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Direito fundamental à liberdade de expressão.

Ampliar para fortalecer a democracia

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Agenda 19/05/2014 às 10:00

Analisa-se a relação do direito à liberdade de expressão com os casos Rachel Sheherazade, Diogo Mainardi e Daniel Alves. Coteja-se a amplitude desse direito no Brasil, Estados Unidos e Europa, inclusive abordando questões relacionadas ao discurso do ódio.

1.Primeiras considerações.

Anteparo de todas as demais liberdades, o direito à liberdade de expressão é gênero do qual são espécies as liberdades de comunicação, ou seja, a liberdade de imprensa, a liberdade de manifestação do pensamento e o direito de acesso à informação.

A liberdade de expressão, apoiada pelo direito de reunião, de proibição à censura e também plasmada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (dos quais o Brasil é signatário), atua assegurando o direito de informar, de ser informado, de criticar, de buscar, de receber e de divulgar informações e ideias e sua principal missão consiste em evitar pontos de vista hegemônicos ou únicos, bons ou ruins, politicamente corretos ou incorretos, provindos que sejam do Estado, da imprensa, da igreja, de partidos, de instituições de ensino e pesquisa, de historiadores, sociólogos, cientistas, cidadãos, entre outros.

Assim sendo, a liberdade de expressão é quem sustenta a pluralidade e a convivência de ideias, por vezes opostas entre si, a tolerância para com quaisquer opiniões e a noção de que, em um ambiente democrático pleno, mesmo o intolerante há de ser tolerado.

Contudo, no Brasil, a amplitude que se tem conferido à liberdade de expressão, mais caro instrumento assegurador dos apanágios da democracia, bem distante do alcance à larga que se lhe atribui em Países mais desenvolvidos, entre nós tem assumido compleição cada vez mais restritiva, e disso tem-se que embora nos pareça exagerado atribuir a tal compreensão a pecha de tíbia, no mínimo cabe-lhe ser classificada como tímida e insuficiente, conforme abaixo descortinamos.

1.1- O caso Rachel Sheherazade e a indesejável aplicação restritiva do direito à liberdade de expressão.

Embora aceita a noção de que não existem direitos absolutos e por isso a liberdade de expressão (assim como outros direitos fundamentais) possa ser concretamente ponderada, e, se for o caso, ceder passo a outros direitos (por exemplo, se colide com a dignidade da pessoa humana ou com direitos à intimidade, privacidade, imagem, etc.), insculpa-se, não se pode limitar restringir a alcançadura de tal direito por empecimentos, decorrentes de raciocínios simplistas, preconceitos ou movidos que sejam por patrulhas “politicamente corretas”, pois isso, por certo, fará nossa democracia capengar ou mesmo cair para não mais levantar-se.

O conhecido caso Rachel Sheherazade constitui um bom exemplo de o quão muito ainda haveremos de caminhar para que a liberdade de expressão, no Brasil, alcance sua plenitude e assim cumpra sua missão constitucional. Eis, pois, o fato em brevíssima digressão:

Rachel Sheherazade, apresentadora de um jornal televisivo, ao comentar a notícia de que um assaltante fora preso e amarrado a um poste por populares, emitiu a seguinte opinião:

“Em um País que ostenta incríveis 26 mortes a cada cem mil habitantes, que arquiva mais de 80% dos inquéritos de homicídio, com polícia desaparelhada e Estado omisso e que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado, contra um estado de violência sem limites. Aos Defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”.

Dada a repercussão da opinião manifestada pela jornalista, dois deputados federais (do PSOL e do PC do B) apresentaram representação junto ao Ministério Público ao propósito de que fosse denunciada por apologia ao crime. Não bastasse isso, em outra ponta ( segundo informa Felipe Moura Brasil (em 14/04/2014, em seu Blog), o Ministro da Secretaria de Comunicação Social convocou representante da emissora SBT para manifestar seu “desconforto” com as declarações da apresentadora.

Nesse comboio de intolerância, Sheherazade recebeu críticas principalmente dos ditos setores “progressistas” da sociedade, aqueles que costumam apelidar de “reaças”(reacionários) qualquer um que não comungue de sua visão de mundo ou mesmo de sua ideologia e que por isso, de seus adversários, recebem a pecha de “esquerdopatas”.

Dentre as muitas cargas despejadas sobre Sheherazade, de aviões carregados de artefatos falazes “politicamente corretos”, até mesmo o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro – entidade que deveria levar às últimas consequências a defesa do sacrossanto direito de um jornalista emitir opinião –, lançou fortes bombardeios contra a jornalista, ao fazer publicar contra ela desprecatado expediente (nota de repúdio) em que sentenciou que a referida manifestação, além de malferir o código de ética jornalístico, constituiria “atentado contra os direitos humanos”.

É claro que não se pode ter por lícita ação de cidadãos que exercem arbitrariamente suas próprias razões (aliás, isto é tipificado como crime pelo Código Penal), ou seja, que façam justiça com as próprias mãos, mas é imperioso que a sociedade, tanto quanto o próprio Estado, sem “senãos”, defenda o direito de todos quanto vivam ao império do Estado Democrático de Direito externarem suas opiniões. Aliás, nesse caso, como efeito secundário, ter-se-ia o encorajamento de um novo comportamento da sociedade brasileira, que nas rodas intimas manifesta pontos de vista que se pode classificar como conservadores, mas ao púlpito, por conveniência ou receio de patrulhas, exterioriza somente os lugares comuns das convenções politicamente corretas.

No caso em debate, as informações mais recentes cuidam que, embora a opinião lançada por Rachel Sheherazade estivesse longe de ser capitulada como apologia ao crime ou que possa ser classificada como “discurso do ódio”i, sua sinceridade custou-lhe caro, pois, assim como seus colegas de trabalho, por ação da própria emissora de televisão que os emprega, foi proibida de emitir opiniões sobre os fatos que noticiar. Ou seja, os jornalistas e a própria democracia foram vítimas de um fenômeno que, embora recorrente entre nós, pouco se tem deitado atenção: a execrável censura privada, que, aliás, anos antes, foi publicamente defendida pelo dono da rede de televisão SBT. Confira-se, pois:

“Na faculdade o jornalista aprendeu a escrever o que deseja. Na minha televisão, se quiser trabalhar comigo vai ter que dizer a inflação foi de 2, 3, 8%, só. Não vai poder dizer a inflação foi de 8 %, que coisa! Vai ter que dar a notícia e só! E se puder elogiar, elogie. Esta é a filosofia da minha empresa e dos jornalistas que quiserem trabalhar comigo. Se não quiserem, comprem um jornal, ganhem uma concessão de televisão!”

Contudo, o que mais há de preocupar é que este cerceamento à liberdade de expressão não decorreu somente da vileza espontânea dos dirigentes da emissora, não se verificou apenas por móvel próprio (como mesmo haveria de se inferir tomando em conta as declarações de seu proprietário, que, como se registrou logo acima, deu a conhecer sua detestável política de não permitir a emissão de juízos de valor por seus jornalistas), mas por indevida pressão de alguns desavisados seguimentos sociais e, pasmemos, também de um órgão estatal (conforme acima se referiu).

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Tal menoscabo à liberdade de expressão, constate-se, infelizmente decorre de antolho que afeta a visão tanto de “centropatas”, categoria onde há de se incluir boa parte dos concessionários de rádios e televisões, quanto de “esquerdopatas”, “destropatas”, além, claro, dos que se auto proclamam defensores da moral e dos bons costumes.

1.2 - O caso Mino Carta (Editora Confiança) versus Diogo Mainardi (Editora Abril/Revista Veja): jornalista versus jornalista.

Outro caso recente ilustra a estreita compreensão sobre a abrangência da liberdade de expressão, inopinadamente, por parte dos próprios jornalistas. Confira-se, pois.

Diogo Mainardi e a Editora Abril/Revista Veja tiveram contra si ação indenizatória, em decorrência de danos morais, movida por Mino Carta e a Editora Confiança. A causa de pedir residia na publicação de dois artigos na Revista Veja denominados “Observatório da imprensa”e “Mensalão da imprensa”, cujos cernes das supostas ofensas manifesta-se nos seguintes excertos:

“Mino Carta, por outro lado, é subordinado a Carlos Jereissati. Tem a missão de atacar Dantas. E de defender a ala lulista representada por Luis Gushiken.”

“O Mensalão não é só para deputados. Há também o mensalão da imprensa. No último número da revista Carta Capital, quase 70% dos anúncios eram do governo federal. Lula sempre soube remunerar direito seus aliados. Carta Capital é João Paulo Cunha dos semanários. O José Janene. O Valdemar Costa Neto.”

Eis, pois, uma esdrúxula situação em que um jornalista se vê processado por outro, em pleno exercício de seu mister.

Neste caso, no entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou razão aos autores da ação (supostamente ofendidos) asseverando que “a liberdade de imprensa é una, e os que se dedicam a explorar os meios de comunicação devem suportar com resignação as críticas, tanto mais se utiliza delas com largueza, porque é certo que aquele que critica alguém está obrigado a aceitar que esse alguém lhe critique em resposta – trata-se de hipótese em que a conduta da vítima diminui a amplitude dos seus direitos à personalidade.”ii

Portanto, a Corte Paulista, trazendo para os trilhos a melhor compreensão sobre o significado e a importância do direito à liberdade de expressão, fez aplicar aos debates jornalísticos o vetusto e sábio adágio: “quem sai para dar, leve um saco para trazer”.


2.A liberdade de expressão nas democracias mais desenvolvidas.

Diante desse quadro que expõe a visão apertada que, no Brasil, ainda conferimos à liberdade expressão, cumpre, nesta singela assentada, perlustrar-se o exercício da liberdade de expressão em países que o tomam como valor inviolável, cuja abrangência, em largura, comprimento e altura, somente poderá sofrer limitações em excepcionalíssimas hipóteses.

Nos Estados Unidos, mesmo o discurso do ódio (hate speech) não é proibido, e isso é assegurado pela primeira emenda à Constituição Estadunidense que veda ao legislador ordinário o estabelecimento de cerceios à liberdade de expressão, de imprensa ou de reunião pacífica.iii Por lá, crê-se que ideias e discursos, por mais ofensivos que sejam, devem ser refutados com outros discursos ou por outras ideias. As únicas possibilidades de regulação dizem respeito à “imposição de conteúdo neutro”, tais como volume de alto-falantes nas proximidades de escolas, hospitais ou em bairros nas horas reservadas ao descanso noturno ou mesmo medidas para a segurança durante desfiles ou protestos. Restrições com base no conteúdo somente são admitidas, se disserem respeito à incitação à violência iminente, se for plausível, ou seja, se detém a propriedade de produzir, de forma imediata, a violência que apregoa.iv

Assim, um discurso será tolerado mesmo que apregoe o ódio contra judeus ou afro-descendentes, latinos, imigrantes, homossexuais, etc., pois, segundo entendem os estadunidenses, tais discursos, por mais repulsivos que possam ser não terão o poder imediato de desencadear a violência. Neste particular, somente não receberá guarida da Primeira Emenda o discurso cujo conteúdo implique em, por exemplo, um orador conclamar sua plateia a atacar com violência física a todos os que presentes no mesmo local de uma manifestação não comunguem de suas ideias ou pertençam a outros grupos. Nessa linha, a Suprema Corte dos Estados Unidos já considerou legítima até mesmo uma manifestação de partidários do nazismo em um bairro judeu ( “Collin vs. Smith”, 1977), contando inclusive com o apoio de uma das principais entidades de defesa dos direitos civis dos Estados Unidos – a “American Civil Liberties Union” (ACLU) – que se postou a favor da causa dos nazistas, por conceber que a liberdade de reunião/expressão deveria alcançar a todos indistintamente, inclusive aqueles que manifestavam ideias que provocavam a repulsa geral (merecendo registro que a ACLU era liderada por David Goldeberger, um advogado judeu).

Contudo, à luz da liberdade de expressão, merece apartada reflexão o discurso do ódio como umas das causas do genocídio de Ruanda. Vejamos então:

Em Ruanda, no ano 1994, uma emissora de rádio (Rádio RTML) realizou transmissões diárias para incitar o ódio contra os Tutsis, por exemplo, comparando-os com baratas que precisavam ser exterminadas. Além disso, identificavam-se os locais onde se escondiam para que fossem massacrados.

Tendo tal fato contribuído decisivamente para um dos maiores genocídios da história humana, queremos crer, mesmo nos Estados Unidos não receberia proteção do direito a liberdade de expressão, embora, naquele País, por certo, houvesse quem cogitasse da incidência da liberdade de expressão caso existissem, na época, em Ruanda, várias outras estações de rádio com permissão para comunicar pontos de vista contrários, pois nesse caso a comunicação plural seria suficiente para combater o referido discurso e assim evitar o quase extermínio dos Tutsis.

Essa crença inabalável na liberdade de expressão fez com que os Estados Unidos, assim como também o Reino Unido, emitissem reservas ao art. 20, do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos onde determina que “qualquer apologia do ódio em relação à nacionalidade, raça ou religião que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência deve ser proibida por lei”.

Na Europa continental, no entanto, palmilhou-se caminho completamente oposto, eis que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou o “discurso do ódio” indigno de qualquer proteção ao afirmar que é necessário “proibir todos os tipos de expressão que advogue, incite e promova o ódio com base na intolerância”v(embora, ao contrário do que seria desejável, esta determinação não vem sendo observada, a julgar-se por uma certa indulgência em relação a ascensão de partidos e organizações extremistas, além da frequência com que insultos racistas tem sido dirigidos a jogadores de futebol).

Ainda na Europa, na Alemanha, por exemplo, conquanto a dignidade da pessoa humana (e não a liberdade de expressão) seja o direito fundamental com maior valoração (dispõe a lei fundamental alemã, art. 1º, que a dignidade humana é inviolável), o discurso do ódio é legislativamente repelido. Assim, os teutônicos proíbem manifestações, como as que acima se referiu, fundadas sejam em etnia, nacionalidade, origem ou religião. Contudo, malgrado a liberdade de expressão, neste País, não possua a compleição quase absoluta como nos Estados Unidos, por lá este direito agrega um diferencial que o coloca como modelo a ser seguido por Países como o Brasil, onde o pleno Estado Democrático de Direito ainda está em processo de afirmação e aperfeiçoamento: na Alemanha compreende-se a liberdade de expressão como garantia do pluralismo de ideias e, diferentemente do que se dá entre os estadunidenses, tal direito não é invocável pelo indivíduo apenas contra o Estado, mas também nas relações entre os particulares, neste caso atuando dimensão objetiva do direito à liberdade de expressão que reclama um agir por parte do Estado a fim de garantir uma difusão plural de ideias e pontos de vista.

Deste modo, não por outra razão, conforme exemplifica Daniel Sarmento,vi esta direção foi apontada no caso Blinkfüervii em que o Estado-Juiz garantiu proteção a um periódico semanal de pequena circulação, de orientação comunista, contra as pressões exercidas por outro jornal maior e com maior poderio econômico, que ameaçava interromper a distribuição de seus exemplares aos jornaleiros que também vendessem aquele semanário.

Por conseguinte, como ponto de interseção, tem-se que nas principais democracias do mundo a preocupação com liberdade de expressão vai bem além de simplesmente protegê-la contra a ação do Estado. Por lá, leva-se a efeito um princípio também presente em nossa Constituição Brasileira: o princípio da proteção suficiente, que em linhas gerais traduz o dever estatal de efetivação de direitos, ou sob enfoque que conferimos, nestas nossas considerações, representa o mandamento que impõe ao Estado a feitura e aplicação de leis ou adoção de medidas que garantam o pleno exercício das liberdades, entre as quais, é claro, a liberdade de expressão.


3- Medidas para alargar o alcance do direito a liberdade de expressão.

3.1 – Autonomia e estabilidade para jornalistas empregados.

Bem ao largo de defendermos uma fairness doctrineviii à brasileira ou a tosca ideia de um “controle social dos meios de comunicação”, medidas estas, diga-se passagem, desnecessárias e perigosas para a democracia – e que, aliás, não possuem autorização constitucional, pois nem mesmo o “respeito aos valores éticos e sociais e da família” na produção e programação de rádios e televisão (reclamado pelo art. 221, IV, da Constituição Federal) permite ingerência estatal nos conteúdos da grade de programação das emissoras (muito mais no que se refere a informação jornalística, onde a Constituição, expressamente, em seu art. 220, § 1º, dispõe que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço a sua plena liberdade) –, aqui defendemos a independência daqueles que fazem circular informações, relatos e opiniões (assim entendendo-se, repórteres, colunistas, articulistas, redatores, apresentadores, etc.) em relação à linha editorial, política ou ideológica dos dirigente de veículos de comunicação, para assim garantir-se sua autonomia intelectual, criativa e investigativa.

Com efeito, evitando-se que jornalistas fiquem a mercê de uma “censura privada”, como sói ocorrer em oligopólios televisivos e jornalísticos, onde as matérias devem enaltecer ações dos amigos e enxovalhar as ações e reputações dos inimigos, uma imensa e indispensável contribuição será dada para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Nessa ordem de idéias, considerado que, em boa hora, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a aplicabilidade da Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67), por entendê-la incompatível com a atual ordem constitucional (ADPF 130), que em seu lugar o Congresso Nacional aprove, não um novo estatuto da imprensa, mas diploma legislativo que assegure a inviolabilidade de todo jornalista, seja em relação a notícias e informações que veicular, notícias e informações que comentar, opiniões que emitir, matérias que escrever e que, se por isso for demitido, afastado ou suspenso, que se garanta poder ser imediatamente reintegrado ao emprego, mantendo-se estável por pelo menos cinco anos, além de se lhe garantir o exercício da mesma função que antes exercia sem nenhuma interferência interna ou externa.

3.2 – Biografias não autorizadas.

Também para que a árvore democrática cresça frondosa, um importante adubo que se lhe pode ministrar é a não exigência de prévia autorização para a divulgação de imagens, escritos e informações, com finalidade biográfica, de pessoas cujas trajetórias pessoais, artísticas ou profissionais tenham dimensão pública ou estejam inseridas em acontecimentos de interesse da coletividade, sejam estas políticos, artistas, desportistas, etc., pois este alcance largo que se há de conferir a liberdade de expressão representará um importantíssimo passo para que nos aproximemos mais de países com processos democráticos mais avançados, onde, mencione-se, há muito não se cogita de tal exigência.

3.3 – Opiniões de cidadãos de cargos públicos, detentores de mandatos, pessoas natural ou jurídica que manuseio dinheiro público.

Opiniões de particulares/cidadãos ou jornalistas sobre as ações de ocupantes de cargos públicos, detentores de mandatos ou quaisquer pessoas que manuseiem dinheiros públicos, devem ser protegidas. Neste caso, somente se lhe poderá impor reprimenda penal ou indenização cível quando o fato assacado for manifestamente inverídico ou como se dá nos Estados Unidos quando a “figura pública” lograr demonstrar que o emissor da declaração a publicou com “má fé real”, isto é, que agiu com prévio conhecimento de que a informação era falsa ou visava apenas prejudicar o caráter, a boa fama ou a reputação.ix

3.4 – Controle de verbas publicitárias estatais.

É de todo necessário que os veículos de comunicação tenham autonomia em relação ao Estado, por ser inegável que a democracia, até mais que no direito de votar e ser votado, se sustenta e se fortalece pela livre circulação de ideias. Para tanto é necessário que o Congresso Nacional crie mecanismos para combater a pressão exercida por maus governantes que utilizam verbas destinadas a propaganda dos atos estatais para calar a crítica ou promover proselitismo pessoal ou partidário. Ou seja, é preciso expungir a odiosa prática de se destinar verbas para anúncios publicitários para a imprensa dita amiga, useira e vezeira de panegíricos, e negar tais patrocínios aos adversários de suas políticas.

3.5 – Novas concessões com transparência.

É demanda urgente que se combata a atuação de grupos de comunicação hegemônicos, mas em lugar de se fechar emissoras de rádio e televisão, vezo de tiranos mal disfarçados da América Latina, que com transparência se estimule o surgimento de uma comunicação social realmente plural, com a abertura de novas concessões, não a “padrinhos” ou apaniguados de ocupantes de cargos políticos, mas para quem de fato reunir austeros critérios fixados em lei.

3.6 – O consumidor e liberdade de expressão.

Dado que as pessoas jurídicas de direito privado podem sofrer danos morais (Súmula STJ 227) – em vista de que a proteção dos direitos da personalidade se lhes aplicam (Art. 52, do CC) –, urgentemente, deve o Estado legislar para conferir proteção aos consumidores para que possam expor suas críticas e opiniões sobre produtos e serviços de empresas sem receio de se verem processados e eventualmente condenados a indenizar a empresa que lhes prestou um serviço ruim ou lhes forneceu um produto com defeito ou sem qualidade.

3.7 – A liberdade de expressão e a “censura togada”.

Para que o próprio Poder Judiciário não acabe por instituir uma espécie de “censura togada”, a apreensão de livros, jornais ou periódicos, proibição de matérias em blogs e sítios, entre outros veículos, deve ser lavada a efeito tão somente quando houver séria e efetiva violação de direitos da personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem). A ofensa deve, pois, ser analisada objetivamente e meros melindres não podem ser tomados como justificativa para que tais medidas de força sejam levadas a efeito. Portanto, neste caso somente deve haver atuação judicial quando: a) a informação for manifestamente inverídica ou tenha evidente propósito difamatório; ou, b) quando a publicação for frívola e inútil para quem a recebe e, ao mesmo tempo, atente contra a honra, a imagem, a intimidade, a privacidade, infância ou outros valores da pessoa a qual a manifestação se refere. Desta última hipótese, constituem exemplos a publicação de fotos sensuais de pessoa (com ou sem notoriedade) e que tenham saído de sua esfera de vigilância contra a sua vontade, pornografia infantil, etc.

3.8 – A liberdade de expressão e o direito de resposta.

Tendo em vista que lei de imprensa foi declarada inconstitucional, conforme já fizemos referência, o direito de resposta constitucionalmente assegurado, atualmente, não possui nenhum tratamento ordinário. Assim, é necessário que o Congresso regulamente a matéria não só o direito de resposta proporcional ao agravo, mas que seja exercido de forma mais ampla possível. Ou seja, deve o Poder Legislativo instituir diploma regulamentar que permita ao ofendido contrapor-se aos fatos assacados contra sua pessoa, refutar acusações, opiniões ou juízos de valor e ter também garantido o direito à última palavra. É que, neste caso último, é necessário que se combata sestro de quase todos os veículos de comunicação (televisões, rádios, imprensa escrita, blogs e sites da Internet) que após publicarem a resposta do ofendido, adicionam mais considerações reafirmando ou defendendo suas posições. A cada nova manifestação que se garanta ao ofendido o direito de objetá-la.

Sobre o autor
Airton Portela

Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal e ex-Analista do MPF e ex-Advogado de militância privada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTELA, Airton. Direito fundamental à liberdade de expressão.: Ampliar para fortalecer a democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3974, 19 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28550. Acesso em: 22 nov. 2024.

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