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O rigor da punição dos crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa para com os agentes municipais

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Agenda 18/04/2014 às 14:18

5 – Dos Crimes Comuns dos Agentes Municipais

A terminologia jurídica adotada para diferenciar os ditos “crimes comuns” previstos na lei penal, daqueles outros crimes prescritos em leis especiais, não torna esses últimos menos danosos à sociedade do que aqueles outros.  Os chamados crimes de responsabilidade, aos quais já nos reportamos, popularmente conhecidos como crimes de colarinho branco, açambarcam no entendimento popular, quaisquer condutas inadequadas dos mandatários, seja qual for o conceito jurídico que a legislação adote.           

Nosso propósito neste estudo não se estende ao amplo elenco dos crimes ordinários previstos no Código Penal, atos antijurídicos que possam ter implicação pública, na eventualidade de virem a ser praticados no exercício do mandato. Interessa-nos, neste recorte, deter a estudar tão somente uma parte das disposições do título XI do Código Penal, que se reporta aos crimes contra a administração pública, praticados por seus agentes.

O Código Penal distribuiu as condutas típicas em cinco espécies:

  1. Crimes cometidos por Funcionários Públicos contra a Administração Pública em geral: Capítulo I –   Artigos 312 a 327 do CPB
  2. Crimes cometidos por particulares contra a Administração Pública: Capítulo II – Artigos  328 a 337 do CPB
  3. Crimes cometidos por particulares contra a Administração Pública estrangeira: Capítulo II – A: 337,  B, C  e D  – Lei 10.467, de 11/06/02.
  4. Crimes cometidos contra a Administração da Justiça: Capítulo III – 338 a 359 do CPB
  5. Crimes cometidos contra as Finanças Públicas: Capítulo IV – 359, A,B,C,D,E,F,G,H – Lei 10.028/2000

Obviamente que no primeiro caso, as condutas previstas nos artigos 312 a 327 têm, obrigatoriamente, como sujeito ativo o agente público, sob pena de desclassificação para outro tipo de delito, rationae persona. São, pois, crimes essencialmente funcionais, cujo resultado ou modus operandi assemelham-se às condutas elencadas no artigo 1º. do Decreto-Lei 2001/67 já discutido.

Ocorre que o DL 201/67 cuida somente das condutas impingidas a prefeitos no exercício do cargo, enquanto o elenco do Código Penal notadamente alcança a todos, indistintamente, que estejam ocupando cargo ou função pública – art. 327 do Código Penal.

À guisa de exemplo, a conduta descrita no artigo 1º. inciso I,  do Decreto-Lei 201/67 (apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio) corresponde à definição de peculato – art. 312 do Código Penal (apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio). E a isso, restou atento o legislador, a ponto de estabelecer a mesma pena: reclusão, de dois a doze anos.

Na mesma senda o inciso XI  do DL 201/67 (adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei) corresponde ao tipo penal do artigo 89 da Lei 8.666/93 (dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou a inexigibilidade), nesse caso,  apenados de maneira diversa.

Pelo princípio do non bis in idem é certo afirmar que não se tramitará ações penais diversas com o propósito de punir a mesma conduta, embora possa estar o ato rechaçado inserto em mais de um ordenamento, como o caso do artigo 89 da Lei de Licitações e o Inciso XI do Decreto-Lei 201/67, em princípio pelo caráter genérico da Lei 8.666/93 e por reportar-se a agente previamente nominado no Decreto-Lei 201/67. Contudo, admite-se a sanção em foro cível pela Lei de Improbidade Administrativa.  

Com relação aos crimes contra as finanças públicas, insertos no Código Penal por força da Lei 10.028/2000, esta, por sua vez, é derivação direta do artigo 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), que igualmente determinou a inclusão na Lei de Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50), no Decreto Lei 201/67 e na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), dos atos  e infrações que pretendia coibir.

Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.

Tais condutas, apenadas de maneira diferenciada e em esfera diversas de direito, têm como sujeito ativo, pela especificidade  do ato delituoso, o detentor de mandato ou ocupante de cargo público com poder de decisão, o que vai além do conceito de funcionário público esboçado no art. 327 do Código Penal, sendo impossível a sua prática por servidor público de staff inferior. O zelo pela definição em normas diversas reafirma a possibilidade de  múltiplas sanções.


6 – Dos Atos de Improbidade Administrativa

A probidade administrativa comporta conceito abstrato, além do rigor burocrático do controle formal dos atos administrativos, volvendo-se ao princípio da moralidade, à ética. Preceitos mais filosóficos que positivos.

A esse entendimento, Di Pietro (2005, p. 709) assevera que:

...quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.

A comumente denominada Lei de Improbidade Administrativa (LIA), popularizada nos meios jurídicos administrativos, traz como ementa:

Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Em nosso ponto de vista entendemos que não foi feliz o legislador pátrio na redação da ementa do texto legal, posto que a norma, anteriormente prevista no artigo 37, § 4º da Constituição, previa a edição de um instrumento a disciplinar as sanções por atos de improbidade administrativa, já constitucionalmente dispostas:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A desprivilegiada ementa da Lei de Improbidade Administrativa, embora remeta a apenas um dos seus dispositivos (art. 9º.), não lhe tira o valor e aplicabilidade, todavia. Não obstante, o advento desse imperativo legal acresceu o elenco das normas ordenadoras da proteção aos interesses coletivos e de defesa da administração reta, a se juntar a outros já existentes, em parte de maneira aditiva, justapositiva e, até mesmo, conflitiva.

Trouxe a norma no seu bojo principal, para o universo deontológico da gestão proba e responsável, três condutas típicas e um elenco de punições,  como dito, a aditar a outras já existentes. Tal somatório de sanções se dá por força do disposto no  § 4º do art. 37 da Constituição retro transcrito que, em seu final, declara que as punições por atos de improbidade não ilidem aquelas cabíveis em ação penal autônoma. Entenda-se, que tenha por motivação o mesmo ato, desde que possa ser entendido também como crime, na acepção popular do termo, rechaçando, textualmente eventual entendimento de non bis in idem a beneficiar o réu.

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Disso se define a natureza jurídica da ação por ato de improbidade administrativa, circunscrita que está à esfera cível, embora tenha nitidamente caráter punitivo, com nuances de sanção de natureza penal, como por exemplo, a perda da função pública, inicialmente prevista no art. 92, I do Código Penal.

Inicialmente, sua natureza cível afasta a competência originária dos órgãos colegiados para julgamento, na forma do art. 29, X da Constituição Federal, muito embora tal dispositivo constitucional não tenha textualmente restringido o foro privilegiado apenas à ação penal.  

O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto na Reclamação 2138/DF que tramitou perante o Supremo Tribunal Federal (disponível no ícone se jurisprudência da página oficial do STF na rede mundial de computadores – www.stf.jus.br)   assim discorreu:

...”a simples possibilidade de suspensão de direitos políticos ou a perda de função pública, isoladamente consideradas, seria suficiente para demonstrar (...) o forte conteúdo penal, com incontestáveis aspectos políticos” da ação de improbidade. Nesse ponto, seguindo a doutrina, observou-se que “a sentença condenatória proferida nessa peculiar “ação civil” é dotada de efeitos que, em alguns aspectos, superam aqueles atribuídos à sentença penal condenatória,” sobretudo na perspectiva do equilíbrio jurídico-institucional. Tal observação, registrou-se, daria razão àqueles que entendem que, sob a roupagem da ação civil de improbidade, o legislador acabou por elencar, na Lei 8.429/92, uma série de delitos que, teoricamente, seriam crimes de responsabilidade e não crimes comuns.

Lembrou-se, também “que muitos dos ilícitos descritos na Lei de Improbidade Administrativa configuram, igualmente, ilícitos penais, que podem dar ensejo à perda do cargo ou da função pública, como efeito da condenação, como fica evidenciado pelo simples confronto entre o elenco de “atos de improbidade”, constante do art. 9º. da Lei 8.249/92, com os delitos contra a administração”. “Tal coincidência”, afirmou-se, “(...) evidenciaria a possibilidade de  incongruências entre decisões na esfera criminal e na “ação civil” com sérias conseqüências para todo o sistema jurídico.”

Vê-se que a similitude dos conceitos entre crime de responsabilidade e ato de improbidade administrativa colocou na berlinda o novel instituto, sobrepondo ao conceito de improbidade aquele de crime de responsabilidade adotado pela Lei 1.079/50 e pelo Decreto Lei 201/67, dependendo da forma de interpretação.

Evidentemente a Reclamação 2.138/DF, consolidou a posição do Supremo Tribunal Federal quanto à prerrogativa de foro das autoridades mencionadas no artigo 102 da Carta Constitucional e serve de norte às decisões posteriores, vinculando os juízes de primeiro grau e tribunais inferiores, aos seguintes pontos da decisão:

II.1. Improbidade Administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.

II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no artigo 37, § 4º. (regulado pela lei 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, da Constituição.

II.3. Regime Especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, “c”’; Lei 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (lei 8.429/1992).

II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, “c”, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos.

II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª. Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, “c” da Constituição. 

Dito isso, em nosso juízo particular, entendemos que o STF deu interpretação conforme a Constituição à Lei de Improbidade Administrativa, concluindo que as suas disposições não alcançam as autoridades abarcadas pela Lei 1.079/50 (embora, genericamente, o artigo 2º. da Lei 8.429/92 não faça exceção a qualquer agente político); o que suprime também a possibilidade de tramitação de ação judicial por ato de improbidade administrativa contra tais autoridades nos tribunais inferiores. Mas não o fez para as autoridades públicas municipais (descritas no Decreto-Lei 201/67) que continuam sujeitas as sanções políticas, pela infração que não possa ser considerada crime (julgamento pela Casa Legislativa) e à sanção civil-administrativa pela Justiça Comum (com base na Lei 8.429/92), além da ação penal cabível, se for o caso. Triplo foro punitivo, portanto.

Lembramos ainda que além do foro por prerrogativa do cargo, o processo penal contra as autoridades políticas dos Estados e da União carece de autorização legislativa para instauração, o que torna vulnerável a autoridade municipal que não goza desse privilégio.

Nossa discussão, no entanto, circunda outro vértice do mesmo prisma, a saber: a tipificação puramente criminal, de conduta elencada no Código Penal, que resulta, de per si, em ato de improbidade administrativa, ante a possibilidade de vir a ser punida pelas esferas penal e cível (pela diversidade de foro), resultando daí (de ambas as condenações), inaptidão para exercício de cargo público em decorrência da chamada Lei da Ficha Limpa.

Como dito, a Lei de Improbidade Administrativa elencou as condutas consideradas atos de improbidade em três artigos: enriquecimento ilícito – art. 9º.; lesão ou prejuízo ao erário – art. 10; atos que atentam contra os princípios gerais da administração – art. 11.

Tomamos, por exemplo, três das condutas descritas no artigo 9º., a descrever enriquecimento ilícito, com aquela prevista no Código Penal a tipificar o crime de Corrupção Passiva:

        I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;   

      II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

        III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

A exemplo do que prescreve a Lei Penal:

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Estamos diante de uma única ação, capaz de traduzir, no âmbito da tutela legal dos interesses da administração pública, duas condutas típicas, passíveis de punições distintas. Uma por improbidade (cível/administrativa – art. 9º da Lei 8.429/92), outra por crime comum (art. 317 do Código Penal).

Em juízo reverso, somos tendentes a acreditar também que a prática de crime comum, por de consolidar em uma prática antijurídica, qualquer que seja a conduta, fere os Princípios Gerais da Administração, especialmente o da moralidade. Desta feita, incorre o agente na conduta do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, avocando para si as iras da norma específica, além da ação penal.

Tal entendimento parece passivo, quando confrontamos a lei penal e a Lei de Improbidade Administrativa, por força do próprio texto legal –  art. 12 caput., aqui transcrito com grifo nosso:

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

A celeuma se instala quando se interpreta as disposições da Lei de Improbidade diante das prescrições do Decreto-Lei 201/67, depois do posicionamento adotado pelo STF quando do julgamento da Reclamação 2.138/DF, quanto aos referidos crimes de responsabilidade.

A Ministra Eliana Calmon ao relatar o Recurso Especial Nº 1.034.511 – CE (2008⁄0040285-0) –  DJe: 22/09/2009, ensina que:

No caso da Rcl. 2.138, o STF entendeu ser exclusivamente competente para processar e julgar Ministro de Estado, em razão do foro por prerrogativa de função.

Segundo esse precedente, apenas as autoridades com foro por prerrogativa de função para o processo e julgamento por crime de responsabilidade, previstos na Constituição Federal, é que não estão sujeitas a julgamento também pela justiça civil comum por prática de improbidade administrativa.

Contudo, não foi para todos os agentes políticos que a Constituição Federal previu foro especial, por prerrogativa de função, para julgamento de crime de responsabilidade.

(...)

Mas, qual o alcance da LIA? Quem se submete a esse Código de Conduta? A interpretação dos seus arts. 1º, 2º e 3º permite afirmar que o legislador adotou conceito de grande abrangência no tocante à qualificação de agentes públicos submetidos a referida legislação, a fim de incluir na sua esfera de responsabilidade todos os agentes públicos, servidores ou não, que incorram em ato de improbidade administrativa.

Nesse diapasão, os agentes políticos, conforme posição doutrinária dominante, estariam incluídos no regime da Lei 8.429⁄1992.

Assim, no campo dos crimes de responsabilidade dos agentes municipais, cuja competência de julgamento é do Poder Judiciário – art. 1º. do DL 201/67 – os incisos I e II, tomados aqui como exemplo, tipificam, em tese, as condutas do art. 10 da LIA:

Decreto-Lei 201/67 – art. 1º.:

I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

Lei de Improbidade Administrativa:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

Ou ainda, quando tomamos os ilícitos quanto à lisura dos processos licitatórios, notadamente os artigos 89  e 90 da Lei de Licitações:

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Traz conteúdo semelhante ao dispositivo do art. 10 da LIA:

  VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

Nestes casos, que tomamos apenas como exemplos, já que o elenco de infrações previsto na Lei de Improbidade Administrativa não se esgota numerus clausus,  o entendimento de que há possibilidade de múltiplas penalidades a serem impostas em esferas de responsabilidade distintas, quando a conduta puder ser tipificada em outros instrumentos, tem merecido não só a atenção da doutrina como enfrentamento pelo Judiciário.

Em um raciocínio raso podemos dizer que todo o elenco de crimes comuns, ainda que fora do título relativo a tutela penal da administração pública no Código Penal, são, em primeira vista, atos de improbidade administrativa. O mesmo podemos dizer das condutas elencadas tanto na Lei 1.079/50 quanto no Decreto-Lei 201/67.  A recíproca nem sempre é verdadeira.

Em decisão que nos serve de estudo - Recurso Especial Nº 1.034.511 - CE (2008/0040285-0) – a Ministra Eliana Calmon entende pertinente e possível a cumulação de sanções – do Decreto-Lei 201/67, compatíveis com a Lei Penal com as da Lei de Improbidade Administrativa. Mutatis mutandis, torna-se possível cumular as iras do art. 12 da Lei 8429/92 com as sanções impostas pelo Legislativo ao julgar as infrações do art. 4º. do Decreto-Lei 201/67, ou pelo Judiciário quando, na esfera penal, pune os crimes específicos da Lei de Licitações, por exemplo.

Assim preleciona a Ministra Eliana Calmon no mencionado julgado:

O caput do art. 12 dispõe que as penas da LIA são aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas, dando a impressão de que a natureza  das sanções da LIA não seria penal, civil ou administrativa. Todavia, a Lei 8.429⁄92 está assim redigida não porque seja de natureza diversa das áreas retrocitadas, mas porque realça a possibilidade de cumulação das suas sanções com as constantes na área civil, penal ou administrativa, evitando a alegação de que as penas da LIA ou dessas áreas se excluem mutuamente.

A responsabilidade pela improbidade administrativa não se confunde com a responsabilidade pela prática do ilícito penal. Diversamente, ela é um amálgama de natureza cível e administrativa. Podemos ainda dizer – com mais propriedade – que a natureza predominante da LIA é civil, pois seu caráter constitucional mais relevante (ou preponderante) é o ressarcitório, motivo pelo qual o ressarcimento do dano contra o Erário é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF⁄88).

Especificamente nas questões afetas ao Decreto-Lei 201/67, no que se aplica ao julgamento de natureza cível (leia-se Lei 8.429/92) das infrações  cometidas pelos gestores municipais, tanto no que se aplica à punição de natureza penal (art. 1º.) quanto a sanção de natureza política (art. 4º.), dedicou a Julgadora a tecer comentários específicos,  esclarecendo:

1.4. Decreto-Lei 201⁄1967 e compatibilidade com a Lei 8.429⁄1992

No caso dos prefeitos e vereadores, essa legislação federal refere-se ao Decreto-Lei 201⁄1967, que, em seus arts. 4º e 7º, preceitua a competência da Câmara de Vereadores para processá-los e julgá-los pela prática de crimes de responsabilidade, sem ressalvar quanto ao julgamento desses mesmos fatos pela justiça comum.

Dessa forma, entendo que não há qualquer antinomia entre o Decreto-Lei 201⁄1967 e a Lei 8.429⁄1992, pois a primeira impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato.

É essa a conclusão advinda da regra hermenêutica prevista no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei 4.657⁄1942 (Lei de Introdução ao Código Civil):

Art. 2o  (...)

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. (grifei).

A Lei 8.429⁄1992 que, diga-se de passagem, é da mesma hierarquia do Decreto-Lei 201⁄1967, dispondo sobre a mesma matéria, estabeleceu outras normas a par das já existentes, sem contrariá-las, apenas ressalvando que, além do processo político pelo Parlamento (Câmara Municipal), os detentores de mandato eletivo, in casu, prefeito e vereadores, também serão julgados pela justiça comum cível pelo mesmo fato.

Esclareço que o Supremo Tribunal tem jurisprudência pacífica de que os crimes de responsabilidade (infrações político-administrativas) dos Prefeitos são os tipificados no art. 4º do Decreto-Lei 201⁄1967, sujeitos ao julgamento pela Câmara Municipal. Já as demais infrações (art. 1º) serão julgadas pela justiça comum, na esfera penal.

(...)

Assim, fica evidente que esse diploma legal previu o processamento do prefeito tanto na esfera política (Câmara dos Vereadores) como na esfera penal (Justiça comum), mas não fez qualquer ressalva quanto ao julgamento desses mesmos fatos pela justiça cível.

Donde se vê que o cenário propõe um rigor maior às autoridades inferiores, que por ausência de prerrogativa constitucional de foro nos crimes de responsabilidade evocam uma espécie de bis in idem nas punições por atos contrários a retidão e probidade da administração. Há possibilidade de se acumular as penalidades por atos tipificados no Código Penal ou no Decreto Lei 201/67 com aquelas previstas na Lei de Improbidade, que tramitam em esferas distintas de responsabilização.

Sobre o autor
Israel Quirino

Advogado, professor de Direito Constitucional; Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Especialista em Administração Pública. Escritor membro efetivo da Academia de Letras Ciências e Artes Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUIRINO, Israel. O rigor da punição dos crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa para com os agentes municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3943, 18 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27683. Acesso em: 22 dez. 2024.

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