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Além do acesso à informação

Agenda 18/07/2014 às 08:44

As possibilidades de acesso à informação são infinitas e imprevisíveis. O administrador público está lidando com um novo contexto e, apesar da resistência natural, necessita entender a lei como uma forma de interagir com a população beneficiária, fortalecendo seus processos de governança.

Refastelado no sofá, entre pipocas e controles remotos, assisto ao clássico filme “Dossiê Pelicano” (EUA, 1993), blockbuster da minha juventude. Em determinado momento, a personagem Darby Shaw, encarnada pela bela Julia Roberts, busca um determinado documento e a atendente do guichê nega a esta, quando então Darby invoca a Lei de Liberdade de Informação (conhecida como FOIA -Freedom of Information Act, de 1966), logrando êxito em acessar à informação que a permitiu desvendar o intrincado mistério fundamental da trama do filme.

A feição do filme, partir de 2012, temos no Brasil uma legislação similar, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527 de 18/11/2011, mas que pela vacância legal entrou em vigência apenas em 16/05/2012), que regula após mais de duas décadas os arts. 5º, XXXIII; 37, § 3º, II; e 216, §2º, da Constituição Federal de 1988, mas em especial o art. 5 º, que indica que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” trecho que atesta o direito fundamental ao acesso à informação, tema do presente artigo.

A legislação novel instrumentaliza o cidadão, como exemplificado na película estadunidense, no acesso as informações públicas, que permitam a defesa dos seus direitos e os da coletividade. Entretanto, não o instrumentaliza de um dia para o outro, sendo o primeiro passo de uma grande jornada, na qual os esforços de todos cidadãos são necessários, para garantir as gerações futuras uma vida mais igualitária .

Mas, que revolução silenciosa é essa que promove o acesso à informação? O que muda o cotidiano de nós, cidadãos comuns, esse dispositivo? É apenas uma discussão de transparência ou é algo mais, relacionado a uma sociedade democrática e a relação dos cidadãos com os governantes eleitos e com a burocracia estatal? Perguntas diversas, de um processo em franco amadurecimento, que utilizarei para provocar os leitores, em momento histórico tão profícuo.

Não basta apenas acessar... Necessitamos, como cidadãos, saber o que fazer com este acesso à informação. Consubstanciado na citada norma e documentos decorrentes, essa inovação tem o condão de transformar a nossa relação com o Estado, em especial em uma conjuntura de crescente acesso à internet, na profusão de informações pelos indivíduos, no contexto chamado de “Big data” e seus miraculosos prodígios, muitas vezes superestimados.

Para se debruçar sobre essa questão, é preciso entender o contexto do acesso à informação, sintetizado no trecho da Lei que diz “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”. A ideia mater da norma é que as informações públicas devem ser, via de regra, facultadas aos interessados, independente de motivação, e que isso deve ser garantido e regulado, como direito que é, consideradas as peculiaridades de harmonização com outros direitos fundamentais.

E essa informação deve ser disponibilizada com a maximização possível, pois o Estado, no trato do interesse público, dos bens coletivos e dos direitos sociais, produz e armazena informações e essas possibilitam que o cidadão defenda seus interesses e lute pelos objetivos coletivos, servindo-se desses dados, inclusive, para fiscalizar a gestão desse mesmo Estado, no fenômeno de mitigação da chamada “assimetria informacional”, na visão delegatória da ação estatal.

Isso tudo é muito novo, é confuso para o cidadão médio, que por vezes confunde o acesso à informação com providências estatais, ignorando o potencial de ter esses dados disponíveis. Pedidos sobre questões pessoais de servidores, discos voadores e pelejas de processos pessoais pululam nos pedidos mais comuns e com todo respeito a essas demandas e sua legitimidade, a nossa imaturidade política, já conhecida, nos impede de aplicações mais estratégicas na garantia de uma ação estatal de maior qualidade.

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Ao mesmo tempo que a lei recebe grande adesão de jornalistas, advogados e pesquisadores científicos, na sua busca pela verdade, cada qual a sua maneira, espera-se que com o amadurecimento desta, possam se apropriar dela com a mesma força os movimentos sociais e as organizações não governamentais, como ferramenta de interação com os governos na busca de construir a melhoria da gestão e a garantia de direitos, em um processo capitaneado com maestria pela esfera federal, e que se espraia,  as vezes com alguma lentidão, entre outros entes e poderes. Resistências serão esperadas nessa luta, por óbvio...

Países mais amadurecidos no acesso à informação relatam dificuldades crônicas em alguns segmentos, verdadeiras casamatas na resistência a esse processo, mas cremos que o reconhecimento das populações desse novo direito, líquido mas nem tão claro assim no contexto cotidiano, fortalecerão o dispositivo, incluindo este na agenda nacional a cada situação emblemática surgida, para que o cidadão exerça um direito que hoje ele desconhece, via de regra.

Não basta a internet... Para a participação e o controle social, para uma sociedade mais democrática, é necessário a transparência ativa, que disponibiliza o que pode ser interesse da população e a transparência passiva, que garante à informação solicitada de forma customizada. Fugir disso é viver em uma pseudotransparência, de pensarmos ser acessível algo diante de um panorama translúcido.

Como tudo na vida, é um processo, no qual as pedras fundamentais foram lançadas, em um caminho sem volta e que faz todos repensarem as suas dinâmicas. Os riscos existem, na maximização de outros direitos em oposição ao acesso à informação, e ainda, a valorização da informalidade, evitando o registro que possibilita a divulgação. Mas, os ganhos compensam!

Subterfúgios a parte, o movimento de acesso à informação vai amadurecer a luz desses detratores, fortalecido pelo rompimento do paradigma da curiosidade em relação aos dados para uma busca de informações que possibilitem realmente a interação produtiva coma gestão estatal, no fortalecimento da atuação do controle social, pela via dos conselhos, movimentos sociais, ONGs ou ainda, pelo cidadão solitário a frente da tela de seu computador.

As possibilidades são infinitas e imprevisíveis... O administrador público, nesse cenário, está se reeducando para conviver no contexto do acesso à informação, e apesar da resistência natural, necessita entender a lei como uma forma de interagir com a população beneficiária, fortalecendo assim seus processos de governança.

Os limites da privacidade, a garantia do acesso, os riscos da fidedignidade, o uso útil e a razoabilidade dos pedidos. Os desafios na implementação da cultura de acesso à informação, um dos diedros da democracia, transcende a questão da tecnologia e de disponibilidade de computadores. É uma questão cultural, de vivência democrática, em um trem que demoramos a embarcar e pagamos preços caros por isso.

No jogo de forças de uma sociedade, o acesso a informações se apresenta como mecanismo ímpar do cidadão e dos movimentos organizados, sendo de forma primordial a condição necessária, mas não suficiente, para uma sociedade democrática.

Sobre o autor
Marcus Braga

Doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ (GPP/PPED/IE/UFRJ). Auditor Federal de Finanças e Controle. CV em http://lattes.cnpq.br/6009407664228031

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Marcus. Além do acesso à informação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4034, 18 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28892. Acesso em: 22 dez. 2024.

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