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A responsabilidade civil dos armadores no Direito Marítimo brasileiro

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Agenda 06/05/2014 às 13:23

2. A RESPONSABILIDADE DOS AGENTES MARÍTIMOS

Com a evolução do direito e do comércio marítimo, tornou-se necessário definir os limites de responsabilidades dos agentes marítimos, mormente do proprietário, comandante, prático e armador, este último, personagem central do presente estudo.

É fundamental saber os limites da responsabilidade civil ou ter um parâmetro, para possibilitar melhor segurança jurídica, tanto para aquele que é responsável, como para quem vai pleitear o dano. Recordando-se o pensamento do escritor Victor Hugo: "No mundo há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que navegam. Só aos homens do mar deve ser dada a capacidade para julgar as decisões tomadas no cenário marítimo."

Deste modo, faz-se necessário conhecer os agentes marítimos já que estão todos conectados de uma forma ou de outra no transporte marítimo, para melhor compreender a função e responsabilidade de cada um.

2.1 DO TRANSPORTE MARITIMO

O Direito Marítimo, apesar de ser tratado com pouca relevância pelos juristas brasileiros, tem uma importância enorme para os interesses econômicos do país. Assim como foi demonstrado, no tópico referente às vantagens econômicas do transporte marítimo. Prova disso é a forca dos estaleiros navais e das empresas de navegação em gerir empregos e movimentar o PIB.

Neste sentido, convém reproduzir as palavras de Luís Felipe Galante:

O transporte marítimo desempenha na atualidade papel de destaque no comercio mundial, baseado em uma oferta de navios cada vez mais modernos e especializados, frequentemente organizados em linhas regulares, tendo por trás de si empresas de navegação voltadas do especificamente para esse tipo de negócio, o transporte marítimo se apresenta nos dias de hoje, como uma atividade bem desenvolvida que oferece, de um modo geral, um serviço de boa qualidade técnica. Tanto é assim que cerca de 95% transporte e realizado por mar, segundo os mais recentes levantamentos.61

Desde logo, cumpre salientar que o transportador marítimo não é exatamente o proprietário da embarcação ou do navio, tampouco o seu armador (aquele responsável pela organização da expedição marítima), mas, sim, a pessoa jurídica que assume, contratualmente, a obrigação de transportar coisas (bens) ou pessoas de um porto a outro.62

A teoria que se aplica no transporte marítimo é a objetiva imprópria, ou seja, a culpa é sempre presumida quando ocorre no inadimplemento do contrato. Em um caso concreto, o transportador só se exime dessa presunção legal, quando prova excludentes de responsabilidades. 63 Neste entendimento, vale lembrar o Decreto Legislativo n.2681/2012 do qual dispõe no “art. 1 – [...] será sempre presumida a culpa do transportador.”

Por fim, “a responsabilidade do navio ou embarcação transportadora, começa com o recebimento da mercadoria a bordo e cessa com sua entrega a entidade portuária.”64. Deste modo, conclui-se que a responsabilidade do transportador se da no momento que recebe a mercadoria, sendo seu depositário até a entrega da mesma, somente assim cessara a sua responsabilidade.

2.1.1 Do Contrato de Transporte

Sobre o contrato de transporte marítimo, neste trabalho será ressaltado o transporte marítimo de coisas (carga), que no CC está disposto em seu art. 73065. Define-se como o contrato de transporte de coisas o negócio jurídico em que o transportador se obriga mediante retribuição em dinheiro a transportar coisas pelo mar de um lugar para outro.66

O Presente contrato tem forma bilateral, dele resultam obrigações para o transportador e o titular da coisa a ser despachada. Sendo o mesmo, bilateral, formal, oneroso e de adesão. Apesar de bilateral a doutrina brasileira é quase unânime ao proclamar o contrato de transporte marítimo de cargas como típico de adesão. Sendo o mesmo um contrato de fim, de resultado e seu descumprimento pelo transportador, implica a presunção de responsabilidade do transportador, a inversão do ônus da prova.

O contrato de fretamento, não envolve somente a entrega da mercadoria, ele vista também o uso da embarcação, seja total ou parcial. “Nesse tipo de contrato, denomina-se fretador quem dá e afretador quem recebe a embarcação a frete”.67 Ex vi art. 56668 do CCom.

Esse tipo de contrato, por pressupor a necessidade de ocupar o navio é operado diretamente por armadores de navios ou empresas de navegação. Existindo três modalidades do mesmo conforme disposição legal do art. 2. I, II e III da Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997. Sendo os mesmos, afretamento por tempo, por casco nu e por viagem. In verbis:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições:

I - afretamento a casco nu: contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação;

II - afretamento por tempo: contrato em virtude do qual o afretador recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la por tempo determinado;

III - afretamento por viagem: contrato em virtude do qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma ou mais viagens;

A figura do armador se modifica conforme o tipo de afretamento, visto que a armação está inteiramente ligada ao exercício da Gestão Náutica do navio.

Na armação de contrato a casco nu, o afretador assume a posição do armador, diversamente do fretamento por viagem e por tempo, do qual ocorre a repartição da gestão do navio, ficando a Gestão Náutica de Responsabilidade do fretador e a Gestão de Comercial a cargo do afretador. De modo que o fretador assume a situação jurídica do armador, por deter a Gestão Náutica e sua armação, já o seu afretador por deter a Gestão Comercial do mesmo, “poderá contratar transporte de mercadoria de terceiro, mas não será considerado seu armador, mas apenas o transportador.”69 Por isso a necessidade de ter conhecimento da Gestão do Navio e o tipo de contrato, visto que, no caso de avarias e acidentes marítimos, “é indispensável a identificação dos sujeitos intervenientes na relação para a exata mensuração de responsabilidade e aspectos de legitimidade processual.”70

Diante da dificuldade de se identificar quem de fato é transportador e armador, tem-se a Instrução Normativa nº 800/2007, em seu artigo 2, parágrafo 171 que apresenta a classificação de transportador, ante a possibilidade do contrato de fretamento poder repartir a gestão do navio.

2.1.2 Contrato de Fretamento e Empresa Naval

A empresa naval possui duas espécies, sendo elas: empresas de transporte e de navegação, distinguindo-se em sua atividade fim. A empresa de transporte se consigna em explorar o navio exclusivamente no transporte de mercadoria ou pessoas, responsabilizando pela atividade empresarial de prestação de transporte. Já a empresa de navegação, sua atividade econômica pode ser tanto no transporte como no serviço marítimo de navegação.

No que concerne ao contrato de fretamento, existem dois tipos básicos, o liner e o tramp 72, sendo essa caracterização essencial para diferenciar o contrato de fretamento do contrato de transporte marítimo.

Na esfera jurídica, a navegação liner se fundamenta nos contratos de transporte marítimo de transporte de mercadoria. O elemento fundamental do contrato marítimo de transporte é especificamente o transporte de carga de um ponto a outro pelo mar. Diversamente, o mercado tramp envolve os contratos de fretamento de navios e as cartas partidas. 73

Diante de tal consideração, o contrato de afretamento permite aos empresários de navegações, que não possuem navios, possam executá-los. O transportador nesse caso, pode ser somente contratante do serviço, que poderá ser “um ente distinto do transportador que efetivamente transporta”74, podendo ser um transportador executor que além de ser contratante é o próprio armador do navio que efetua de fato o transporte.

Basicamente o contrato de transporte tem duas partes, o fretador e o afretador, dependendo da forma que o contrato for assinado (casco nu, tempo, por viagem), os agentes mudam. Contudo não são os únicos agentes responsáveis pelo transporte, como será visto nos tópicos seguintes.

2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL

2.2.1 Do Proprietário do Navio

O proprietário do navio75, a luz do conceito de propriedade, é o dono. Sua responsabilidade pode ser direta ou indireta, dependendo do caso, sendo responsável diretamente por sua ação ou omissão, bem como pelos atos praticados por seus mandatários e prepostos, na responsabilidade indireta.

No entanto, “há de reiterar, todavia, que armação e propriedade são conceitos distintos.”76 O armador tem a gestão náutica e atua como o empresário da navegação, já o proprietário é aquele que detém o direito de propriedade. Às vezes se confunde, pois o armador pode ser proprietário, por isso há tendências diferentes sobre o conceito de responsabilidade direta e indireta. Reitera-se para a tendência dos tribunais de manter a responsabilidade objetiva dos armadores, através da teoria do risco profissional.77

Historicamente sobre a responsabilidade dos proprietários de navio, vale lembrar duas concepções clássicas, a primeira regula a responsabilidade pessoal limitada e a segunda na responsabilidade limitada não pessoal. Como a limitação é tema complexo, foi editada a Convenção de 1924, que procurou conciliar tais teorias e adotado pelo Brasil através do decreto n.350/31.

A limitação de responsabilidade no caso, deriva do conceito de abandono liberatório, conforme salienta o art. 494 do CCom78, ou seja, para que acabe a responsabilidade do mesmo, tem que ocorrer o abandono do navio, com renuncia expressa. Esse abandono caracteriza-se pela perda do navio e do frete.

O abandono liberatório surgiu com o efeito de atenuar a responsabilidade dos proprietários de navios. “Em regra, o abandono liberatório é exercido após o acidente naval ou no final da viagem. E geralmente utilizado nas hipóteses de perda total do navio, essencialmente caso de abalroamento ou naufrágio e assistência.”79 Contudo, atualmente não é utilizado com frequência.

Trata-se de ato unilateral e muito divergente na doutrina, já que diversos doutrinadores como Costa, Sampaio Lacerda possuem visões diferentes, do qual importa a “a transferência da propriedade do navio, ainda que não aos credores, diretamente, por via deles.”. No caso, não se trata de um modo de aquisição e sim de “perda do navio, uma vez que há renuncia ao direito dominial.”80 Vale salientar também, que não se trata de uma dação em pagamento.

Ao contrário do que acontece no armador, revela-se tendência dos tribunais na responsabilidade subjetiva dos proprietários de navios.

2.2.2 Das Avarias as Cargas do Transportador Versus Proprietário

No que diz respeito às avarias das cargas, a responsabilidade civil do transportador, a exegese emana que o transportador poderá ser o proprietário ou o afretador do navio, como salienta o artigo 1. a81, da Convenção de Bruxelas de 1924.

Entretanto, se não foi identificado o transportador é admissível a responsabilidade do proprietário do navio, isso ocorre para evitar fraudes no sentido de fugir da responsabilidade declarando que não era o seu transportador. Portanto, quando for afretar um navio, o proprietário deve ter conhecimento de quem seja.

2.2.3 Da Dicotomia armação Versus Propriedade

No Brasil para ser armado é exigido um certificado de armador concedido pelo Tribunal Marítimo, conforme determinação da Lei n. 7.652/88, no entanto, na legislação citada existem conceitos conflitantes, uma vez que armador precisa já ter armado alguma embarcação.

Desta forma, conclui-se, que o armador deve ter algum barco armado para atividade lucrativa, de modo que tenha o histórico dessa atividade e assim seja concedido o certificado de armador, conforme dispõe art. 18, Parágrafo 182, da referida Lei. Entretanto, isto não é regra, porém na pratica o Tribunal Marítimo, só concede o certificado para aqueles que, de uma forma ou de outra, são proprietários de navios.

A doutrina decorre da premissa que o armador é o empresário da navegação e procede a armação do navio. Não necessariamente deve ser seu proprietário, apenas aquele que faz o navio ser apto à atividade empresarial da marinha mercante. “O proprietário (ship property) e o armador são figuras jurídicas distintas. O proprietário é a pessoa física ou jurídica em nome de quem a propriedade da embarcação está inscrita na autoridade marítima”83, devendo seu registro ser feito no TM. No entanto, nada impede do armador ser o proprietário do navio, conforme pode-se observar no tópico a seguir.

2.2.4 Do Armador

Paulo Henrique Cremoneze84 cita a ilustre Jurista Carla Adriana Comitre Gilberton para definir o armador (owner) como sendo “a pessoa, física ou jurídica, que arma a embarcação, isto é, coloca-a nas condições necessárias para que possa ser empregada em sua finalidade comercial, e que opera comercialmente, pondo a embarcação ou a retirando da navegação por sua conta”.

O armador85 não precisa ser proprietário de navios, mas deve opera-los, podendo usar navios afretados (alugados), enfim, proprietário ou não do navio, é o armador o responsável por sua qualificação para a expedição marítima, o organizador geral das condições gerais da viagem.

A doutrina é diversa quanto a classificação de armador86. Alguns autores como é o caso de Azeredo Santos divide em três espécies, já outros como Matusalém Gonçalves Pimenta, classifica em sete. Destaca-se aqui a visão do segundo jurista por ser mais abrangente e detalhada, conforme segue:

2.2.5 Da Responsabilidade do NVOCC

Na majoritária doutrina da Dra. Jurista Eliane Martins o NVOCC92 não é enquadrado como um armador, mas sim como um consolidador do transporte. “Em suma, há de se consolidar, portanto, que o NVOCC, indubitavelmente, é o transportador contratante (carrier).”93

Desta forma, responde perante o dono da carga ou seu segurador, e o transportador de fato ao NVOCC, “ocorre, muitas vezes, de o NVOCC, não ter patrimônio para responder pelos prejuízos decorrente da inexecução do contrato”94, por não ter navios para penhora, ficando o dono da carga a “ver navios” no que tange a reparação civil. Apesar do ordenamento jurídico brasileiro não trabalhar com o conceito de solidariedade presumida, quando o NVOCC fica inadimplente, é justo cobrar do Transportador marítimo, haja vista o elo jurídico entre eles e a carga.

“Não pode o transportador exonerar de sua responsabilidade com a alegação que não participou da utilização da carga”, desta forma por analogia ao art. 19 do CDC, visto que no Brasil, não tem legislação especifica para regular95 NVOCC.

2.2.6 Da Responsabilidade do Armador

Conforme já foi visto, a responsabilidade do armador se enquadra na Teoria do Risco Profissional, sendo a mesma objetiva, independente de culpa. Provados os danos causados e o seu nexo causal, o terceiro prejudicado deverá ser indenizado pelo armador96, salvo as excludentes de responsabilidades97.

O Armador não responde por eventuais danos às cargas confinadas para o transporte, salvo se ele for, além de armador, o transportador marítimo, ou seja, o emitente dos conhecimentos marítimos.

2.2.7 Responsabilidade Civil do Armador pelas avarias e fatos da navegação

Quando se trata de navios, na esfera da responsabilidade civil, em virtude dos incidentes da navegação, existem algumas tendências dos Tribunais, considerando a atividade empresarial exercida nas hipóteses de propriedade e armação, (armador-proprietário e armador-gerente), a tendência é a responsabilidade objetiva.

a contrario sensu, havendo distanciamento da figura do proprietário da situação jurídica do armador, ou seja, em sede de responsabilidade civil e administrativa, revela-se tendência de responsabilidade subjetiva dos proprietários de navios, salvo exceções legais. Em regra, nas hipóteses de o proprietário não exercer a empresa naval, haverá distinção de direitos e obrigações do proprietário e do armador nos termos do contrato que envolvera as partes. (grifo nosso)98

Entretanto, vale salientar, que pela facilidade de se abrir uma empresa, muitas vezes o proprietário de navio e armador são as mesmas pessoas jurídicas, apenas disfarçadas no âmbito jurídico para fugir das indenizações e responsabilidades, sendo todas controladas por um único administrador.

Ocorre que, desta forma, uma pessoa jurídica é sua proprietária e a outra o armador, sendo a primeira livre de responsabilidade objetiva, recaindo a responsabilidade objetiva pelos danos ao armador, entretanto esse não possui patrimônios suficientes para arcar com os danos. Desta forma, como se trata de um verdadeiro grupo econômico, embora uma empresa fique sem liquidez, a outra auferiu lucros exorbitantes.

Além disso, o armador interage com vários agentes, como prático, rebocadores, comandante do navio, que acabam criando situações que podem beneficiar a sua responsabilidade ou onerar, como exemplo a culpa exclusiva do Comandante do Navio ou do Pratico.

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Assim, o alvo correto para a ação de indenização acaba sendo duvidoso, apesar do processo administrativo99 anterior levar a um responsável, muitos quesitos contratuais como seguro e cláusulas contratuais estão em jogo.

A tendência de responsabilizar o armador, nos danos resultantes da falta náutica da tripulação está com fulcro na tese da due diligence, 100que trata-se de um procedimento de análise para mensurar os riscos efetivos e potenciais, daquele investimento.

2.2.8 Responsabilidade Civil do Comandante

No que concerne a responsabilidade do comandante, vale lembrar os ensinamentos dos doutrinadores Haroldo dos Anjos e Caminha Gomes: “ a responsabilidade do comandante do navio é a máxima, pois sua autoridade a bordo também é a máxima”.101

Desta forma, o comandante do navio está com responsabilidade extrema por ser o seu gestor náutico, e a ele é confiada toda a expedição do navio, pelo armador, navio e carga, sendo esse entendimento da NORMAN – 13, inciso 6102. Também é regulamentado pela lei de praticagem que o comandante não se sub-roga ao prático. Enquanto gestor náutico, a responsabilidade do comandante é intransferível, salvo casos de excludentes de responsabilidade.

Tanto na jurisprudência civil, como no Tribunal Marítimo, a responsabilidade Civil do Comandante em regra é subjetiva, fundada em culpa no sentido lato sensu (teoria da culpa), conforme Jurisprudência abaixo:

Direito civil Indenização. Perdas e danos. Navio. Desatracação. Culpa aquiliana. Não se há de imputar ao preposto da empresa ré (comandante do navio) culpa aquiliana, (art. 159 do CC), se restou demonstrado, no julgamento do TM, que inexistiam regras de tráfego para o porto de Parintins, e que havia assistência de prático, no momento da desatracação (RTFR 160/179)103

Desta forma, diferentemente do armador, o comandante da embarcação, responde somente quando tem culpa. Geralmente as faltas cometidas pelo comandante são punidas pelo Tribunal Marítimo, capitanias dos portos, e sanções amparadas em leis.

2.2.9 Da Responsabilidade do Armador por Atos do Comandante

Vale lembrar que o comandante é empregado do armador, fazendo deste o seu responsável nos moldes do art. 932, III, do Código Civil104. Sendo o mesmo o preposto do armador, ou seja, os atos praticados por ele, são reputados como se fossem praticados pelo próprio armador, além disso, o comandante é o verdadeiro depositário da carga, com a devida obrigação de zelar pela sua entrega, conforme preceitua o art. 519 do CCom.

As indenizações por danos causados em acidentes com embarcações atingem proporções extremamente volumosas, sendo de todo incompatível com os salários pagos a um comandante. Na lacuna da lei Brasileira, resta ao julgador, na hipótese de ação de regresso, aplicar o princípio da razoabilidade de expresso no parágrafo único do artigo 944105 do Código Civil. 106

Desta forma, pode o armador, buscar ressarcimento da indenização paga por ele, quando a culpa for do comandante. Em regra geral, “prepondera a responsabilidade objetiva do armador pelos atos do comandante relativos a funções de gestão comercial, ou seja, nas hipóteses nas quais o comandante atua como preposto do armador”.107

Assim sendo, no caso da gestão náutica a responsabilidade é intransmissível, entretanto necessita de mostrar a culpa, diretamente ligada a negligencia, imprudência e imperícia do mesmo, afastando qualquer possibilidade de dolo, conforme foi salientado anteriormente.

2.2.10 A Responsabilidade da Praticagem Perante o Armador

A origem do Prático surge do fato de que a navegação marítima se torna mais delicada e perigosa quando ocorre em áreas restritas, sendo necessário um especialista sob as particularidades locais, ele é “um assessor do comandante da embarcação, para auxilia-lo nas manobras de entrada e saída dos portos e vias navegáveis, bem como na manobra de atracação, desatracação, fundeio, entrada e saída de diques etc.,”. 108 No artigo 12, da Lei n. 9357/97 está definido como serviço de praticagem o conjunto de atividades profissionais de assessoria ao comandante, necessária devido a particularidades locais que impedem a movimentação livre e segura de embarcações.

A sua necessidade é garantir a segurança da navegação, embora nas maiorias dos casos o comandante possua conhecimentos, às vezes muito além do que a sabedoria dos práticos sobre a navegação, essa regra se faz necessária para garantir melhor a segurança nas zonas de praticagem (ZN)109.

Vale lembrar que o prático não assume a direção do navio, sendo essa indelegável do comandante, “o pratico é o auxiliar técnico e o colaborador do capitão na direção do navio. A responsabilidade do governo da embarcação será atribuída ao capitão, não podendo ser entregue ao pratico” 110.

Assim sendo, o capitão é o responsável pelos acidentes oriundos de erro técnico de navegação. Entretanto, quando o erro surge de uma falha profissional do pratico, o mesmo deve ser responsabilizado pelos seus atos. Deste modo, deverá ser aplicada a teoria da causalidade adequada da responsabilidade civil quando, por exemplo, “um prático, informa o calado operacional de determinado local de atracação, o comandante confia nessa informação e autoriza a manobra de seu navio.” 111. Se posteriormente ocorrer um encalhe ou avaria por culpa de uma informação incorreta, o prático deve se responsabilizado pelos danos.

Só se configura a responsabilidade do prático nos caso em que o sinistro for causado por ele, bem como no que concerne ao armador, devendo ser feita uma ação de regresso se o dano foi erro do prático, observando sempre o principio da razoabilidade presente no artigo 944 do CC, quando a indenização tiver valores inexequíveis a serem pagos pelo prático112.

Conforme salienta o Professor Matusalem Goncalves Pimenta, “ou os práticos brasileiros procurarão a cobertura de seguros, fazendo reviver o Dual Rate, [...] ou os armadores aceitam a colocação de clausula limitativa de responsabilidade nos contratos de prestação de serviço de praticagem.”113

Valores esses suportáveis ao bolso do prático, entretanto a melhor solução seria ter uma limitação legal, pelo poder legislativo, assim como se observa em países com tradição marítima internacional, visto que no direito comparato a responsabilidade civil do prático tende a ser limitada, para evitar superposição de seguros, tornando os custos portuários altíssimos e indesejáveis.

Países como Reino Unido, Canadá, EUA, França e a Cidade-Estado Hong Kong, que possuem a frota marítima superior ao Brasil, tendem pela responsabilidade limitada, sendo apenas a Austrália, optando pela não-responsabilidade civil do prático114.

2.3 REPRESENTATIVIDADE DAS EMPRESAS ARMADORAS

No mercado de transportes, destacam-se duas maneiras de atuação de uma empresa armadora:

  1. Ter uma agência marítima própria e um departamento pessoal próprio para indicar seu preposto e representante

  2. Contratar um representante legal para representá-lo, seja pessoa física ou jurídica, geralmente consolidado mediante um contrato.

As agências marítimas são empresas que têm como função representar o armador. O agente marítimo exerce todos os atos do armador naquele local, com sua devida autorização, podendo o mesmo representar o proprietário do navio, o armador, o gestor ou o afretador do navio, ou vários desses simultaneamente. No mercado atual é incomum que o contrato de afretamento seja feito diretamente com o armador, sendo tal função exercida pelo agente marítimo. 115

No cenário brasileiro, a IN da RFB n. 800/2007 “determina regras sobre o controle aduaneiro informatizado da movimentação de embarcações, cargas e unidades de carga nos portos alfandegados”.116 Exigindo a obrigatória a representação do armador de pais estrangeiro no Brasil através das agencias marítimas, entendimento esse a luz do artigo 4 da referida IN117.

No Brasil, a doutrina não é pacífica no que diz respeito à natureza jurídica das agências marítimas, as teorias se “divergem a cerca da natureza de mandato (CC, art. 653); contrato de agência (CC, arts.710); prestação de serviços, comissão mercantil (CC, arts. 693) ou representação comercial (Lei n. 4.886/65).”118 Tais, divergências ocorrem por causa da natureza de suas responsabilidades administrativas, sanitárias, tributarias e custos operacionais.

2.3.1 Consignatários ou Comissários de Navios

Existe também o consignatário ou o comissário de navios, que são pessoas físicas ou jurídicas que exercem a representação do armador por um mandato temporário, “geralmente, são nomeados por empresas armadoras que atuam no mercado tramp 119 ou spot, empresas que usualmente julgam inconvenientes manter agente e preferem, alternativamente, nomear consignatário.” 120

Em outras palavras, empresas que não atuam ou não realizam essa atividade com rotina e sim esporadicamente, (contratos tramp). Visto que no ramo do comercio marítimo , o local de trabalho são os rios e mares, a singrar em busca de um porto. Deste modo a atividade do comissário é de forma temporária enquanto o navio estiver atracado, atuando como um intermediário entre o comandante e os destinatários da carga, sem necessidade de manter um agente marítimo.

2.3.2 Responsabilidade das Agências Marítimas pelas Avarias de Cargas no Direito Brasileiro

A jurisprudência brasileira tem se encaminhado por reconhecer a responsabilidade civil do armador em caso de danos decorrentes de avarias de carga. O conceito vem do fato da justiça considerar o agente marítimo ilegítimo para a causa “ilegitimidade ad causam”, sendo assim, os mesmos exonerados da responsabilidade em relação às ações de indenização por danos e avarias, que são propostas por terceiros prejudicado.

Os argumentos fornecidos pelos advogados do agente marítimo concentram-se no fato do agente ser apenas um mandatário do armador. Logo, é o mandate que vai contrair obrigações e adquirir direitos como se ele tivesse estabelecido o negócio jurídico. Conforme demonstra jurisprudência abaixo, a agência marítima não vem sendo considerada parte legítima.

ADMINISTRATIVO. INSPEÇÃO EM NAVIO. INFRAÇÃO SANITÁRIA. ANVISA. POLO PASSIVO. LEGITIMIDADE. ARMADOR. AGENTE MARÍTIMO. RESPONSABILIDADE AFASTADA. PRECEDENTES.

I - A ANVISA é parte legítima para figurar no pólo passivo em ação anulatória de auto de infração sanitária e seu respectivo débito, decorrente de procedimento administrativo de verificação em navios.

II - Não se pode atribuir ao agente marítimo (contratado pelo armador de um navio para atuar como intermediário entre este e a praça na qual vai atracar) a responsabilidade por infrações administrativas praticadas nas respectivas embarcações. Precedentes: REsp nº 225.820/RJ, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 13/10/2003;REsp nº 784.357/PR, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 21/11/2005, pág. 169, entre outros.

III - Recurso especial desprovido. 121

Desta forma, tanto no aspecto administrativo como no dano em si, não pode o agente marítimo ser responsabilizado, a não ser que sua inabilidade profissional venha a causar danos, enseja o dever de indenizar na responsabilidade contratual. Observe outro Julgado do STJ:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO AGENTE MARÍTIMO. ART. 2º, INCISO VII, DO DECRETO Nº 19.473/30. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 211/STJ. DIREITO COMERCIAL. MANDATO MERCANTIL. AGENTE MARÍTIMO COMO MANDATÁRIO DO ARMADOR (MANDANTE). ART. 140 DO CÓDIGO COMERCIAL. RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO PERANTE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. DESFIGURAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO MANDATO MERCANTIL. AFASTADA A RESPONSABILIDADE DO AGENTE MARÍTIMO PERANTE TERCEIROS. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. .

1. A matéria versada no art. 2º, inciso VII, do Decreto nº 19.473/30, apontado como violado no recurso especial, não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, e embora opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão porventura existente, não foi indicada a contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual, ausente o requisito do pré-questionamento, incide o disposto na Súmula nº 211 do STJ.

2. O agente marítimo atua como mandatário mercantil do armador e tem confiada a ele a função de armador, recebendo poderes para, em nome daquele, praticar atos e administrar seus interesses de forma onerosa (art. 653 do Código Civil). Assim, a natureza jurídica da relação entre o agente marítimo perante o armador é a de mandato mercantil.

3. O mandatário não tem responsabilidade pelos danos causados a terceiros, pois não atua em seu próprio nome, mas em nome e por conta do mandante.

4. O agente marítimo, como mandatário mercantil do armador (mandante), não pode ser responsabilizado pelos danos causados a terceiros por atos realizados a mando daquele, quando nos limites do mandato. Precedentes do STJ.

5. O Tribunal de origem, para decidir pela responsabilidade solidária da agente marítima e afastar a natureza de mandato mercantil do caso em tela, o fez com base nos elementos fático-probatórios presentes nos autos. Assim, a reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ.

6. Recurso especial não provido122 (Grifo nosso)

No entanto, conforme salienta a doutrinadora Eliane M. Octaviano Martins, “independente da hipótese de avarias ou acidente de navegação, consagra-se validade da citação do armador estabelecido no exterior da pessoa do agente marítimo” 123. Entendimento esse sumulado pelo STF124, do qual no caso do armador estrangeiro no Brasil, pode o mesmo responder pelas perdas e danos, não cabendo a alegação de prescrição do armador estrangeiro, com o argumento que não foi citado.

2.4 DO SEGURO

Devido aos altos custos para amparar uma indenização em consequência de “fortunas do mar125” e “aventuras marítimas”126, “o único seguro encontrado no direito antigo é o seguro marítimo”127. Foi assim que surgiu o seguro marítimo no século VI d.C., no golfo pérsico.

Como salienta o doutrinador Paulo Henrique Cremoneze em sua obra Pratica do Direito Marítimo, “embora não existam dados científicos e rigorosos a respeito do tema, ousamos dizer, com base no puro empirismos, mas de forma abalizada, que cerca de 90% (noventa) por cento dos transportes marítimos possuem cargas seguradas.”128 O artigo 757 do CC define seguro, sendo o mesmo um contrato bilateral, oneroso, aleatório e solene129.

No direito marítimo existem diversos tipos de seguros, não se resumindo apenas a cobertura do casco e maquinas , assim como danos de responsabilidade civil, a mercadoria ou a avarias.

No Brasil, o seguro marítimo de casco é obrigatório, do qual cobre os riscos das embarcações e equipamentos, englobando os danos causados pelo navio, inclusive seus equipamentos e contêineres, tanto em atividade como atracado. No entanto, esse seguro não cobre a responsabilidade civil sob os danos a mercadoria.

No Brasil, todos os proprietários, ou armadores em geral, de embarcações nacionais ou estrangeiras sujeitas a inscrição e/ou registro nas Capitanias dos Portos e órgãos subordinados, estão obrigados a contratar o seguro obrigatório de danos pessoais causados por embarcações e suas cargas (DPEM).

O seguro DPEM130 foi instituído pela Lei n. 8.374/91 e tem por finalidade dar cobertura a pessoas, transportadas ou não, inclusive aos proprietários, tripulantes e/ou condutores das embarcações, e seus respectivos beneficiários ou dependentes, independente da embarcação estar ou não em operação131.

2.4.1 P&I Club – Protection and Indemnity Club

O custo da construção de um navio alcança valores estratosféricos, assim como a manutenção do mesmo em cais , portos, funcionários e práticos. O preço de um navio pode variar de milhões até bilhões de dólares e geralmente tais custos vêm de grandes investimentos de grupos econômicos ou Joint Ventures.

Da mesma forma, os danos resultantes de um acidente naval, sejam eles relacionados às cargas e/ou ao meio ambiente também podem chegar a grandes somas em dinheiro. Isso levou as empresas de navegações e armadores a criar o P&I Club, ou Clube de Proteção e Indenização, do qual todo grande armador e/ou transportador marítimo encontra-se juridicamente vinculado, entidade sem fim lucrativo que se mantem através da contribuição de seus membros.

A rigor o clube segurado cobre responsabilidades dos armadores e dos transportadores marítimos “por danos causados a terceiros e o risco de colisão, além de avarias as cargas e a objetos fixos, como o cais do porto, por exemplo.” 132

O P&I Club se sustenta de forma que todos os associados133, armadores e transportadores, contribuam com uma parte mínima anual ou semestralmente, de forma que se tenha uma reserva grande de recursos financeiros em seu banco. Logo, quando ocorre um dano sobre qualquer um dos associados o P&I Club arca com a responsabilidade. Por isso, que no meio marítimo, o P&I Club é muito respeitado, visto que, a única possibilidade de insolvência do clube seria se todas as empresas de navegação associadas falissem ao mesmo tempo, assim não haveria recursos suficientes para cobrir todas as dívidas.

Sua cobertura em regra, cobre danos da responsabilidade civil dos armadores; avaria, colisão, perda de carga, naufrágio, pagamento de indenizações a vítimas, limitando a danos ambientais134.

A responsabilidade do P&I Club é subsidiária, podendo ocorrer a denunciação da lide, visto que o segurador deve responder caso o haja inadimplência do associado, tendo em vista os princípios constitucionais da boa-fé objetiva e da necessidade de punir aquele que originou o dano e proteger o ofendido.

2.5 DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE DO ARMADOR

A rigor não cabe a denunciação da lide do armador do navio numa lide forense, em que o transportador responde pelos prejuízos decorrentes da inexecução da obrigação de transporte.

A denunciação da lide do armador, muitas vezes com sede em pais estrangeiros e sem representação no Brasil é requerida pelo réu, transportador marítimo, com o objetivo de procrastinar a marcha processual. Dai a necessidade de se impedir a denunciação da lide, manifestamente incabível em casos de Direito Marítimo, ao menos nos moldes ora colocados.

2.5.1 Da Seguradora

No que diz respeito a legitimidade ativa da seguradora, vale lembrar que ela e sub-rogada nos direitos e ações que possam ocorrer, tendo legitimidade para pleitear em nome próprio o devido ressarcimento e reembolso de indenizações pagas por ilícito contratual.

Vale lembrar os art. 346 a 351 do CC, dispõem sob a sub-rogação. “Em síntese: tratando-se de contrato de seguro, o pagamento da indenização secundaria confere ao segurador o direito de buscar em face do causador do dano aquilo que pagou ao segurado. Daí se dominada a ação ajuizada pelo segurador.”135

Tem-se, pois, todos os direitos inerentes aos Créditos do segurado ao segurador, ex vi do art. 728 do CCom:

Art. 728 - Pagando o segurador um dano acontecido à coisa segura, ficará subrogado em todos os direitos e ações que ao segurado competirem contra terceiro; e o segurado não pode praticar ato algum em prejuízo do direito adquirido dos seguradores.

CAPITULO 3 – EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL DOS AGENTES MARÍTIMOS

Como foi abordado no capítulo anterior, a responsabilidade civil do armador está inteiramente conectada ao transporte marítimo, já que na maioria das vezes, o armador, acaba sendo o próprio transportador da carga e do serviço prestado, devendo o mesmo responder por víeis danos causados do transporte marítimo, independentemente de quais sejam.

No transporte entre rios e mares podem ocorrer avarias marítimas, incidentes marítimos, como abalroamento, colisão, naufrágio, encalhe, incêndio, dentre outros, que ensejam ações indenizatórias. Diante disso, faz se necessário ter conhecimento das excludentes de responsabilidades.

Vale lembrar o filosofo romano Sêneca:

Se alguém disser que navegar é ótimo, mas em seguida, advertir que não se deve faze-lo por aguas onde são frequentemente os naufrágios e nas quais as tempestades desorientam os pilotos, concluo que esse individuo me aconselha a não enfrentar o mar, por mais que louve a navegação.136

Neste capitulo, buscou-se verificar a validade das cláusulas limitativas de responsabilidades, assim como situações que envolvem caso fortuito, forca maior, culpa exclusiva da vítima e todas as excludentes de responsabilidades.

3.1 DAS EXCLUDENTES LEGAIS

Diante das inúmeras situações de risco existentes, poderia existir a previsibilidade de que a situação de risco poderia ser evitada, através do due diligence. As características comuns às hipóteses de excludentes de causalidade são a imprevisibilidade, irresistibilidade e a externalidade. Como salienta Carlos Roberto Goncalves: “o estado de necessidade, a legitima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, a clausula de não indenizar e o caso fortuito ou forca maior”.137 Circunstancias essas que serão abortadas no tópico a seguir.

3.1.1 O Estado de Necessidade e Legítima Defesa

Em consonância com o art. 188 do CC138, são excludentes de ilicitude, ainda que produza danos a terceiros, não constituindo o ato ilícito, a legitima defesa, o exercício regular de um direito e o estado de necessidade.

Embora não haja ilicitude, o art. 929 e o 930139 garantem a reparação no caso da legitima defesa, “indenize o terceiro prejudicado que não seja o responsável pela situação de perigo, garantindo-lhe em contrapartida regresso contra quem, ai sim, tenha provado aquela situação.”140 Há um paradoxo do legislador, de não constituir ato ilícito, mas obrigando a indenizar.

No caso concreto, é raro que ocorra, situações de estado de necessidade ou legitima defesa no transporte marítimo, mas pelas incertezas e imprevisibilidade da vida, podemos criar um exemplo hipotético do qual o comandante do navio, com risco do navio afundar, encalha o navio, protegendo a vida de seus passageiros, entretanto causando danos a um terceiro.

Vale lembrar o caso do Costa Concordia, que ficou conhecido mundialmente no ano de 2012, como Transatlântico que encalhou próximo a ilha de Giglio, relatado por Matusalém. “O comandante, tomou uma medida que pode salvar a maioria dos que estavam a bordo, giza-se, mais de 4 mil pessoas. [...] Encalhar o navio propositalmente, em uma manobra conhecida por varação.”141

Independentemente de ter salvo as pessoas, a Jurisprudência é unanime em garantir a indenização ao terceiro prejudicado, apesar do estado de necessidade, garantindo o direito de regresso, contra o terceiro culpado, o qual não houve no caso. Já no caso da legítima defesa, não há qualquer obrigação de repara os danos sofridos pela vitima.142

3.1.2 Da culpa exclusiva da Vítima

A culpa exclusiva da vítima ocorre quando não há liame de causalidade entre o ato e o prejuízo da vítima, desaparece assim a responsabilidade do agente, por estar ausente o nexo causal, elemento essencial para a reparação de dano. Segue jurisprudência abaixo sobre o tema:

Indenização – morte da vítima – Surfista – Verba indevida. Não há culpa da companhia de transporte ferroviários pela morte de passageiros, se este, na condição de “surfista”, desafiando o perigo, posta-se sobre a composição, onde não há qualquer segurança, assumindo, portanto, os riscos de uma queda normalmente fatal. RT, 758:238 143

Ora, conclui-se que analogicamente poderia ocorrer no ramo da navegação, desta forma, quando não há nexo causal e a culpa for exclusiva da vítima não há o que dizer em indenização.

3.1.3 O Fato de Terceiro e a Responsabilidade Contratual do Transportador

O fato de terceiro deve ser indenizado nos moldes dos artigos 929 e 930 do CC, através de ação regressiva. Para que seja excludente de responsabilidade deve “romper o nexo causal entre o agente e o dano sofrido pela vítima.”144 A doutrina majoritária declara que “somente quando o fato de terceiro equiparar-se a caso fortuito e forca maior , e que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano.”145

Vale lembrar que o comandante e a tripulação não podem ser considerados terceiros, já que são funcionários dos quais devem zelar pela segurança e qualidade do serviço prestado. Pode-se aplicar aqui o CDC do qual no art.14 salienta que o fornecedor de serviço não será responsabilizado se provar culpa exclusiva da vítima ou de terceiros. A responsabilidade só se exonera somente na culpa exclusiva do terceiro e não em casos de culpa concorrente.

No que diz respeito ao contrato de transporte, a jurisprudência não admite o fato de terceiro como excludente de responsabilidade, entendimento esse, sumulado pelo STF, e presente no CC.146 Embora, a redação aborde somente para contratos terrestres, no ramo marítimo, para que ocorra e excludente de responsabilidade tem que se assemelhar a caso fortuito.

3.1.4 Da Força Maior e Caso Fortuito

O art. 394 do CC147, não distingue caso fortuito de força maior, sendo os mesmos, situações de escusas de responsabilidades, já que não há ato culposo, sendo o dano totalmente inevitável, inesperado e imprevisível, de forma que esteja fora do poder humano.

A forca maior e o caso fortuito, são as cláusulas excludentes de responsabilidade civil mais alegada pelos transportadores marítimos e seus responsáveis nas lides forenses. A doutrina brasileira divide-as basicamente em:

No direito marítimo, esse posicionamento inverte, “em termos estritamente maritimista, costuma-se utilizar a expressão “força maior” como decorrente da natureza.”148 Sobre a fortuidade em relação a navegação é importante lembrar que antigamente era muito fácil se alegar, visto que a expedição marítima era uma aventura com mistérios, riscos e perigos, com embarcações inferiores , sem mapas adequados e muitas vezes com o intuito de buscar novas terras e fronteiras, sempre com o risco de ser atacados com navios piratas.

Em virtude disso, muitos transportadores marítimos sempre buscavam o argumento que a expedição marítima por si só, já tinha fortuidade, com o objetivo de se excursarem de suas responsabilidades.

Entretanto tal situação mudou, visto que não há mais aquela pirataria vista em filmes, com piratas de chapéu, novos mundos e continentes a descobrir, além disso, com os avanços tecnológicos, o navio é controlado a cada minuto, em tempo real, por sistema GPS, com comunicações via satélites, com rotas, sondas, mapas, previamente prontos, antes mesmo de a expedição ter iniciado.

Entendimento este inteiramente conexo com a obra de Paulo Henrique Cremoneze:

Nos dias de hoje, os navios são panejados e construídos para suportarem as adversidades próprias do mar. São, alias, construídos para superarem os mares mais furiosos e tempestuosos. Não é só: com a expansão da informática, a ciência meteorológica foi premiada com poderosos recursos e fantásticos equipamentos. Os modernos meios de comunicação existentes permitem que o comando de navio, por meio dos poderosos radares e computadores de bordo, diretamente ligados a satélites de ultima geração, tenha uma exata, ampla e segura informação, a qualquer tempo, das condições do mar e do clima a serem enfrentados.

Logo, bem se trabalhando o conceito de fortuidade, é muito difícil, para não dizer impossível, haver, nos dias atuais, um caso concreto em que um navio, no curso de uma expedição marítima, venha a ser colhido por um fato, ao mesmo tempo, inesperado, imprevisível e irresistível.149

Posicionamento este pacificado nos Tribunais Brasileiros, conforme é possível constatar abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL n. 40.779 – SÃO PAULO – Tribunal Federal de Recursos – 3. Turma – DIREITO MARITIMO – TRANSPORTE MARÍTIMO – MERCADORIA AVARIADAS.

O transportador presume-se responsável pelas perdas e avarais ocorridas as coisas que lhe foram confiadas. Cabe-lhes provar o caso fortuito ou forca maior, se invocadas.

Os conhecimentos limpos indicam que a mercadoria foi entregue em perfeitas condições ao transportador.

Tratando-se de navio dos mais modernos, não e possível deixar de presumir encontrar-se em condições de enfrentar ventos violentos e tempestades ao longo de suas viagens, com inteira segurança a tripulação e carga transportada, desde que se hajam as providencias e cuidados indicados.

A única prova da ré, acerca da ocorrência de furacões que se abateram sobre o navio, consta de “ protesto de bordo “ que foi ratificado apenas no Consulado Geral do Pais, da nacionalidade do barco e não em Juízo.

Insuficiência de provas para conduzir a irresponsabilidade da re pelos danos causados.

Fatos e circunstância que levam a não emprestar-se significado decisiva ao protesto mencionado.

O mau tempo e a tempestade sendo fatos previsíveis, não constituem “ caso fortuito”, mas acontecimentos normais em navegação, devendo os navios estarem em condições de suporta-los, como já decidiu o Tribunal Federal de Recursos, na Apelação Cível n.27.664. Não provou a re também o correto acondicionamento da mercadoria nos porões do navio.

IARIO DA JUSTICA DA UNIAO – Edição: Brasília, 26.10.1978 – p. 8.462.150

A responsabilidade civil do transportador (podendo ser também do armador), como foi salientado no capítulo anterior é disciplinada pela teoria objetiva imprópria, presumidamente responsável pelos danos decorrentes da inexecução da obrigação do transporte. A rigor somente em casos de excludentes de responsabilidade podem exonerar de tal responsabilidade, cabendo a si o ônus da prova.

Entretanto, o conceito de fortuito e forca maior, mudou com o passar dos anos, portanto mais difícil fica a comprovação de sua excludente. Como salienta Paulo Henrique Cremoneze: “o que era fortuito hoje, já não mais o é, tendo-se em conta as mudanças do mundo. Mais do que em outros temas, reside aqui a beleza da teoria tridimensional do direito, de Miguel Reale.”151 E para ressaltar e consolidar esse entendimento tem-se a seguinte jurisprudência:

TRANSPORTE MARITIMO – RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR – MAU TEMPO – CORRECAO MONETARIA

Não vindo a ser o mau tempo verificado durante a viagem considerado como excludente de responsabilidade da transportadora, até porque não se demonstra, deve reembolsar a seguradora sub-rogada pelo que esta pagou ao segurado em decorrência dos prejuízos apurados.

A correção monetária e cabível, conforme já vem decidindo os Tribunais.

Apelação Cível n. 47.806-RJ – Tribunal Federal de Recursos – 2. Turma – Relator: Ministro Aldir G. Passarinho – ADCOAS ANO XIV – N.34.152

Por fim, vale lembrar que a atividade de navegação, armação e transporte marítimo aufere lucro e, portanto “se sua responsabilidade fundar-se no risco, então o simples caso fortuito não o exonerara”153. A função da responsabilidade objetiva é dar proteção a vítima, para que não fique desamparada em caso de um dano, “valendo-se, para alcançar esse desiderato, dentre outras, da teoria do exercício da atividade perigosa.”154

Conclui-se que ao realizar o transporte do navio, caso o comandante e o armador perceba que há risco de avarias no trajeto e que o mesmo se funda em risco, e mesmo assim faz o transporte, caso haja caso fortuito, mesmo que inevitável, não pode alegar excludente de responsabilidade, haja vista a ciência do risco da atividade, da qual foi executada com base no risco do empreendimento.

3.1.5 Das Excludentes Amparadas nas Regras Haia-Visby e Hamburgo e Cogsa.

A legislação brasileira é clara em definir que a isenção legal de responsabilidade deve se amparar de provas atinentes a excludentes legais, no entanto, como salienta Eliane M. Octaviano Martins, sobre a Responsabilidade Civil no Direito Maritimo: “as excludentes amparadas nas Regras de Haia, Haia-Visby, Hamburgo e Cogsa, que porventura possam ser aplicáveis as causisticas, inobstante sejam julgadas em tribunais brasileiros ou em procedimento arbitral.”155

Vale salientar que as Regras de Haia-Visby156, disciplinam, essencialmente, a responsabilidade do armador no contrato de transporte marítimo internacional, enunciando dezessete motivos legais de exonerar a responsabilidade do transportador por perdas e danos. Em princípio exonera nos casos de inavegabilidade, desde que não comprovado a falta do armador, na due diligence 157 . E posteriormente vem a isenção de responsabilidade conforme definição da doutrina de Eliane M. Octaviano, tratando-se de rol taxativo, conforme segue:

  1. Erro de navegação ou gerenciamento do navio, isto é, falta náuticas cometidas por comandante, tripulação e prático. (art.4, 2,a e 3, 2);

  2. Incêndio (fire), desde que este não tenha sido causado por falta ou culpa do transportador (art. 4, 2, b)

  3. Perigos ou acidentes (perils, dangers and acidentes) do mar ou de outras aguas navegáveis (art. 4, 2, c)

  4. Caso fortuito ou de força maior, os chamados “atos de Deus” (acts of God) de efeitos imprevisíveis (art. 4, 2, d)

  5. Atos de guerra (acts of war), também fortuitos e imprevisíveis (art.4, 2, e)

  6. Atos de inimigos públicos (act of public enemies) , isto é, atos de violência cometidos a margem da sociedade publica (art. 4, 2, f)

  7. Arresto, embargo ou coação de governo, autoridade ou povo, ou uma apreensão judicial (arresto e restraint of princes, rulers or people, or seizure under legal process) (art. 4, 2, g)

  8. Imposição de quarentena (quarantine restrictions), desde que imprevisível (art. 4, 2, h)

  9. Motins ou pertubações populares fortuitos (riots and civil commotions) (art. 4, 2, k)

  10. Faltas do embarcador: ato ou omissão do embarcador, do proprietário da mercadoria ou de seu agente ou representante (act or omission of the shipper or owner of the goods, his agente or representative); insuficiência de embalagem (insufficiency of packing); e insuficiência ou imperfeição de marcas (insufficiency or inadequacy of marks) (art. 4, 2, i, n, o)

  11. Greves (lock-outs), dificuldades impostas ao trabalho, seja qual for a causa, seja esta limitação total ou parcial (strikes or lock-outs or stoppage or restraint of labour from whatever cause, whether partial or general) ( art. 4, 2, j)

  12. Salvação ou tentativa de salvar vidas ou bens no mar (saving or attemting to save life or property at sea) (art. 4, 2, l) inclusive na hipótese de desvio de rota razoável (arribada forcada) (art. 4, 4)

  13. Desfalque de volume ou de peso, ou qualquer outra perda ou dano resultante de vício oculto, natureza especial ou vício próprio da mercadoria (wastage in bulk or weight or any other loss or damage arising from inherent defect., quality or vice of the goods) (art. 4, 2, m )

  14. Vícios ocultos que escapam a uma razoável diligencia (latente defects not discoverable by due diligence) (art. 4, 2, p)

  15. De qualquer outra causa não proveniente de fato ou culpa do transportador ou de seus agentes e funcionários (art. 4, 2, q)

Como é possível observar nas Regras de Haia-Visby, há claramente a proteção do transportador e armador de forma mais ampla, no entanto, “privilegia claramente os interesses dos transportadores.”158 Constata-se que em alguns tópicos se torna até abusivo, diante que se exime da responsabilidade sem grandes motivos. Há uma falta de equilíbrio entre a vulnerabilidade dos contrates do serviço ante o transportador.

O Brasil não é signatário do tratado supracitado, do qual e imperioso a regra a autonomia das partes, há que entender que a ausência dele também contribui para a insegurança jurídica, no ramo de empreendimentos de navegação. De modo que, tanto transportadores e armadores estrangeiros, quanto brasileiros, querem deter melhores conhecimentos sobre o limite de suas responsabilidades civis e penais.

Por outro lado, “as Regras de Hamburgo consagram o princípio da presunção de culpa do transportador, entre outras alterações significativas que contrariam, efetivamente, os interesses dos armadores159”, da qual o Brasil foi signatário, no entanto, não ratificou. As principais mudanças de tais Regras é a criação da indenização por atraso e a excludente de responsabilidade que se limita a avarias provenientes de ações e medidas para salvar vidas humanas.

3.2 CLÁUSULAS DE LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A cláusula de limitação de responsabilidade tem como função limitar a responsabilidade, por eventuais danos decorrente da inexecução ou execução inadequada do contrato.

Muito se discute a respeito da validade de tal tipo de clausula. Para alguns, seria clausula imoral, porque contraria o interesse social. Vedando-a, principalmente nos contratos de adesão, estar-se-á protegendo a parte economicamente mais fraca. Outros, entretanto, defendem-na, estribados principalmente no principio da autonomia da vontade: as partes são livres para contratar, desde que o objeto do contrato seja licito.160

Nosso ordenamento jurídico não simpatiza com tais cláusulas, consoante Decreto 2.618 de 1912 e art. 734 do CC161. Para que a mesma tenha validade, deve haver um conjunto de observâncias, como a bilateralidade do consentimento, a não colisão com preceito de ordem pública, a igualdade de posição das partes, a inexistência do escopo de eximir o dolo ou a culpa grave do estipulante e pôr fim a ausência da intenção de afastar obrigações inerentes a função.

A jurisprudência admite tais cláusulas, quando trouxer vantagem ao contratante, no caso do transporte, quando o transportador oferece uma redução de tarifa em favor de quem despachou, entendimento esse consoante com a Jurisprudência “Validade da Clausula limitativa – Destinatário das mercadorias, no Brasil, quem pagou tarifa menor pelo transporte – Embargos infringentes rejeitados (JTACSP, Revista dos Tribunais, 101:14)”162

No entanto, vale salientar que não é porque a cláusula é válida, que pode o transportador ter desídia com a mercadoria, devendo zelar pela mesma sob pena de ser invalida.

3.2.1 Dos Tipos de Cláusulas

Nos contratos marítimos de navegação internacional e nacional, existem diversos tipos de clausulas típicos do transporte marítimo que servem para garantir a segurança das partes e viabilidade do negócio, assim como aquelas atinentes ao contrato de fretamento. Segue abaixo as principais:

1. Cláusula de Negligencia

Nos contratos a cláusula de negligencia exonera o armador por faltas cometidas por seus prepostos, assim como aquelas relativas a ocorrências de fatos além daqueles delimitados pelo seu procurador e aquelas que “o armador tenha exercito a diligencia razoável e não tenha cometido faltas na estiva163 ou apresentado o navio inavegável.”164

2. Cláusula carried on deck without liability for loss or damage howsoever caused

Há também nos contratos marítimos de transporte, em casos de carga de alto riscos, transportadas nos convés, a clausula carried on deck without liability for loss or damage howsoever caused, que cria a inversão do ônus da prova, cabendo ao demandante provar que a perda ou avaria ocorreu por culpa do transportador. Conforme salienta Jurisprudência abaixo:

Transporte de mercadoria. Via marítima. Mercadoria de alto risco transportada no convés do navio. Contrato com clausula de não indenizar em caso de perda ou avaria. Validade. Ônus da prova a cargo do importador. Ocorrência de sinistro do mar. Protesto marítimo efetuado. Indenização devida. E valida a cláusula de não indenizar no caso de perda ou avaria no transporte marítimo de mercadoria de alto risco colocado no convés do navio. Cabe ao importador provar que a respectiva perda ou avaria ocorreu por culpa do transportador, e não por fato normal, uma vez que a ocorrência deste exclui a responsabilidade de indenizar, de conformidade com o disposto em clausula contratual. [...] Como salienta a recorrente, a clausula constante do contrato de transporte carried on deck without liability for loss or damage howsoever caused foi aceita pelos embarcadores importadores. O Magistrado entendeu que a referida clausula há que ser tida como não escrita, uma vez que corresponde a verdadeira clausula de não indenizar, vedada pelo Direito pátrio, como bem assinalou a autora, ora apelada, em sua replica de fls.117-24. Embora tal cláusula não possa ser aceita na generalidade dos casos, por correspondência a verdadeira clausula de não indenizar, como entendeu o Magistrado, nada impede que, em se tratando de mercadorias de alto risco, o importador exima de responsabilidade o transportador. Negar tal vigência a tal clausula importara tornar inviável o transporte de tais mercadorias, eis que, diante do risco elevado, a transportadora não conseguira quem segure o transporte e será obrigada, por forca dessas circunstâncias, a recusa-lo. Tal solução em nada ajudaria o transporte marítimo. Ao contrario, somente a dificulta-lo. Não se trata, na espécie, de clausula impressa, nem, tampouco, localizada no verso do conhecimento marítimo em letras minúsculas. Esta datilografada em destaque no rosto do dito documento, livremente convencionada e aceita pelas partes. Era, assim, sem duvida, do conhecimento do embarcador e de sua seguradora. (RT 602/139)165

Diante da jurisprudência supracitada, é possível compreender porque se tem admitido a exoneração de responsabilidade quando se trata de transporte de alto risco, de modo que senão fosse possível tal exclusão seria inviável o transporte de cargas de risco, já que não iria trazer hipótese de lucro algum ao transportador e/ou armador.

3. Cláusula identity of carrier clause

A clausula de identificação do transportador, que se denomina identity of carrier clause, com o intuito de definir quem deverá ser o transportador. Como salienta Eliane M. Octaviano Martins: “esta cláusula é extremamente relevante [...]”166 diante do embaralhamento que ocorre entre os diversos tipos de armador e contratos de fretamento, dos quais dividem a competência da gestão náutica e gestão comercial. Portanto, definindo o transportador, maior segurança jurídica tem aquele que possa pleitear algo, já identificando assim o polo passivo da ação.

3.2.2 Da Carta Partida (Charter party)

Nos contratos de fretamento, ocorre a carta partida, que é o instrumento de contrato entre fretador e afretador, estabelecido no art.567 do Ccom, conforme salientado no capítulo anterior, suas principais clausulas acerca da responsabilidade são:

3.2.3 No conceito contratual

Conforme orienta Carlos Roberto Gonçalves,168 “no transporte marítimo, a jurisprudência anterior admitia a cláusula limitativa de responsabilidade”, apesar disso este entendimento vem se transformando, abandonando a clausula limitativa de responsabilidade, por equiparação a clausula de não indenizar. Os precedentes do STJ reputando a escrita da clausula limitativa de responsabilidade, visto que tornou indenizações irrisória perto dos danos causados. Em consonância com a Súmula 161169 do STF. Conforme Jurisprudência abaixo:

Civil — Seguro — Transporte marítimo — Indenização — Cláusula limitativa da responsabilidade do transportador — Súmula nº 161-STF.

I — Reputa-se não escrita qualquer cláusula limitativa da obrigação de não indenizar, em contrato de transporte marítimo, o valor capaz de tornar irrisória a indenização relativa aos danos causados.

II — Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

III — Recurso conhecido e provido.

(REsp nº 29.121-9 — SP. Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER. Terceira Turma. Maioria. DJ 22/03/93).

Neste caso, limitar a responsabilidade seria o mesmo que não pagar, é possível afirmar que mesmo quando não havia os respectivos diplomas legais a justiça brasileira já repudiava a validade de tais clausulas. O CDC atribui no artigo 6 , nos incisos IV e X170, a proteção contra cláusulas abusivas.

Falar em limitação da responsabilidade é limitar as incidências de normas morais, visto que, essa prática prejudica a economia e a decência do direito, pois o ato ilícito permanece sem punição. Ressalta-se outra jurisprudência:

Direito comercial – Transporte marítimo – Clausula limitativa de responsabilidade do transportador – O Decreto n.19.473 de 10.12.1930, em seu art.1, reputa não escrita qualquer clausula restritiva ou modificativa da obrigação e tanto equivale a limitação a valor irrisório do montante da indenização, precedente do STF.

REsp n. 644-89.0009917-5 – SP.

Na visão do Professor Paulo Henrique Cremoneze, “tais cláusulas ofendem fundamentos como a equidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e o bom senso”171, além de ferir a boa-fé objetiva, portanto, tais cláusulas são ilegais.

3.2.4 Cláusula de Eleição de Foro

Como foi salientado, o contrato de transporte é um contrato de adesão, do qual muitas vezes o contratante se submete a regras que ferem a constituinte brasileira. De um modo geral, armadores e transportadores internacionais “fixam como foros competentes o de Londres e o de Nova York, impondo ônus excessivo ao embarcador ou ao destinatário final do transporte de cargas.”172. Por isso, na maioria das vezes tais cláusulas são abusivas, trazendo vantagens apenas para um dos contratantes, o transportador.

Diante disso, vale lembrar que o segurador, muitas vezes sequer participa da relação contratual, não podendo ficar prejudicado pela imposição do contrato. Entendimento esse pacífico pelos tribunais e doutrinas173, do qual se entende ser ineficaz a sua aplicabilidade.

Armador e transportador marítimo estrangeiro deve ter o domicílio de sua pessoa jurídica, seja por agência ou por filial no Brasil, de forma que a justiça brasileira seja competente para julgar casos de ressarcimentos e sinistros, consoante art. 88, inciso I174 do CPC. A cláusula de eleição de foro pode ser aplicada desde que haja adequada manifestação de vontade, o que não ocorre na prática, diante da vulnerabilidade da parte contratante.

3.3 DA IMPORTÂNCIA DA VALIDADE DAS DECISÕES DO TM

Como foi salientado no primeiro capitulo, o TM, funciona como um órgão meramente administrativo com competência restrita aos fatos de navegação, seus efeitos estão voltados apenas a questões ligadas a navegação, não tendo forca vinculante ao Poder Judiciário.

Apesar das decisões do Tribunal Marítimo não fazerem coisa julgada na esfera civil, sendo apenas mera coisa julgada administrativa, pode o mesmo ser utilizado como valor probatório na esfera civil, apesar de reexame pelo Poder Judiciário.175

Vale lembrar que o Tribunal especializado goza de respeito tanto na comunidade marítima brasileira quanto na internacional, estando inclusive consoante com a jurisprudência brasileira:

REsp n. 38082/PR

Relator Ministro Ari Pargendler

Terceira Turma – 20.05.1999

Ementa:

Civil. Responsabilidade Civil. Tribunal Marítimo. As decisões do Tribunal Marítimo podem ser revistas pelo Poder Judiciário ; quando fundadas em pericia técnica, todavia, elas não só subsistiram se esta for cabalmente contrariada pela prova judicial.

Recurso especial conhecido e provido.

Acordão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Menezes Direito, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro e Waldemar Zveiter.176

Desta forma, seria prudente, os advogados, peritos, juizes, agentes da justiça cível ter conhecimento da decisão do TM de forma a identificar o agente culpado, para servir-se de prova no meio cível e responsabilizar assim pelos seus danos e indenizações correspondentes.

No entanto, esta questão não é pacificada entre os tribunais e muito menos entre os doutrinadores e advogados que atuam no ramo do Direito Marítimo atrelado com a Responsabilidade Civil. Paulo Henrique Cremoneze defende que a decisão do tribunal marítimo é “um mero parecer técnico, voltado apenas e exclusivamente aos atos e fatos da navegação.” 177 Isso porque ele acredita na idéia de que se trata de matéria totalmente distinta da justiça comum, já que as competências se atem aos fatos de navegação.

Destarte, deve haver respeito ao posicionamento do Tribunal Marítimo, ante a especialidade dos membros que o compõe178, aplicando o art. 131 do CPC, do qual aplica o principio do livre convencimento motivado.

3.4 DA PRESCRIÇÃO

3.4.1 No Tribunal Marítimo

No processo marítimo do TM, o prazo decadencial é de 180 dias, para que o Estado inicie o respectivo inquérito, para auferir o acidente ou fatos da navegação. Transcorrido o prazo, sem que o Estado inicie, pode o interessado, representa-lo por um prazo de 30 dias subsequentes, caso não entre decai o seu direito, conforme salienta art. 41 da LOTM179.

No entanto, “o Estado não está acorrentado ao ofendido, tampouco as peias da decadência. No paralelo traçado, e como se toda ação fosse publica incondicionada.” 180

A importância de ter o processo administrativo no TM faz-se necessária para melhor provar a indenização na justiça civil, além de ter o caráter preventivo e punitivo em caso de danos e dolo.

Já o prazo prescricional é de 5 anos, conforme art. 1, da Lei n. 9.873/99181, entretanto, o TM, não tem adotado a prescrição visto que a interpretação do art. 20 da LOTM182, salienta que não ocorre a prescrição enquanto não houver decisão definitiva do TM. Ora, se a ação nunca começar, pode-se concluir que nunca prescrevera, causando inseguranças jurídicas.183

3.4.2 Na Justiça Civil

Para se requerer a reparação de dano judicial, deve ficar atento ao prazo prescricional, visto que o CC, estipula prazos especiais no art. 206184. A garantia da prescrição cria maior segurança jurídica, visto que ambas as partes sabem o prazo que tem para requerer ações de reparação de dano, no caso de três anos. Desta forma, garantir o ingresso da ação e os princípios da ampla defesa e contraditório. A ausência de prescrição cria insegurança jurídica para ambas as partes.

Alguns doutrinadores185 acreditam que no mercado de transporte marítimo, cabe a inclusão do prazo prescricional de cinco anos, por se tratar de uma obrigação de resultado, devendo ser aplicado o art.3 do CDC186, equiparando o transportador como se fosse fornecedor, assim como seus destinatários e sub-rogados. No entanto, a jurisprudência tem-se mantido favorável a aplicado do prazo do CC.

3.5 DA AÇÃO INDENIZATÓRIA

A indenização é dimensionada pela extensão do dano, nos termos do art. 944 do CC, podendo ser pleiteado em juízo as perdas e danos conforme preconiza os art. 402 e 403 do CC, seja responsabilidade contratual ou extracontratual.

Diante dos inúmeros agentes existentes no direito marítimo, citados no capítulo anterior, além daqueles não citados187, na hipótese da ação para reparação dos prejuízos sofridos em caso de abalroamento188, no polo ativo figura o sujeito prejudicado, “o proprietário do navio abalroado bem como os passageiros, [...] o destinatário de mercadorias, os feridos e os herdeiros de pessoas falecidas em razão do acidente, o afretador em TCP189 e VCP190, e os seguradores em exercício de sub-rogação.”

No pólo passivo devem figurar o comandante191, o proprietário e ou armador, sendo admissível o direito de regresso. Todavia, em determinados casos a há culpa do fretador ou afretador, independe dos tipos de contrato192, visto que a causa do acidente esteja atrelada a ação ou omissão do fretador, “em tais circunstâncias, a ação deve ser intentada contra o fretador e afretador, simultaneamente.” 193 Em regra a competência e jurisdição para a ação é o local do fato, no entanto cabe a autonomia das partes de estipular local diverso no contrato.

No que tange as ações indenizatórias relativas a danos ambientais, o “direito brasileiro, consagra a teoria da responsabilidade objetiva. [...]” 194

Diante disso, foi possível compreender todos os agentes inclusos na responsabilidade civil do armador e situações onde criam possibilidades de reparação de dano, assim como excludentes de responsabilidade.

Sobre o autor
André Cesar Rebelo Araujo

FGV Law Program – Direito Marítimo – Atualidades e Tendências.<br>Bacharel pelo Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais – IBMEC-RJ.<br>Agraciado pela Marinha do Brasil em 2011.<br>Idiomas: Português (BR) e Inglês (EUA).<br>É membro da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

Informações sobre o texto

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Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso de Direito, apresentado como pré-requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas/Ibmec RJ, em 2013. Professora Orientadora: Beatriz Roland.

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