7 – Das Sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa
Afastando da dupla esfera punitiva (penal e administrativa) que discutimos anteriormente, consideramos ainda que as punições previstas na Lei 8.429/92 para o ato de improbidade, independentemente das sanções penais, civis e administrativas admitidas na legislação específica (art. 12) se situam em um elenco de seis modalidades:
I - perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;
II - ressarcimento integral do dano, quando houver,
III - perda da função pública
IV - suspensão dos direitos políticos de 3 a 10 anos
V - pagamento de multa civil
VI - proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios e 3 a 10 anos
Não obstante, a própria lei prevê a possibilidade de não cumulatividade das sanções que podem ser aplicadas, a critério do juiz, isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, isso é, discricionariedade do magistrado dentro dos autos. Assim, cabe ao sentenciante, ao fixar as sanções, sopesar a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. Há que se levar em conta que, em feitos diversos, se admite condenações diversas.
A Lei de improbidade administrativa não estabelece a aplicação cumulativa das sanções, cabendo ao magistrado, na análise de cada caso, aplicar a mais adequada, em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (AgRg no Ag 1.261.659⁄TO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25⁄05⁄2010, DJe 07⁄06⁄2010)
Somando a gravidade das sanções, especificamente a suspensão dos direitos políticos, que corresponde à pena de morte civil a nosso sentir, ao julgamento perante instância colegiada ou transito em julgado da decisão, somar-se-á `as restrições impostas o acréscimo previsto na chamada Lei da Ficha Limpa, já que ao decidir pela constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010, o rigor do seu art. 2º., alínea “l”, aplicado quando for o caso, torna ainda mais severa a sanção por ato de improbidade:
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;
Tal é a severidade da exprobação que o Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo de interpretação infraconstitucional, argumentando sobre o peso das decisões nos processo de improbidade administrativa, pondera sobre o rigor das punições previstas na LIA:
A sanção de suspensão dos direitos políticos é a mais drástica das penalidades estabelecidas no art. 12, da Lei n. 8.429⁄92, devendo ser aplicada tão somente em casos graves. Precedentes: REsp 1055644⁄GO, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 21.5.2009, DJe 1.6.2009;REsp 1097757⁄RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 1.9.2009, DJe 18.9.2009; REsp 875425⁄RJ, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 9.12.2008, DJe 11.2.2009.
Entretanto, nem todo ato de improbidade administrativa pode ser tipificado como crime, ou deva ser apenado com suspensão de direitos políticos, a despeito do inciso V do art. 15 da Constituição Federal. Mas é conduta passível de punição cível, política e administrativa de outras espécies.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005 p. 726/728) argumenta que,
A rigor, qualquer violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato de improbidade administrativa. No entanto, há que se perquirir a intenção do agente, para verificar se houve dolo ou culpa, pois, de outro modo, não ocorrerá o ilícito previsto na lei, como se verá no item subseqüente.
(...)
O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além do mais, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham o mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins.
A proliferação das ações populares e o protagonismo cada vez maior do Ministério Público em ações civis por ato de improbidade administrativa, propostas algumas vezes sem o prudencial descenso à conduta típica e ao dolo, ou sem avaliar as condições técnicas do órgão administrado, aliado ao rigor nas sanções que a lei produz, sacia o clamor popular, que demonstra certa intolerância aos atos administrativos perniciosos, mas, por outro lado, pode afastar do cenário político gestores competentes e comprometidos, que dado a um descuido qualquer podem se ver apenados por improbidade e alijados do processo político por longo período.
8. Considerações Finais:
Já há muito a administração pública profissionalizou-se, pelo grande emaranhado de regras que o sistema de controle lhe impõe. O ato de gestão pública está a exigir dos administradores, a cada dia, maior conhecimento, transparência, lisura e comprometimento. Contudo, o processo de escolha do administrador público, em homenagem ao conceito de Democracia, é o sufrágio popular, que nem sempre escolhe o mais preparado. Assim, vivemos na Administração Pública uma espécie de mito de Prometeu – o saber dos técnicos aliado ao fogo dos deuses que é o entusiasmo do carisma político.
As dificuldades estruturais e técnicas dos órgãos públicos, especialmente nos grotões e pequenos municípios deixam, por vezes, desamparados seus administradores. Muitos sem opção de governo sacrificam o princípio da legalidade pelo princípio da eficiência. E, embora não sirva de defesa ao mau administrador, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal reconhece tal deficiência, ao apresentar no art. 64 da LC 101/2000, a quimera de que a União prestará assistência técnica e cooperação financeira aos Municípios para a modernização das respectivas administrações tributária, financeira, patrimonial e previdenciária, com vistas ao cumprimento das normas da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O inflacionado emaranhado de normas punitivas em nada contribui para simplificação do ato de governar, ao contrário, provoca antinomias, insegurança jurídica e multiplicidade de processos judiciais, ampliando cada vez mais o rol de políticos penalizados ou indiciados, nem sempre por condutas que possam ser classificadas dolosas, prejudiciais, insanáveis ou irreparáveis.
Enfim, summum jus, summa injuria!
Amiúde cresce o número de processos desta natureza, que sufoca o Poder Judiciário, onde a morosidade alia-se ao senso de impunidade e acaba por favorecer o gestor inescrupuloso ou mau caráter. Não se tem, pois, nesse horizonte de pura persecução punitiva, a formação de uma consciência cidadã para uma gestão proba. A ampla publicidade das condutas irregulares generaliza o conceito de desonestidade que se estende a todos os políticos. Com isso aviva-se certo desprezo da população para com seus mandatários e, em decorrência, para com o serviço e os bens públicos.
O mesmo desprezo pela classe política leva a aversão ao processo eletivo, que se dá sem a devida análise ou cautela, acabando por perpetuar um vicioso círculo de perversidades.
A meu sentir, a ação preventiva, que se dá por meio do fortalecimento do Controle Social e da efetiva participação da comunidade no governo, pode, a um só tempo, dar a dimensão cidadã que a administração da coisa pública requer, enquanto conscientiza o cidadão de que a gestão pública é e deve ser compartilhada. Somos, em parte, responsáveis pela deficiência dos governos que elegemos quando dele não participamos efetivamente.
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