INTRODUÇÃO
O presente trabalho refere-se à análise da postura proativa do Poder Judiciário, que é designada de Ativismo Judicial, com o intuito de demonstrar se haveria nessa ação excesso aos limites das atribuições desse poder positivadas na Constituição Federal de 1988.
A idéia de uma participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário encontrou espaço no pensamento da sociedade brasileira, a partir da Revolução Constitucionalista de 1926 e da influência da obra do italiano Enrico Tullio Liebman na década de 1940. Esses dois fatores modernizaram os costumes jurídicos brasileiros, muito embora, a efetiva participação do Poder Judiciário possa ser vislumbrada a partir do advento da Constituição da República Federativa do Brasil, datada de 1988.
Essa participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes, se manifesta por meio de diferentes condutas, quais sejam: a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; e a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Diante dessa interferência do Poder Judiciário na seara de competência dos demais Poderes, apresenta-se uma discussão peculiar no que se refere a essa atuação mais autônoma do Poder Judiciário em aplicar e preservar dos direitos fundamentais disposto na Constituição da República Federativa do Brasil.
Com o objetivo de entender esse fenômeno jurídico e suas implicações para o atual panorama da sociedade brasileira, o presente trabalho monográfico de conclusão de curso abordará o assunto em três capítulos, sendo que o primeiro e o segundo terão o condão de fornecer subsídio para o terceiro, que tratará do tema central dessa pesquisa.
O primeiro capítulo trabalhará as concepções teóricas da Democracia Moderna e da Doutrina Clássica da Teoria da Separação dos Poderes, trazendo alguns conceitos de poder no tempo. Trabalhará, ainda, um brevehistórico das Constituições no Brasil, apontando a evolução dos textos constitucionais e dando destaque à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, além de traçar um paralelo entre esta Constituição e o Sistema de Direito conhecido como Commom Law, apresentando as características e os conceitos deste sistema.
O capítulo segundo analisará a Competência Legislativa, apresentando as características do processo eleitoral e o exercício do sufrágio pelo povo, traçando um paralelo entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário diante das questões Legislativas.
Por fim, o terceiro capítulo, direcionará o trabalho mais especificamente para a análise do corpus. Abordando o fenômeno jurídico do Ativismo Judicial, e, trazendo à luz o seu conceito e histórico. Fará menção, ainda à edição das súmulas vinculantes como uma provável maneira de usurpação de competências por parte do Judiciário e finalizará discorrendo acerca dos argumentos favoráveis e contrários à postura proativa do Poder Judiciário no Brasil.
O arcabouço teórico foi construído partindo dos conceitos fundadores da História das Constituições bem como do direito com um todo, dando ênfase às teorias de Bonavides e Andrade, Moraes, Barroso, Mendes, dentre outros, além da análise e discussão de conceitos que tem correlação com o tema.
Para o desenvolvimento desta análise, será utilizado o método dedutivo de abordagem. No que tange ao procedimento será adotado o monográfico, mediante procedimento exploratório bibliográfico.
Registre-se que não se pretende esgotar o tema mas fornecer uma fonte de esclarecimento para aqueles que se interessarem.
CONCEITOS DE PODER, A SEPARAÇÃO DE PODERES E A DEMOCRACIA MODERNA
1.1 Breves considerações acerca dos conceitos de Poder, Poder Político e Teoria da Separação dos Poderes
A palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. O poder pode ser exercido em relação a indivíduos e a grupos humanos, bem como a objetos ou fenômenos naturais. (BOBBIO, 2008)
Em tempos remotos, com o intuito de garantir a ordem social, o ser humano manteve o poder centralizado, uma vez terem entendido, os clãs e as tribos, ser essa a melhor forma de se preservar a paz social e o bem-estar da comunidade. Para tanto, o poder era conferido aos mais fortes, aos mais capazes, aos chefes e aos sucessores e herdeiros dos clãs e tribos. (ROUSSEAU, 1996)
Essa transferência de poder permitiu ao ser humano a transição da condição de selvagem para a de membro do Estado de sociedade. Nessa nova condição havia renúncia à parte da liberdade natural e à posse de bens, armas e riquezas, que eram transferidas ao monraca, este, se investia de autoridade política para comandar o grupo, percebe-se a figura do Estado Absoluto. (ROUSSEAU, 1996)
Outra definição de poder que satisfazia essa realidade era o entendimento do poder como a faculdade de tomar decisões em nome da coletividade. (ARINOSapud BONAVIDES, 2010)
O poder pode, ainda, ser considerado como toda a probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistência, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. (WEBER, 1991)
Quando, da passagem da Idade Média para a Idade Moderna, esse poder passou a ser exercido exclusivamente pelo Estado, foi designado de soberania. (WEBER, 1991)
Nesse sentido, o poder político consistia, originariamente, na possibilidade da imposição aos indivíduos membros de um grupo social, através força, a adoção de determinado comportamento. (WEBER, 1991)
O poder político poderia, portanto, ser definido como aquele que se baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a força física, ou seja, é o poder coercitivo no sentido estrito do termo, tendo como sujeito ativo é aquele que monopoliza as ferramentas de violência, com capacidade para usá-las impondo sua vontade ao sujeito passivo. (MAGALHÃES, 2005)
Nesse sentido a concepção de Estado, definida por Weber, seria a de uma empresa institucional de caráter político onde aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis, incidente sobre a população de um dado território. (WEBER, 1991)
O conceito de poder político evoluiu através dos séculos, limitando a ingerência do Estado na propriedade privada, cabendo a este regular as relações entre particulares. Consolidou-se, ao longo dos séculos, as bases para a implantação o Estado de Direito, com a responsabilidade de assegurar direitos e garantias individuais e submeter todos os cidadãos às leis e às decisões do Poder Judiciário. (ARAGÃO, 2012)
No século XVII, pela obra de John Locke, permitiu-se a classificação das funções estatais em legislativa, executiva, federativa e prerrogativa. A função legislativa cabia ao Parlamento. A função executiva, exercida pelo rei, dividia-se em federativa e prerrogativa, sendo a primeira correspondente às questões referentes às relações exteriores do Estado e a segunda consistente no poder discricionário do governante, de executar o bem público, sem se subordinar a regras (DALLARI, 2003).
No século XVIII, através da obra Montesquieu, aprimora-se a teoria da separação de poderes, e aproxima-se mais claramente da repartição que existe atualmente. Na concepção deste pensador francês, cada Estado tem três espécies de poderes: o Legislativo; o Executivo; e o Judiciário, este último por ele denominado Poder de Julgar. (MONTESQUIEU, 1998)
Aponta-se a separação de poderes, na teoria de Montesquieu como essencial à liberdade dos indivíduos, destacando-se a necessidade de que os três poderes atuem de forma independente. Depreende-se, esta idéia de suas afirmações:
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor (MONTESQUIEU, 1998. p. 167).
Ainda segundo Montesquieu, seria necessário que um Poder freasse o outro Poder, dando origem ao sistema de freios e contrapesos. Sobre o tema esclarece o pensador:
Cada Poder, para ser independente e conseguir frear o outro, necessita de certas garantias, franquias constitucionais. E tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio entre os Poderes e desestabilização do governo. E, quando o desequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o despotismo, a ditadura. (MONTESQUIEU, 1998. p. 28)
Da análise da Teoria da Separação dos Poderes apreende-se que essa perspectiva doutrinária teve como objetivo limitar o poder do Estado, de maneira que impedisse o seu uso de forma indiscriminada, fato que poderia levar a uma significativa desproporção aos que deveriam lhes ser obedientes.
Desta maneira, pensadores como Aristóteles, Locke e Montesquieu apontavam para a necessidade e relevância da limitação do poder, mais especificamente do poder político.
Sendo assim, cada poder deveria ser materializado de uma maneira que viesse a limitar o outro, de forma que se evitasse o estabelecimento de uma esfera deveras poderosa sem que lhe houvesse freios. (MONTESQUIEU, 1998)
Esses pensadores buscaram um modelo de separação de poderes que tivesse uma aproximação mais efetiva do ideal posto por Platão, que trazia a acepção de desconcentração de poder, portanto, entendia a efetivação de funções por indivíduos dadas as atribuições que tivessem, advindo daí o princípio de uma ordem justa, equânime e harmônica. (COUCEIRO, 2013)
Destacando-se assim, esse critério funcional de repartição das funções estatais:
A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada posteriormente, por John Locke, no Segundo Tratado de Governo Civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O Espírito das Leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º de nossa Constituição Federal. (MORAES, 2007. p. 385)
Neste mesmo diapasão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que o compromisso teorizado por Locke e a obra de Montesquieu, O Espírito das Leis, se transformaram nas doutrinas políticas de maior expressividade de todos os tempos ao vislumbrarem o critério funcional de repartição das funções estatais, se constituindo pilares da maioria das organizações políticas e sociais da atualidade, afirma ele, portanto que:
[...] esse compromisso foi teorizado por Locke, no segundo tratado do Governo Civil, que o justificou a partir da hipótese do estado de natureza. Ganhou ele, porém, repercussão estrondosa na obra de Montesquieu, O espírito das leis, que o transformou numa das célebres doutrinas políticas de todos os tempos. (FERREIRA FILHO, 2007. p. 133)
Sobre o tema discorre Alexandre de Moraes em sua obra Direito Constitucional:
Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem independentes, conseguindo frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos, necessitavam de certas garantias e prerrogativas constitucionais. E tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo. E, quando o desequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o despotismo, a ditadura, desaguando no próprio arbítrio, como afirmava Montesquieu ao analisar a necessidade da existência de imunidades e prerrogativas para o bom exercício das funções do Estado. (MORAES, 2007. p. 388)
Logo, constata-se que o princípio da separação de poderes foi fundamental na construção do ordenamento jurídico da maioria das organizações políticas e sociais da atualidade, não sendo o ordenamento jurídico brasileiro uma exceção.
A atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevê a separação dos poderes e repartição de suaas funções em seu artigo 2º que dispõe que são poderes da União o Legislativo, Executivo e Judiciário, evidenciando, ainda, que esses poderes são independentes e harmônicos entre si. (BRASIL, 1988)
Portanto, admite-se que tal classificação, conhecida como o princípio da Separação de Poderes, este em Corrente Tripartite, que foi construída ao longo da história, através das contribuições dos teóricos e filósofos supracitados em divergentes momentos da evolução das sociedades, possibilitou a criação do modelo de legislação atualmente aplicado em diversos países que tem a democracia como sustentáculo. (COUCEIRO, 2013)
No caso da CRFB/1988, a repartição dos poderes constitui princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, restando, consagrado, pelo próprio legislador constituinte como uma das cláusulas pétreas no texto constitucional, expressa no artigo 60, § 4º, III, que dispõe: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] a separação de poderes”. (BRASIL, 1988)
Tais poderes além de harmônicos, também são independentes entre si, a esse respeito, Silva vem ensinar que:
A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar os respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia, ao passo que o Chefe do Executivo incumbe a organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos. Agora, a independência e autonomia do Poder Judiciário se tornaram ainda mais pronunciadas, pois passou para a sua competência também a nomeação dos juízes e tomar outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento, inclusive em matéria orçamentária (arts. 95, 96, e 99)”. (SILVA, 2005. p. 110)
E ainda, nesta mesma linha de pensamento, o referido doutrinador assevera que:
A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA, 2005. p. 110)
Verifica-se, portanto, a partir dessas colocações que a despeito de haver essa independência e autonomia entre os poderes, estes devem também ser harmônicos entre si. Não havendo em que se falar na supremacia de um em detrimento do outro.
Em breves linhas, a estrutura da repartição dos poderes consagra a seguinte realidade, cabe ao Poder Legislativo o ato de legislar e fiscalizar. E ainda, na perspectiva de Alexandre de Moraes também exercem alguns controles, quais sejam o político-administrativo e o financeiro-orçamentário. O primeiro controle seria o ato de analisar o gerenciamento do Estado, de forma que caberia até questionamentos de atos do Executivo. Outra atribuição, prevista no artigo 58 § 3º da CRFB/1988 é a previsão de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), pela de requerimento de 1/3 dos membros dessas casas. (MORAES, 2007)
Por outro lado, o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República conjuntamente com os Ministros que por ele são indicados. Competem a ele os atos de chefia de Estado, em situações, por exemplo, em que há a necessidade de relações internacionais e de governo, também ao assumir as relações políticas e econômicas no plano interno. (MORAES, 2007)
Ao Poder Judiciário cabe a função jurisdicional, consistindo na real aplicação da lei a um caso concreto, sendo-lhe apresentado em função de um litígio. (MORAES, 2007)
1.2 Breve Histórico das Constituições no Brasil
De início evidenciam-se na história do Brasil as seguintes Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 (com a emenda de 1969), e a atual de 1988.
A primeira constituição brasileira, a constituição de 1824, teve sua inspiração buscada em ideologias francesas e inglesas, influenciada por meio de ideais liberais que eram predominantes no fim do século XVII e início do século XIX. (PINTO, 2012).
Esta Constituiçãopassou a vigorar dois anos após a Independência do Brasil, tendo por modelo as monarquias liberais europeias, em particular a França da Restauração.
Ainda sobre as origens históricas da Constituição de 1824, Paulo Bonavides e Paes de Andrade discorrem acerca do alcance, da força de equilíbrio e do compromisso entre o elemento liberal e o elemento conservador que trazia consigo:
Teve, a Constituição, contudo, um alcance incomparável, pela força de equilíbrio e compromisso que significou entre o elemento liberal, disposto a acelerar a caminhada para o futuro, e o elemento conservador, propenso a referendar o status quo e, se possível, tolher indefinidamente a mudança e o reformismo nas instituições. O primeiro era descendente da Revolução Francesa, o segundo da Santa Aliança e do absolutismo. [...] Pelo conteúdo também, porque a Constituição mostrava com exemplar nitidez duas faces incontrastáveis: a do liberalismo, que fora completa no Projeto de Antônio Carlos, mas que mal sobrevivia com o texto outorgado, não fora a declaração de direitos e as funções atribuídas ao Legislativo, e a do absolutismo, claramente estampada na competência deferida ao Imperador, titular constitucional de poderes concentrados em solene violação dos princípios mais festejados pelos adeptos do liberalismo. (BONAVIDES; ANDRADE, 1991. p. 105)
Sobre sua importância, por ser uma obra pioneira, preocupou-se em romper com uma tradição de controle absoluto do poder e inseriu o império recém-criado em um regime constitucional, ainda que isso tenha se dado de maneira sutil. (MENDES, 2008).
Quanto à Constituição de 1891, estabelecida em um contexto de fim da monarquia e início da república, esta possuía espírito republicano e forte influência do positivismo, não fazia menção a Deus em seu preâmbulo e trazia em seu texto a abolição da pena de morte, a instituição do federalismo, a ampliação do voto direto e a previsão de quatro anos para o mandato de presidente da república.
Com a Constituição Federal de 1891, o Brasil implanta, de forma definitiva, tanto a Federação quanto a República. Por esta última, obviam - se as desigualdades oriundas da hereditariedade, as distinções jurídicas quanto ao status das pessoas, as autoridades tornam - se representativas do povo e investidas de mandato por prazo certo. (BASTOS, 2002. p. 173)
Ainda nesse processo histórico, evidencia-se a Constituição de 1934, promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932. A Constituição de 1934 traz em seu texto as marcas de um país que, até então, vinha sendo governado por meio de Decreto pelo Chefe de Estado, Getúlio Vargas. A sua redação teve como principais aparatos de fontes a Constituição alemã de Weimar e a Constituição republicana da Espanha de 1931.
Presidido por Getúlio Vargas, o país realiza nova Assembleia Constituinte, instalada em novembro de 1933. A Constituição, de 16 de julho de 1934, traz a marca getulista das diretrizes sociais e adota as seguintes medidas: maior poder ao governo federal; voto obrigatório e secreto a partir dos 18 anos, com direito de voto às mulheres, mas mantendo proibição do voto aos mendigos e analfabetos; criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho; criação de leis trabalhistas, instituindo jornada de trabalho de oito horas diárias, repouso semanal e férias remuneradas; mandado de segurança e ação popular. Essa Constituição sofreu três emendas em dezembro de 1935, destinadas a reforçar a segurança do Estado e as atribuições do Poder Executivo, para coibir, segundo o texto, "movimento subversivo das instituições políticas e sociais". (SENADO FEDERAL)
Em seqüência, há a criação da Constituição de 1937, comumente conhecida como Constituição do Estado Novo, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de Novembro de 1937, mesma data da implantação da ditadura do Estado Novo. Em seu texto evidencia-se a centralização de poder voltada para a figura do, então, Chefe de Estado, Getúlio Vargas, sofrendo forte influência da Constituição autoritária da Polônia.
Sobre os efeitos de tal constituição, Paulo Bonavides e Paes de Andrade afirmam que
O processo legislativo não foi exercido pelo Congresso Nacional, devido ter este se mantido fechado durante todo o regime autoritário de Vargas, sendo este detentor de poderes para a edição de decretos-leis, fazendo a usurpação dos poderes legislativos para si. Isto afetou inclusive o sistema federativo, conforme lecionado por Paulo Bonavides e Paes de Andrade, pois os Governos estaduais acabaram sendo interventoras federais, sendo a centralização e o espírito unitarista a nota dominante do sistema. Contudo não se enfraqueceu somente no plano vertical, mas também no horizontal aonde o poder Executivo possuía uma hegemonia sobre os demais poderes, típico do regime autoritarista. (BONAVIDES; ANDRADE, 2002. p. 418)
Posteriormente à Constituição de 1937, tem-se, em 18 de setembro de 1946, a promulgação da Constituição de 1946, conhecida como a Constituição da República Populista, e a edição do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que acabaram por consagrar as liberdades que foram expressas na Constituição de 1934 e que haviam sido retiradas do texto da Constituição de 1937.
O texto da Constituição de 1946 colocava fim ao estado autoritário que vigia no país e trazia á luz a busca por um estado democrático:
Pela própria circunstância em que se dá aprovação da Constituição de 1946, não poderiam restar dúvidas de que ela tinha um endereço muito certo: tratava-se de pôr fim ao Estado autoritário que vigia no País sob diversas modalidades desde 1930. Era, pois, a procura de um Estado democrático que se tentava fazer pelo incremento de medidas que melhor assegurassem os direitos individuais. (BASTOS, 1998, p. 126)
Em meados da década de 60, o contexto histórico que imperava no país evidenciava o autoritarismo através da política da chamada Segurança Nacional, cujo intuito era o de combater aos inimigos internos do regime.
Com sua gênese em 1967, o Congresso Nacional foi conservado pelo regime militar, no entanto, este detinha domínio e controle sobre o Poder Legislativo, sendo dessa forma a proposta de constituição encaminhada pelo Poder Executivo aprovada pelos parlamentares.
Percebe-se, portanto, que a constituinte era exercida pelos próprios militares.
Nessa seqüência histórica, surge a Constituição de 1988, também conhecida como constituição cidadã. A partir desta Constituição vê-se aberta a possibilidade de um Estado Democrático de Direito no Brasil.
1.3 A Constituição Federal de 1988 face ao Sistema de Direito Common Law
No ano de 1985, mais especificamente no dia 27 de novembro, o então Presidente José Sarney de Araújo Costa, por meio da Emenda Constitucional 26, convoca a Assembléia Nacional Constituinte, com a finalidade de elaborar um novo texto constitucional que trouxesse em seu bojo a nova realidade social que havia se instaurado no país, ou seja, o processo de redemocratização após o término do regime militar.
Com seu marco inicial em 05 de outubro de 1988, a nova Constituição inaugura uma nova estrutura jurídico-institucional ampliando os direitos civis, bem como as garantias individuais. (SENADO FEDERAL)
Uma das inovações, no intuito de modificar as relações econômicas, políticas e sociais, possibilita o direito ao voto para analfabetos e para os jovens de 16 a 17 anos.
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. § 1º - O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. (BRASIL, 1988)
Foram estabelecidos, ainda, novos direitos voltados para o trabalhador, como por exemplo, a redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas, o seguro-desemprego, bem como as férias remuneradas acrescidas de um terço do salário. (SENADO FEDERAL)
Essa nova Constituição ainda trazia previsão expressa acerca do formato das eleições, direitos trabalhistas, liberdade sindical, criação de instâncias como o Supremo Tribunal de Justiça, criação de instrumentos garantiam os direitos individuais, entre outras mudanças que modificavam as relações econômicas, políticas e sociais dentro da sociedade brasileira:
Instituição de eleições em dois turnos; direito à greve e liberdade sindical; aumento da licença-maternidade de três para quatro meses; licença-paternidade de cinco dias; criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em substituição ao Tribunal Federal de Recursos; criação dos mandados de injunção, de segurança coletivo e restabelecimento do habeas corpus. Foi também criado o habeas data (instrumento que garante o direito de informações relativas à pessoa do interessado, mantidas em registros de entidades governamentais ou banco de dados particulares que tenham caráter público).Destacam-se ainda as seguintes mudanças; reforma no sistema tributário e na repartição das receitas tributárias federais, com propósito de fortalecer estados e municípios; reformas na ordem econômica e social, com instituição de política agrícola e fundiária e regras para o sistema financeiro nacional; leis de proteção ao meio ambiente; fim da censura em rádios, TVs, teatros, jornais e demais meios de comunicação; e alterações na legislação sobre seguridade e assistência social. (SENADO FEDERAL)
No que tange ao Common Law, ou direito costumeiro, depreende-se que o direito teve, por muito tempo, sua base em costumes e usos. Este consiste em um Sistema de Direito cuja aplicação de normas e regras não estão escritas, mas sancionadas pelo costume ou pela jurisprudência, tendo por base os precedentes proferidos pelo Poder Judiciário, sendo considerado o caso concreto em separado, ou seja os litígios devem ser resolvidos através de sentenças judiciais anteriores. Nesse sentido Julia MarteliFais e Leda Maria Messias da Silva
O Common Law, mais conhecido como direito não escrito, possui origem anglo-saxônica e tem por base os precedentes proferidos pelo Poder Judiciário, o qual considera separadamente cada caso. Em princípio o Common Law não é constituído por leis que envolvam vários casos, o que quer dizer que a análise do Direito é feita de forma casuística, ou seja, parte de vários casos particulares para outros particulares. Na verdade, o Direito americano se divide em dois: o direito criado pelo Juiz e o Statute Law, que se constitui de normas codificadas. (FAIS; SILVA 2006))
No entanto, em países como o Brasil, houve a codificação de tais costumes e usos, de forma que estes foram transformados em leis positivadas.
Ao se pautar por essa perspectiva de direito baseada em costumes, poder-se-ia questionar se existiria uma aplicabilidade de tal feito no direito brasileiro em razão das distinções entre esses dois sistemas de direito, o Civil Law, adotado pelo Brasil eo Common Law adotadopor países de origem anglo-saxônica como Inglaterra e Estados Unidos.
As diferenças básicas entre os dois sistemas se resumem nas seguintes questões: o Common Law possui uma filosofia pragmática, portanto, ele parte do caso concreto para solucionar as controvérsias presentes e futuras, enquanto que o direito brasileiro é dedutivo, ou seja, ele parte das construções teóricas para então estabelecer os princípios. Assim temos o último constituído por elementos formais e o primeiro por elementos variáveis. (FAIS; SILVA 2006)
Sendo assim, pode-se definir de forma genérica o Common Law como direito costumeiro, cuja principal fonte é a jurisprudência, possuidor de caráter interpretativo e através da qual os juízes produzem o chamado “Direito Comum”. (FAIS; SILVA, 2006)
Cumpre, ainda, ressaltar que os princípios e os costumes desse sistema são reconhecidos, ainda que de forma tácita, pelo poder legislativo. (FAIS; SILVA, 2006)
Contudo, a definição do Common Law, em particular, o americano, não foge da definição acima, a não ser por um acréscimo: as leis escritas. Portanto, pode-se dizer que o Direito americano seria composto de Common Law e Civil Law. (FAIS; SILVA, 2006)
Assim como no Commom Law, que se ancora em jurisprudências, há também situações em que, no direito brasileiro, o magistrado venha a se ancorar em decisões de outros tribunais para fundamentar sua decisão, por isso, pode-se dizer que se encontra, afinal, uma correlação entre esses sistemas jurídicos, especialmente entre oCommon Law americano e o Civil Law brasileiro. Exemplo disso é a ascensão do direito internacional através dos acordos internacionais. (FAIS E SILVA, 2006)