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O princípio da razoabilidade e a compensação de crédito tributário

Agenda 17/05/2014 às 16:06

A utilização do princípio da razoabilidade como justificativa para extinguir o crédito tributário através da compensação.

Uma coisa que faz perder o sono da maioria das pessoas é a preocupação em quitar alguma dívida já vencida como, por exemplo, a fatura do cartão de crédito; um cheque sem fundos; uma nota promissória; um dinheiro emprestado de algum amigo ou parente; e assim vai.

Dependendo do caso, aquele que tem o direito de receber o dinheiro (credor) também possui uma dívida com o seu mesmo devedor. Nesta situação, se ambas as partes acharem por bem, podem realizar um acordo e compensar as dívidas e os créditos existentes entre elas, fazendo com que, no grosso modo da palavra, fique “elas por elas”. E isso não é diferente entre o contribuinte e o Estado.

O Código Tributário Nacional (CTN), como é visto no artigo 156, inciso II, prevê que uma das hipóteses de extinguir o crédito tributário é através da compensação. Um exemplo claro é quando um Estado X é credor de um contribuinte que está inadimplente com algum tributo de sua competência (ex.: IPVA). Por outro lado, o mesmo contribuinte (devedor) é credor do Estado X através de um precatório[1]. Assim, Estado e contribuinte podem compensar as dívidas/créditos entre um e outro.

O Estado de Minas Gerais, por força da Lei nº 19.407 de 30 de dezembro de 2010, autoriza a realização de acordos diretamente com os seus credores de precatórios, podendo celebrar a compensação do crédito tributária e a consequente extinção das dívidas/créditos:

Art. 1° O Estado de Minas Gerais fica autorizado a realizar acordos diretos com os credores de precatórios alimentícios e comuns, relativos a sua administração direta e indireta, conforme o disposto no inciso III do § 8° do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – da Constituição da República.

[...]

§ 3° Nos acordos diretos, poderá ser realizada compensação do crédito do precatório com débito líquido e certo inscrito em dívida ativa constituído contra o credor original, seu sucessor ou cessionário.

 

É notória a vantagem de extinção de crédito tributário na modalidade compensatória, haja vista que várias complicações e ônus serão poupadas, “em razão da simples amortização dos créditos recíprocos, eliminando-se repetidas transferências ou movimentações de dinheiro e os naturais riscos de atrasos, perdas, etc.”[2]. Além do mais, é infeliz a existência da cultura inadimplente dos Estados brasileiros com suas dívidas de precatórios, mas que pode ser solucionado com a compensação.

Porém, o próprio CTN, em seu art. 170, impõe que “a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, AUTORIZAR A COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”, ou seja, a princípio se não existir autorização em lei, como prevista na mencionada Lei nº 19.407/10, é proibido ao ente tributante concretizar a compensação de crédito tributário mediante precatório.

Muito tem se discutido, na literatura jurídica e nos Tribunais, sobre a exigência de que só a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários. No entanto, numa outra linha de raciocínio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que enfrenta vários descumprimentos judiciais por parte do Governo daquele Estado, decidiu recentemente, apoiando-se nos princípios da segurança jurídica, da coisa julgada material, da moralidade, e, principalmente, no PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, que mesmo não havendo lei regulamentadora, é razoável a compensação de crédito tributário pelo precatório, se não vejamos:

[...] Deveras, recentemente os jornais noticiaram a intenção do Estado de lançar e cobrar os créditos por IPVA, vencidos e não pagos. E seus débitos, pergunto eu, vai pagar? Não. Não vai pagar, não quer pagar, porque, sabe, nada se passa além da indignação. Lamentavelmente não dispõe a ordem jurídica de instrumentos de coerção, com vistas ao cumprimento das decisões judiciais, o que avassala e amesquinha o Poder Judiciário, abala as instituições democráticas e compromete, quando não põe em risco, o Estado de Direito.

A postura inflexível dos administradores de plantão certamente não passa por leitura menos avisada do Código Penal, da Lei de Improbidade e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se não chegasse a tanto, ao menos não é moral.

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E o Ministério Público?

Então, o princípio da razoabilidade, a que se soma, para o caso, o da moralidade, este expressamente previsto no artigo 37 da Constituição, conduzem a ponderar o peso da norma legal (art. 78 do ADCT) à ordem de não permitir produza resultado indesejado pelo sistema e fazer a justiça do caso concreto.

E não é razoável permitir que o Estado exija do Agravante o pagamento do IPVA, no valor de aproximadamente R$ 3.000,00 (três mil reais) e lhe esteja a dever mais R$13.909,54. [...]

APELAçÃO. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO ENTRE DÉBITOS DE IPVA E CRÉDITO ORIUNDO DE PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 

Ainda que inexista lei autorizando a compensação tributária no Estado do Rio Grande do Sul, porquanto o art. 170 do CTN constitui regra meramente autorizativa, dependendo a compensação da vontade do ente tributante local, não é razoável permitir que o Estado exija do autor o pagamento do IPVA e lhe esteja a dever quantia bem superior a título de precatório. Apelação provida, por maioria[3].

Visualiza-se, assim, como é importante a peculiaridade da compensação, mediante precatório, como meio de extinguir o crédito tributário (colocando em alta a principiologia da solidariedade entre contribuinte e ente tributante, a segurança jurídica, a economia processual e do dinheiro público), mesmo em confronto ao art. 170 do CTN, como bem mencionou o brilhante fundamento da razoabilidade manuseada pelo Tribunal de Justiça gaucha.


[1] Precatório é o instrumento pelo qual o Poder Judiciário requisita, à Fazenda Pública, o pagamento a que esta tenha sido condenada em processo judicial. Grosso modo, é o documento pelo qual o Presidente de Tribunal, por solicitação do Juiz da causa, determina o pagamento de dívida da União, de Estado, Distrito Federal ou do Município, por meio da inclusão do valor do débito no orçamento público. (Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.fazenda.sp.gov.br/contas/precatorios/. Acessado em 16 de maio de 2014).

[2] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, 8. ed., p. 375.

[3] TJRS - Processo: AC 70053160925 RS Relator(a): Genaro José Baroni Borges Julgamento: 03/04/2013 Órgão Julgador: Vigésima Primeira Câmara Cível Publicação: Diário da Justiça do dia 11/04/2013

Sobre o autor
Getúlio Costa Melo

Proposta de valores - https://drive.google.com/file/d/1HX5OQVf6R--MuhqjYieLowQ0BL5-kR-j/view?usp=sharing Advogado inscrito nos quadros da OAB/MG sob o nº 146.361. Atua diretamente na Comarca de Barbacena - MG desde a data de 02 de agosto de 2013. Forte experiência em advocacia de massa e como correspondente jurídico em todo o Estado de Minas Gerais.

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