de modo que, acaso observados, a compeliriam a tomar um posicionamento diverso, como o fez neste precedente:

(...) 5. Assim, necessário se faz a técnica hermenêutica do distinguishing para concluir pela inaplicabilidade do precedente consubstanciado no recurso especial nº 1.159.189/RS, pois os fundamentos fáticos ali destacados, que foram reconhecidos pelo Tribunal a quo, não estão presentes no acórdão ora recorrido. 6. Agravo regimental não provido. (AARESP 201202262460, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/05/2013).

São por este e outros motivos que o pedido merece ser procedente.

No pedido, por sua vez, veja:

Portanto, requer-se (1.1) o afastamento do fundamento do REsp. De n.º XXXXXXXXXXXXXXXX e, consequentemente, (1.2) a nulidade da cláusula (“implícita”) de n.º XXXXXXXXXXXXXX, conforme os arts. 4-/CDC, 39-X/CDC, 51-X/CDC e 51-XV/CDC...

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[1] DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 4ª ed., v. 2, Salvador: Juspodivm

[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Norhfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

Sobre o autor
Marco Antonio Valencio Torrano

Marco Antonio Valencio Torrano é advogado e consultor, OAB/SP n.º 336.107, em São José do Rio Preto/SP. Pós-graduando "lato sensu" em Direito Público - EPD (Escola Paulista de Direito). Autor do livro: "Novo manual de prática processual: para pesquisas e peças processuais". Foi estagiário e concursado: Defensoria Pública/SP, PGE/SP e MP/SP; e estagiário voluntário: Justiça Federal (TRF 3ª). Concursando: DPU.

Informações sobre o texto

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