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Ilegalidade da expulsão ou transferência compulsória de estudante

Agenda 16/06/2014 às 09:28

O presente artigo trata da ilegalidade das medidas disciplinares de expulsão ou de transferência compulsória de estudante

A doutrina especializada, com respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal, se manifesta pela ilegalidade das medidas disciplinares como a expulsão ou transferência compulsória de estudantes, haja vista a garantia constitucional de permanência na escola.

Há que se distinguir, contudo, a situação do aluno simplesmente indisciplinado do aluno autor de ato infracional. Segundo definição do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 103), considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Destarte, toda conduta típica prevista no Código Penal, na Lei das Contravenções Penais e nas leis penais esparsas, quando praticada por criança ou adolescente, será considerada um ato infracional.

O ato de indisciplina escolar, por sua vez, representa o descumprimento de uma norma explícita no Projeto Político Pedagógico da escola, ou implícita em termos escolares e sociais. Nesse sentido, Luiz Antônio Miguel Ferreira entende que o ato de indisciplina traduz-se em um desrespeito, ‘seja do colega, seja do professor, seja ainda da própria instituição escolar (depredação das instalações, por exemplo). (A indisciplina escolar e o ato infracional. Disponível em: https://www.mp.sp.gov.br/portal/page?_pageid=346,791350&_dad=portal&_schema=PORTAL Acesso em 13/12/2007).

Desse modo, conclui-se que nem todo ato indisciplinar corresponde a um ato infracional e, portanto, podem ter eles consequências distintas. A competência para apurar a prática de ato de indisciplina praticado por criança ou adolescente é da própria escola. Porém, é preciso seguir as formalidades do procedimento para sua apuração, o qual deverá estar previsto no Regimento Escolar, assim como a falta disciplinar e sua respectiva sanção. Assegurada a ampla defesa e o contraditório, a penalidade poderá ser aplicada ao aluno faltoso.

Tratando-se de ato infracional, sua prática deverá ser comunicada à polícia judiciária e ao Juizado da Infância e Juventude, que tomarão as providências cabíveis, independentemente das consequências no âmbito da administração escolar.

Dentre as medidas mais graves que frequentemente são tomadas pelo estabelecimento de ensino, estão a expulsão e a transferência compulsória de alunos considerados “problemáticos”, medidas estas que vêm gerando diversas discussões acerca de sua eficácia e legalidade.

No que concerne à eficácia, é preciso ressaltar que a escola não possui somente a função de ensino didático, visa também à formação de cidadãos responsáveis e conscientes, plenamente aptos ao convívio social.

Não é recomendável que as escolas procurem se livrar do problema obrigando o aluno indisciplinado a se matricular em outra instituição de ensino. Pelo contrário, têm elas a obrigação de propiciar um tratamento adequado que busque o desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente. O aluno que é expulso ou “convidado a se retirar” acaba desenvolvendo um sentimento de rejeição e anormalidade, interferindo em sua capacidade de aprendizagem. É bem verdade que as escolas têm o direito e o dever de impor limites e criar obrigações, porém, impor limites não significa determinar medidas autoritárias, abusivas e, acima de tudo, ilegais.

Assim, deve-se partir do princípio de que a educação é um direito de todos, destina-se ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e ao preparo para o exercício da cidadania, conforme dispõe o art. 205. da Constituição Federal:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com o objetivo de conceder eficácia à educação, a Constituição Federal estabeleceu diversos princípios, dentre eles, o de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Significa dizer que todos têm o direito de ingressar na escola e nela permanecer, sem distinção de qualquer natureza. Nesse sentido, orientação do Ministério Público do Paraná (disponível em: https://www.mp.pr.gov.br. Acesso em 14/10/ 2003):

O acesso não pode ser impedido a qualquer criança ou adolescente. Todos possuem o direito à matrícula em escola pública ou particular. Existindo a recusa em razão de preconceito de raça, caracteriza-se, nesse caso, uma infração penal. O art. 6º, da Lei nº 7716/89 tipifica como crime recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau, cominando ao comportamento uma pena de privação de liberdade de três a cinco anos.

A garantia de permanência significa que não se admite a exclusão da escola do aluno indisciplinado, do portador de vírus HIV, dos portadores de deficiência, etc. (O direito de permanência na escola. .

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O princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola também foi repetido no art. 53. do Estatuto da Criança e do Adolescente e no art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96):

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo e exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

(omissis)

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

(omissis)

O direito de acesso e permanência na escola é medida de proteção à criança e adolescente, no sentido de prevenção da mendicância, trabalho precoce, prostituição e delinquência. A esse respeito, o pediatra José Ricardo de Mello Brandão, na pesquisa intitulada “Adolescente infratores em São Paulo: retrato da exclusão social?”, conclui que:

a maior parte dos meninos infratores tem um histórico de abandono ou expulsão do ambiente escolar. A escola é o elo perdido do adolescente infrator (in Permanecer na escola tira jovens do crime. Disponível em https://www.uol.com.br Acesso em: 14 out. 2003).

Portanto, ao visar o preparo para o exercício da cidadania, a escola não pode prever sanções de exclusão do aluno, o que seria, no mínimo, contraditório. Expulsar pode ser entendido como repassar o problema. É preciso que a escola cumpra seu papel de educadora e disciplinadora, respeitando e apoiando, para que o educando retribua com respeito e adesão.

As medidas adotadas têm agido como um paliativo, não resolvendo satisfatória e nem adequadamente a questão. Faz-se necessária, então, a elaboração de um Projeto Político Pedagógico adequado, que deverá estabelecer previamente e, de forma clara, as regras de disciplina, bem como as respectivas sanções, além da indicação da instância encarregada da apreciação e aplicação da medida disciplinar, que jamais importem na exclusão do aluno do sistema educacional e nem o submeta a vexame ou constrangimento.

O Projeto Político Pedagógico deverá, na apuração do ato de indisciplina e na aplicação de eventual sanção, respeitar os princípios da legalidade, contraditório e ampla defesa previstas no art. 5o da Constituição Federal, a fim de inviabilizar os atos arbitrários e ilegais do estabelecimento escolar.

Portanto, ao visar o preparo para o exercício da cidadania, a escola não pode prever sanções de exclusão do aluno, o que seria, no mínimo, contraditório. É preciso que a escola cumpra seu papel de educadora e disciplinadora, respeitando e apoiando, para que o educando retribua com respeito e adesão.

A escola deverá, ainda, ater-se ao caráter educativo pedagógico das sanções disciplinares, procurando, sempre, prevenir os atos de indisciplina com a orientação dos alunos sobre os seus direitos e deveres. O procedimento administrativo para apuração e julgamento do ato indisciplinar, não deverá ultrapassar o âmbito escolar.

Dessa forma, entende-se que a instituição de ensino tem legitimidade para prever em seu regimento normas disciplinares, desde que, evidentemente, tais medidas estejam voltadas à conscientização do aluno, não sejam puramente arbitrárias, além de não restringirem o seu direito de acesso e permanência na escola.

O Regimento Escolar pode ser definido como ato administrativo que regula as organizações administrativas, didáticas e disciplinares do estabelecimento de ensino, obedecendo aos princípios constitucionais e a legislação no âmbito federal e estadual.

Vale lembrar, igualmente, que as sanções disciplinares não podem afrontar a garantia ao acesso e permanência na escola, nem acarretar vexame ou constrangimento indevido aos alunos, sob pena de inadmissível abuso do poder de punir que, em vez de corrigir o ato de indisciplina, apenas perpetua a cultura de arbitrariedade e desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa.

As sanções disciplinares cabíveis para os casos mais graves constituem-se em: advertência; suspensão da frequência às atividades da classe, sendo vedada no período de provas e sem prejuízo ao aprendizado escolar; reparação do dano causado voluntariamente ao patrimônio público ou particular; retratação verbal ou escrita; mudança de turno e a mudança de turma.

No entanto, toda e qualquer medida adotada deve levar em conta, necessariamente, a condição da criança e do adolescente de pessoa em desenvolvimento.

Além das sanções supra mencionadas, é fundamental que a escola possibilite o diálogo, o tratamento psicológico adequado, promovendo, a todo o momento, a participação dos pais e da comunidade no processo pedagógico.

Por fim, é preciso desmistificar a ideia da necessidade da expulsão ou transferência compulsória como imposição de limites, pois, como já vimos, imposição de limites não pode redundar em medidas ilegais.

Sobre a autora
Mayra Silveira

Mestre em Direito pela UFSC. Servidora do Ministério Público de Santa Catarina, lotada no Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Mayra. Ilegalidade da expulsão ou transferência compulsória de estudante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4002, 16 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28293. Acesso em: 22 dez. 2024.

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