Nos últimos anos é comum a atuação da fiscalização do trabalho e do Ministério Público do Trabalho junto a pequenos ateliês de costura e confecção, empresas de fundo de quintal, e que prestam trabalho para grandes grifes e casas de moda nacionais e internacionais. Não raras vezes há trabalhadores, crianças e/ou adolescentes, sem registro de CTPS, e que trabalham mais de doze horas por dia prestando serviços em condições insalubres e, não raro, perigosas1.
Mas qual é a responsabilidade das grandes marcas e grifes?
Aqui faço duas afirmações, que talvez sejam as respostas mais imediatas a ser dadas, antes de apresentar a versão que entendo mais adequada:
1. Não são responsáveis, afinal tem um contrato de natureza civil para com os ateliês e empresas de confecção (também chamadas prestadoras) e, em razão disso, são totalmente irresponsáveis, já que os trabalhadores são contratados e estão subordinados aos prepostos destas últimas.
2. É caso de terceirização de serviços, onde a responsabilização, por força da súmula 331 do TST, é subsidiária.
Nenhuma das opções é a correta, a meu ver.
Em casos como estes o que está sendo produzido, além da peça de vestimenta, é o modelo para a fixação da marca. Os desenhos, posições de costuras, bolsos, botões, dupla gola, e etc., são gestados pelas grandes marcas e repassadas à execução pelos ateliês e empresas de confecção. As grandes empresas fixam seu estilo, forma de ver e fazer a moda e que, inclusive, condiciona a vida das pessoas (da maioria das pessoas) hoje formatada especialmente para o consumo2. Fixam, portanto, suas marcas, forma de ver o mundo e de o “mundo” ver o mundo junto a estas peças de roupa por elas (im)postas (ao) no mercado. É por isso que, pelo critério de subordinação estrutural/objetiva, hoje consagrado pelo artigo 6º, parágrafo único, da CLT3, a relação de emprego forma-se diretamente para com as grandes grifes e casas de alta costura e não para com os ateliês e empresas de confecção.
Os empregados destes últimos, na verdade, executam o modelo das grandes grifes, seus desejos, “sua” moda, mas o fazem por interposta pessoa (ateliês e empresas de confecção) a fim de que, em cada peça, seja fixada não apenas a marca mas também o modo de vida, de ver e sentir a vida, fatos estes também vendidos ao consumidor final4. E é daí que surge, como já se pode ver acima, a nominada subordinação estrutural/objetiva por parte do trabalhador às grandes grifes e casas de moda, situação esta equiparada à subordinação subjetiva não mais por interpretação doutrinária e jurisprudencial, mas pela CLT, onde receber ordens indiretas mas vinculadas de forma estrutural, conforme modelo havido pela “empresa mãe”, faz do trabalhador empregado de toda a estrutura, portanto, da empresa dona do modelo (grandes grifes e empresas de moda). É esta, no final das contas, quem gera e administra a forma de execução e prestação do trabalho a fim de fixar a sua marca, conforme seus únicos e exclusivos critérios e interesses.
A situação é similar (mas não igual evidentemente) a das empresas automobilísticas com uma diferença: não raras vezes, nestes casos, a condição social e laboral havida dentro das empresas chamadas sistemistas é mais benéfica aos trabalhadores, o que permitiria, em tese, conforme artigo 7º, cabeça, da CF/88, pela melhoria da condição social, a anotação da CTPS pela empresa contratada.
Também há evidente diferença para os casos de contrato de franquia em que há um franqueador e um franqueado.
Assim, em poucas linhas, pode-se ver que as grandes grifes e casas da moda são as responsáveis diretas pelo trabalho havido por parte dos “empregados” dos ateliês e empresas de confecção, trabalho este muitas vezes análogo ao de escravo e em linhas de produção precárias e de “fundo de quintal”, devendo primeiro elas (grandes grifes e casas da moda) e não as prestadoras (estas podem ser até responsável solidárias por força do artigo 942, parágrafo único, do Código Civil de 20025), efetuar a anotação da CTPS do trabalhador, além de pagar o piso previsto na norma coletiva a elas aplicada, sem prejuízo, das medidas administrativas e mesmo penais previstas em lei e indenização moral individual e coletiva.
Legislação há para combater a epidemia do trabalho precário e humilhante junto aos ateliês de costura e empresas de confecções. Cabe aplicar a norma vigente, determinando a assinatura da CTPS, bem como o pagamento das verbas laborais previstas na lei, indenizações morais nos planos individual e coletivo, por parte das grandes grifes.
Notas
1 V. http://terramagazine.terra.com.br/blogterramagazine/blog/2014/05/05/mpf-denuncia-quadrilha-por-manter-bolivianos-escravos-em-linha-da-zara/ - acesso 05 de maio de 2014.
2 BAUMAN, ZYGMUND, Vida para o consumo; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008.
3 Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
4 Ver o filme O Diabo Veste Prada em que a personagem principal de Meryl Streep argumenta de forma veemente que não são as pessoas comuns que escolhem suas vestimentas, inclusive as cores a ser usadas, mas sim as grandes casas da costura internacional.
5 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.