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Morte sem valor jornalístico

Agenda 25/04/2014 às 08:43

A imprensa inverte as prioridades constitucionais ao dar mais importância à propriedade que à vida, permitindo às autoridades policiais concentrarem seus esforços em resolver crimes menos graves deixando os mais graves sem solução.

A vida é o mais importante bem juridicamente protegido. Ela é garantida pela CF/88 antes da liberdade e da propriedade. O assassinato intencional com uso de arma de fogo sempre foi e continua sendo o crime mais grave tipificado no Código Penal. A constituição proíbe expressamente a pena de morte.

A religião que predomina no Brasil (o catolicismo) considera a vida uma coisa sagrada, intocável. O assassinato é tratado como um pecado capital.

Mas nada disto tem valor quando o telejornalismo se depara com dois fatos intimamente ligados: a morte de um pobre na periferia de Osasco e a destruição de vários onibus. Foi o que ocorreu hoje no Jornal da Gazeta.

Ao noticiar o incidente ocorrido em Osasco, o Jornal da Gazeta enfocou principalmente a destruição dos onibus. A garagem cheia de coletivos destruídos foi filmada. A imagem do suspeito de ser o mandante do incendio, preso, foi mostrada. O Delegado que o prendeu foi entrevistado e deu detalhes sobre o Inquérito Policial em curso. O montante geral do prejuízo foi estimado em 10 milhões de reais, pois cada ônibus custou 50 mil reais a mais que um coletivo normal em razão das adaptações feitas para o transporte de cadeirantes. De passagem, o ancora do telejornal afirmou que o rapaz teria cometido o crime porque o irmão dele foi assassinado.

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Sobre o rapaz brutalmente assassinado o Jornal da Gazeta disse apenas que ele tinha passagem pela polícia. A vida da vítima do homicídio, pelo simples fato de ele ser pobre e suspeito, não foi considerada mais digna que a integridade dos onibus destruídos. O local onde ocorreu o assassinato não foi filmado, o enterro do falecido não foi destaque. O Delegado não foi questionado sobre o Inquérito Policial aberto para descobrir quem foram os assassinos a fim de que eles possam ser julgados pelo grave crime que exige reparação. O fato de a Policia ter dado prioridade para a investigação de um crime menos grave (destruição de ônibus, que foi rapidamente solucionado) a um crime mais grave (homicídio sem solução) não despertou qualquer indignação jornalística.

Não matarás dizem a Lei e a moral religiosa. Mas para o jornalismo da TV Gazeta, não destruirás coisas valiosas é o único mandamento. Matar alguém que tem passagem na polícia nem chega a ser notícia, pois a vida de um pobre que viveu na periferia não tem qualquer valor jornalístico. Exceto se o morto for um jornalista, pois neste caso o Jornal da Gazeta teria feito um alarido imenso.

O que distingue a civilização da barbárie no Brasil não é o jornalismo. Cá os jornalistas estão a serviço da barbárie, pois consideram a vida de algumas pessoas menos digna que a vida de outras, julgam a destruição do patrimonio mais importante que a morte de alguém apesar da vida ser protegida com mais enfase que a propriedade tanto pela legislação quanto pela religião.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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