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Eficácia horizontal do devido processo laboral.

Reflexões sobre o direito fundamental a um procedimento trabalhista justo como fator de controle do poder privado empregatício

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Agenda 10/05/2014 às 14:38

4. Eficácia Horizontal do Due Process Laboral: Possíveis Implicações Práticas

Na esteira do exposto, seria possível propugnar, neste momento, pelo menos dois importantes flancos de aplicação prática dessa construção intelectiva.

O primeiro condiz com um aspecto individual, mais precisamente no que tange ao exercício do poder empregatício disciplinar. É que, malgrado a Constituição Federal, expressamente, resguarde “aos acusados em geral” a garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), o fato é que na grande maioria das relações trabalhistas essa cláusula constitucional é flagrantemente negligenciada.

Homero Batista Mateus da Silva demonstra toda a sua perplexidade ao destacar que, segundo a sistemática jurídica infraconstitucional:

“o empregado não precisa ser informado do que está sendo acusado, o que corresponde a uma situação esdrúxula depois de tantos anos de discussão sobre o direito ao contraditório e sobre o valor da liberdade. O empregador pode impedir o acesso do empregado à empresa, avisando-o dispensado, e somente revelar o teor da acusação em processo trabalhista, se e quando o empregado ajuizar a demanda. Mesmo em sede de homologação de verbas rescisórias, constará apenas a alegação de justa causa, sem obrigatoriedade de fornecimento de maiores explicações”[52].

Temos que, mercê dessa disposição constitucional e por força da incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, impõe-se que reflitamos com maior seriedade e profundidade a possível aplicação da garantia do contraditório e da ampla defesa no bojo dos contratos de trabalho, no sentido de se instaurar alguma instância prévia de diálogo como instrumento de legitimação democrática do poder empregatício disciplinar[53]. E cremos que, para isso, o desenvolvimento da ideia de devido processo laboral é mesmo de grande valia, mais agudamente a incidência de sua específica dimensão processual (procedural due process laboral).

Já o segundo campo de aplicação é alusivo a um aspecto metaindividual. Para tanto, acreditamos ser um excelente material de investigação o discutidíssimo “caso EMBRAER”[54], que suscitou uma série de debates a respeito dos limites do poder empregatício de resilição contratual em massa, ou seja, aquele que atinge grande número de trabalhadores, produzindo impacto considerável na sociedade local[55].

O precedente jurisprudencial elaborado para reger o caso convalidou a necessidade de uma instância prévia de diálogo sindical com vistas a controlar e legitimar o exercício do poder de resilir em massa, ajustando-o a especiais diretrizes materiais, tais como a boa-fé objetiva, a função social do contrato, proporcionalidade e solidariedade[56]. Mais que isso: malgrado não faça referência expressa, cremos que tal decisum reconheceu de forma patente o que já se revelava latente na ordem jurídica: a necessidade de incidência de um devido processo laboral em casos que tais.

Neste caso, todavia, ao que tudo indica, através de uma tônica um pouco mais complexa. Expliquemo-nos: de saída, a ênfase recai sobre a incidência do devido processo laboral em sua dimensão substantiva (substantive due process laboral), conduzindo ao reconhecimento da ilegitimidade de tirânicas resilições contratuais coletivas, remetendo-se, em seguida, agora diante da incidência daquela dimensão processual (procedural due process laboral), a uma necessária instância de debate com vistas à saída mais adequada para todos os envolvidos, com alguma harmonização prática dos interesses em jogo – por força da preciosa atuação dos entes sindicais, inclusive com auxílio, quem sabe, do próprio Ministério Público do Trabalho, à vista da larga relevância social que de regra promana de contendas dessa natureza[57].

Aliás, cumpre acentuar, por pertinente, que um dos grandes julgamentos que serviu para recrudescer a dimensão material do devido processo legal perante a jurisprudência norte-americana se deu no famoso caso Lochner v. New York (1905), ocasião em que a Suprema Corte estadunidense declarou incompatível com a Constituição lei daquele Estado que fixara jornada máxima de trabalho para os empregados de padaria (bakers). Na oportunidade, reconhecera, para tanto, que a garantia do devido processo legal assegurava aos empregados e empregadores a faculdade de livremente contratarem a duração do trabalho diário, sem qualquer interferência do Poder Público, decisão que, por certo, "desautoriza, em específico, as normas pretensamente cogentes, que buscavam disciplinar as relações de emprego em benefício das partes economicamente menos favorecidas (empregados), relações essas ainda vistas sob a ótica privatista e sobremodo complacente com as desigualdades que grassam na ordem social"[58].

Mas a dicção indefinida e até mesmo enigmática dessa locução constitucional, aliada à sua enorme pujança axiológica, fizeram com que a cláusula do devido processo legal “se transmudasse em um autêntico standard de justiça, ao sabor das variantes histórico-culturais de cada tempo e lugar”[59]. De fato, veja-se que, antes, rente ao estuário liberal, a vertente substancial da cláusula do due process of law serviu para negar a própria interferência estatal nas relações trabalhistas em socorro da classe trabalhadora, conforme a decisão exarada no citado caso Lochner v. New York.

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Mas não é possível pensar o Direito à revelia de seu contexto cultural. Deveras, exsurge inescapável ao intérprete, como ser de seu tempo, o mister de contextualizar o debate, desta feita à luz do Estado Democrático de Direito e da força normativa dos princípios constitucionais, bem assim atento à portentosa relevância jurídica hoje impressa aos direitos fundamentais, passando a construir uma exegese comprometida com os preceitos materiais fincados na Constituição Federal e mais condizente com o ideário solidarístico fomentado em nossa atual conjuntura sociojurídica. Não sem razão este texto vindica uma hermenêutica que, à luz da eficácia horizontal do due process of law, também sirva para atribuir controle sobre o próprio conteúdo de atos patronais desarrazoados e injustos, largamente ofensivos a direitos fundamentais e por vezes impactantes à própria sociedade local.

 Nota-se, dessa forma, tanto no caso envolvendo aspecto individual (combate à tirania do poder empregatício disciplinar) quanto no caso envolvendo aspecto metaindividual (combate à tirania de açodadas resilições contratuais coletivas), o suscitar de um nível de reflexões que decerto legitima a defesa de um ainda pouco estudado direito fundamental a um procedimento trabalhista justo, como corolário material da promissora noção de devido processo laboral –vetor principiológico esse que, por sua vez e de sua parte, conforme dimanado do gênio criativo de Guilherme Guimarães Feliciano, sintetiza desdobramento específico da cláusula geral do due process of law, quando submetida às peculiaridades da racionalidade juslaboralista.


5. Aportes Conclusivos

A cláusula do devido processo legal é um diamante que os juristas não se cansam de lapidar. E este texto é, antes de tudo, mais um singelo esforço no bojo dessa delicada labuta.

Deveras, certos da incidência do due process of law também no âmbito das relações privadas, sugestionamos então que se reflita a respeito da incidência horizontal da cláusula do devido processo laboral perante as relações trabalhistas. Gizamos, com isso, sem embargo de outros desdobramentos futuros, alguma problematização a respeito do exercício do poder privado empregatício, em suas facetas disciplinar (aspecto individual) e concretizadora da prática de dispensas coletivas (aspecto metaindividual).

Propusemo-nos, pois, em essência, ofertar mais alguma contribuição crítica diante do figurino flagrantemente arbitrário que há décadas reveste o exercício do poder empregatício.

Não sem razão, asseveramos, neste compasso, que o estudo da eficácia horizontal do devido processo laboral viabiliza acentuado avanço teórico, condizente, a um só tempo, com a democratização do poder empregatício[60] e com a humanização do contrato de trabalho, medidas inteiramente coerentes com a elevada centralidade que a Carta Federal empresta à dignidade da pessoa humana, à solidariedade e também aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, III e IV, e art. 3º, I).

Trata-se, como se percebe, de proposta científica que, em última instância, também se destina a salvaguardar máxima concretude aos direitos fundamentais (CF, art. 5º, §1º), com franca melhoria da condição social do homem-trabalhador (CF, art. 7º, caput). Como sempre, tudo em busca da real efetividade da axiologia constitucional – hodiernamente, a mais legítima referência hermenêutica para todo e qualquer intérprete do Direito.

É bem verdade que outros aspectos jurídicos podem vir a encorpar ainda mais a argumentação aqui alinhavada. Da mesma forma, outros desdobramentos jurídicos podem dela advir, havendo, também, por outro lado, boas críticas a enfrentar. Por conta disso, as discussões podem e, no fundo, devem mesmo ter prosseguimento. Quiçá de nossa própria parte, em momento oportuno e à luz de um novo fôlego científico.


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Sobre o autor
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: ney.maranhao@gmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney. Eficácia horizontal do devido processo laboral.: Reflexões sobre o direito fundamental a um procedimento trabalhista justo como fator de controle do poder privado empregatício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3965, 10 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28301. Acesso em: 22 dez. 2024.

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