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O custo do sweatshop como prática de comércio desleal

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Agenda 27/04/2014 às 12:22

3.Combate ao Sweatshop: ação integrada entre OMC e OIT

O presente trabalho se propõe a abordar temas que parecem irreconciliáveis, apesar de sua estreita ligação: a economia de mercado, com seu objetivo de atingir máxima produtividade e lucro, e a massa de trabalhadores, com sua necessidade de proteção. Não haveria produtos e serviços a serem comercializados se não houvesse pessoas engajadas nessas atividades. Mesmo em uma época eminentemente tecnológica como a em que vivemos, há funções que só podem ser exercidas por seres humanos. Já os trabalhadores não teriam onde empregar a sua energia se não existissem coisas a serem produzidas e serviços a serem prestados. Como um elo a fechar essa cadeia, há a contraprestação percebida pelos obreiros, primordial à subsistência desses e que os tornará consumidores, essenciais para a prosperidade do mercado.

Tendo isso em mente, é deveras importante manter esses diferentes fatores em sintonia, em fino equilíbrio. De um lado, há que se fomentar a iniciativa privada, possibilitando que esta floresça e atinja altos níveis de produtividade e alcance os frutos financeiros esperados. Por outro, é imperativo que o exercício da atividade econômica não ocorra sacrificando-se a energia vital do empreendimento – a energia humana.

Ainda que vivamos em dias nos quais prevalece o Estado mínimo, com pouca intervenção do governo nos rumos do mercado, é necessário haver certa ingerência estatal na economia. As ditas mãos invisíveis do mercado não são suficientemente imparciais para privilegiar o interesse de todas as esferas sociais, não só o dos empreendedores. Não defendemos uma economia planificada, com demasiada burocracia e legislação engessante. Apenas cremos ser imprescindível que o Estado estabeleça limites, ainda que fluídos, onde a economia possa se movimentar livremente, e, ao mesmo tempo, atender à sua função social.

A crise econômica que reverberou mundialmente desde 2008 demonstrou a falibilidade da concepção do liberalismo contemporâneo (também denominado de neoliberalismo), defensora da autorregulação da economia. O que evitou resultados ainda mais assoladores foi a pronta intervenção dos governos, dispostos a injetar enormes quantias de dinheiro em empresas e instituições financeiras, a fim de manter a economia funcionando e frear a queda dos postos de trabalho.

Ainda que a atuação estatal seja necessária para equilibrar a relação entre o mercado e a força de trabalho, ela, por si só, não é suficiente para corrigir todas as distorções geradas pelo livre comércio. Depreende-se isso do próprio fato de não terem havidos iniciativas governamentais relevantes com o fito de garantir a dignidade dos trabalhadores, a manutenção dos postos de trabalho existentes e a criação de novos.

Ao estabelecer tratados contendo direitos essenciais destinados a todos os obreiros, a OIT e seus membros formam uma rede sólida de normas e debates sobre o tema. Uma das razões para o grande número de ratificações das Convenções desta organização é a sua notória parcimônia ao estabelecer os padrões mínimos a serem observados. Ainda que alguns critiquem referida prudência, julgando-a prova de fraqueza e falta de vontade política, é, na verdade, medida de bom senso, a fim de se congregar realidades sociais as mais díspares possíveis.

Paralelamente, a atuação da OMC é de reconhecida importância para manter a livre concorrência no mercado entre os países, evitando tratamentos discrepantes e também a adoção de medidas distorcivas ao comércio internacional. Entre essas medidas podemos citar o dumping social, praticada por alguns países que, para atrair investimentos externos, aceitam flexibilizar as normas de proteção ao trabalho a níveis inimagináveis, chegando a caracterizar o aviltamento do trabalhador. Mesmo que com um viés comercial, visando proteger o mercado e a livre concorrência, a OMC desempenha importante papel na abolição dessas práticas nocivas, impondo medidas sancionatórias aos países que as adotam.

Para combater práticas distorcivas que ferem a dignidade do trabalhador enquanto pessoa humana são sugeridas, por diferentes linhas de pensamento, algumas saídas. Uma delas seria a aplicação de direitos antidumping, sob os auspícios da OMC, assim como se faz quando há comprovada prática de dumping meramente econômico, sem a configuração de suas subespécies anteriormente pormenorizadas no decorrer do trabalho.

Outra seria a adoção de cláusulas sociais, embutidas em tratados comerciais, também no bojo da OMC. Como visto, os países desenvolvidos defendem a fixação de padrões mínimos de proteção ao trabalho a serem respeitados por todos os Estados-membros, sob pena de sofrerem sanções comerciais. Os países em desenvolvimento, por sua vez, acreditam que a instituição de cláusulas sociais inviabilizaria as suas exportações.

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A OIT, por seu turno, sugeriu a criação de um “selo social”, de engajamento voluntário por parte das empresas, que receberiam um certificado atestando serem respeitadoras das normas de proteção aos trabalhadores. Essa possível solução, assim como as outras, é alvo de críticas e discursos inflamados, pois dificultaria o desenvolvimento de indústrias incipientes ou que ainda não são tão competitivas no campo tecnológico quanto as provenientes de países desenvolvidos.

Porém, ainda que compreendamos a visão eminentemente pragmática dos que defendem a não normatização internacional sobre o dumping social, com ela não coadunamos. O desenvolvimento econômico de um país só poderá ser considerado legítimo quando não for construído sobre o desrespeito dos direitos trabalhistas e, principalmente, quando os frutos dele advindos não se limitarem apenas aos empreendedores.

Ainda que não defendamos a visão de que todos os trabalhadores são hipossuficientes, não podemos esquecer que grande parte deles o é. Esta é a realidade de muitos obreiros, principalmente em países em desenvolvimento – justamente os maiores praticantes do dumping social. É importante ter isso em mente ao se analisar a questão. Não é cabível manter a cínica concepção de que os fins justificam os meios – que, para a aferição de lucros cada vez maiores, é aceitável o aviltamento dos trabalhadores como um dos efeitos colaterais.

Não, não o é. Procuramos demonstrar que o Direito do Trabalho está incluído no rol dos Direitos Sociais, consagrados na chamada 2ª Geração de Direitos Humanos. Sendo, portanto, um das formas de exteriorização dos Direitos Humanos, o Direito do Trabalho deve ser considerado de suma importância, como instrumento viabilizador das mudanças sociais, políticas e econômicas necessárias para atingir-se a proteção dos direitos mínimos dos trabalhadores. O alegado custo com a mão de obra não pode sobrepor-se ao valor da dignidade da pessoa humana.

Neste quadro, entendemos que a atuação da OIT deve ser preponderante, por ser ela a organização internacional cujo acervo de normas e princípios é o mais adequado para reger o assunto. Um dos valores basilares defendidos pela OIT, em toda a sua trajetória, é que o trabalho humano não é mercadoria. A fixação de um rol mínimo de convenções a serem ratificadas por seus membros foi um importante passo no combate a práticas aviltantes à condição do trabalhador.

Contudo, entendemos faltar força coercitiva às iniciativas na OIT. Isso, por si só, não é o suficiente para transferir a tutela dos direitos do trabalhador para a esfera da OMC. Mais produtivo seria, em nosso entender, estabelecer mecanismos que conferissem maior efetividade às normas e decisões da OIT, como a fixação de multas ou, até mesmo, a aplicação de sanções comerciais em conjunto com a OMC, em uma atuação multidisciplinar. Nunca perdendo de vista, entretanto, que o papel de destaque seria da OIT.

Por fim, vale citar o interessante entendimento de Christine Kaufmann, para quem as disposições de Direito Internacional Econômico devem ser interpretadas sob a luz das obrigações de Direitos Humanos assumidas pelas partes envolvidas, para que seja mantida a coerência entre os sistemas normativos da OMC e da OIT. Para referida autora, a Declaração de Singapura não impede que a OMC trate de práticas comerciais distorcivas que acarretem a precarização dos padrões trabalhistas – e ressalta, ainda, que onde houver dúvida sobre o conteúdo de tais padrões a autoridade competente será a OIT. 15

3.1.O sistema de solução de controvérsias da OMC como instrumento para o desenvolvimento integral

A Organização Mundial do Comércio, mesmo sendo alvo de duras críticas, tornou-se o maior e mais procurado fórum de discussão entre os Estados atualmente, sobrepujando, muitas vezes, a ONU. Embora seja ingenuidade acreditar em uma efetiva isonomia entre os membros da OMC, inegável é a sua importância – principalmente em um mundo globalizado e gerido pelos movimentos do livre capital como este no qual vivemos.

Sendo uma espécie de sucessora do GATT16, a OMC possui o objetivo de dar segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio, provendo soluções satisfatórias para as disputas envolvendo os estados – membros17. Para tanto, possui um sofisticado Sistema de Solução de Controvérsias, regido pelo Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos Sobre Solução de Controvérsias (ESC).

O ESC constitui um “adensamento de juridicidade”18 em comparação ao antigo sistema do GATT- o qual era fruto da prática reiterada, e não uma obrigação jurídica consolidada como ocorre atualmente. Seu objetivo primordial é “garantir uma solução positiva para as controvérsias”, dando sempre “preferência a solução mutuamente aceitável para as partes em controvérsia e que estejam de conformidade com os acordos abrangidos”.19

Segundo Welber Barral, “o ESC consolidou uma visão mais legalista (rule-oriented) das relações comerciais internacionais; ao mesmo tempo, manteve algumas importantes brechas para que as soluções negociadas fossem preferíveis ao litígio entre os membros da OMC”.20

Trata-se, segundo o autor, de um sistema quase judicial; “sui generis”. Fazem-se presentes a arbitragem (painel estabelecido ad hoc) e procedimentos com características judiciais, tais como: provocação unilateral; procedimentos e leis pré - determinados, intervenção de terceiros sem consentimento das partes e um Órgão de Apelação permanente; é um mecanismo obrigatório para os membros da OMC, tendo sua jurisdição já estabelecida e reconhecida; um sistema quase automático; a exegese de suas disposições é possível, desde que não aumente ou diminua os direitos e obrigações das partes21; não possibilidade de sanções unilaterais; exclusividade para solucionar controvérsias, evitando, assim, a proliferação de sistemas distintos, o que evidentemente enfraquece o sistema22.

Há tão-somente duas instâncias obrigatórias: Consultas entre as Partes e a Decisão quase judicial, representada pelos relatórios dos painéis. Interessante notar que mesmo podendo escolher entre a arbitragem23, os bons ofícios24, a conciliação ou a mediação, os membros preferem, cada vez mais, utilizar as formas mais judiciais25. Isso denota um animus em postergar ao máximo a efetiva solução do conflito e a revogação da medida violadora.

Mesmo não sendo um sistema totalmente judicial, sofre, tal qual a ciência processual nacional, de um excesso de formalismo, onde o processo passa a ser considerado um fim em si mesmo, e não mais um meio de atingir a justiça pretendida. Como tão bem explicita José Roberto dos Santos Bedaque, “os aspectos fundamentais do direito processual são concebidos à luz da relação jurídica material. As questões maiores do processo são solucionadas com dados inerentes à relação da vida e ao direito substancial que a regula. Quanto mais consciência tiver o processualista desse fenômeno, maiores serão as possibilidades de construção de mecanismos aptos a alcançar os escopos do processo. Trata-se de um passo adiante á fase instrumentalista”.26

Nas palavras de Tatiana Lacerda Prazeres, uma das maiores críticas ao ESC é o seu excesso de legalismo, com demasiada ênfase no procedimento em prejuízo do fator eqüidade. “Com as limitações de conhecimento técnico- jurídico enfrentadas pelos países em desenvolvimento, não se pode deixar de concluir que são esses os mais prejudicados em virtude da excessiva importância das questões procedimentais, em que a essência do conflito muitas vezes nem chega a ser avaliada pelo descumprimento de uma formalidade exigida”. 27

Os países em desenvolvimento e os países de menor desenvolvimento relativos constituem a maioria no número de Membros da OMC.

Têm participado cada vez mais do Sistema de Solução de Controvérsias, a maior parte das vezes como reclamados. Isso ocorre porque as políticas adotadas para promover o desenvolvimento nacional muitas vezes são incompatíveis com os acordos da OMC – o que acaba gerando a intolerância por parte dos países desenvolvidos28.

Entretanto, os países em desenvolvimento precisam de possibilidades maiores para intervir em sua economia, visando melhor desenvolvimento. A OMC, como importante foro de negociações comerciais multilaterais, precisa desempenhar um papel mais ativo nessa esfera, viabilizando políticas efetivas para promover a redistribuição de venda e a democratização da tecnologia.

Isso poderá ser alcançado com a flexibilização29 das normas protetoras do comércio internacional, garantindo aos países em desenvolvimento a faculdade de intervir na economia quando necessário, sem correr o risco de ser demandado por simplesmente cumprir o papel da administração pública.

No ESC são encontrados dispositivos que viabilizam um “tratamento especial” para os países em desenvolvimento, a saber:

Em que pese todos esse ordenamento especial à disposição dos países em desenvolvimento, é notória sua pouca eficiência. A utilização de expressões vagas, como se percebe acima, mina a eficácia da garantia de tratamento processual diferenciado para países em desenvolvimento.

Tal garantia é essencial para a legitimidade do Sistema de Solução de Controvérsias, uma vez que viabilizaria, ao menos em parte, a efetiva participação dos países em desenvolvimento nas controvérsias. Esses países não possuem recursos para manter funcionários especializados para defender seus interesses na OMC.

Em 2001 foi criado o “The Advisory Law Centre on WTO Law – ACWL” - custeado por doações dos Membros-, constituindo um centro para auxiliar países em desenvolvimento, promovendo, inclusive, treinamento de profissionais originários desses países. Entretanto, não há um aconselhamento profundo e efetivo, mas tão- somente diretivas, apontando as possibilidades.

Essa realidade acaba por engessar a participação dos países em desenvolvimento. Mesmo que este consiga participar da controvérsia e dela saia “vencedor”, não há meios de garantir o pleno e imediato cumprimento das recomendações contidas no Relatório. Atente-se para o fato de que um país de menor desenvolvimento relativo jamais obterá êxito em provocar sanções contra gigantes como os Estados Unidos. Se o contrário ocorrer, toda a economia do país de menor desenvolvimento relativo será sacrificada. 30

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Fernanda Miranda. O custo do sweatshop como prática de comércio desleal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3952, 27 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27948. Acesso em: 22 nov. 2024.

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