Pouco antes de eu completar 5 anos de idade, o homem pousou na Lua. Na época morava na cidade de Eldorado, SP, para onde minha mãe tinha mudado com os filhos por causa das visitas constantes e violentas da Ditadura à nossa residência em São Paulo. Lembro-me de ter visto a alunissagem pela nossa televisão marca ABC, que era preto e branco tinha um seletor de canais barulhento e 4 pés rosqueados no chassis. Minha casa ficou cheia naquele dia. Naquela época nem todo mundo tinha TV em casa e os vizinhos se reuniam nas poucas casas que tinham o aparelho para ver as coisas mais importantes.
“É um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade.”
Os EUA gastou uma fortuna para mandar o homem à Lua. Em plena Guerra Fria a superação da URSS na corrida espacial era um imperativo moral, militar e civilizatório que a imprensa não questionava. A relação custo/benefício do programa espacial norte-americano não era seriamente avaliado, as despesas não eram um problema. Qualquer crítica que se fizesse em publico aos gastos com o programa Apollo eram interpretados automaticamente como traição ideológica ou, pior, suspeita de militância comunista (algo que nos EUA dava cadeia e no Brasil era certeza de tortura e possível execução).
O que restou do programa Apollo? Nada além de um punhado de poeira e rocha lunar nos laboratórios, lixo no espaço e na Lua e as belas imagens que hoje podem ser vistas na internet http://pt.wikipedia.org/wiki/Apollo_11 . Mesmo assim ainda, não vemos muitos jornalistas questionarem os benefícios do esforço humano e financeiro que levou Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin à Lua para que a humanidade pudesse ver fotos e imagens inéditas da águia pousando em outro planeta.
O espetáculo da alunissagem foi e continua sendo mundial. Se caráter elitista é evidente, mas raramente é objeto de discussão séria. O respeitável público não pode acompanhar os pioneiros, pois apesar das promessas maravilhosas e intensamente divulgadas o capitalismo ocidental fracassou. O admirável mundo livre não foi capaz de popularizar as viagens ao espaço. Apenas os Estados ricos mantém programas espaciais dispendiosos que beneficiam uns poucos seres humanos. O mais perto que 6 bilhões de seres humanos chegaram e chegarão do espaço é subindo ao alto de uma montanha ou de um prédio. Ver as imagens produzidas no espaço por uma elite seleta de astronautas é o que estamos condenados a fazer.
Em 1970 o Brasil ganhou a Copa do Mundo http://pt.wikipedia.org/wiki/Copa_do_Mundo_FIFA_de_1970. Apesar da repressão, censura e tortura, o país ficou eletrizado. Quem não tinha TV viu nosso grande feito pelo rádio, que então era mais popular que a TV. O futebol era e é o esporte do povo brasileiro. Não fomos e não iremos à Lua, mas podemos ir aos estádios. Não conversamos com astronautas, mas os jogadores moram logo ali. Muitos deles saíram e ainda saem das periferias pobres e cidades mortas do interior do país. Os heróis do programa espacial já estavam distantes do povo brasileiro na Terra. Os heróis do povo nos campos de futebol não precisam ir à Lua para para nos alegrar. Quando eu era criança ninguém brincava de astronauta, mas em qualquer terreno baldio era possível ver dois bandos de moleques correndo atrás de uma bola e, eventualmente, trocando sopapos por causa dos inevitáveis choques e discussões.
A Copa do Mundo do Brasil estar sendo celebrada pela imprensa como a maior festa em solo brasileiro desde a década de 1950. Mas não é isto o que está ocorrendo. Por razões mesquinhas e eleitorais os jornalistas questionam o custo dos estádios, reclamam que os mesmos não ficaram totalmente prontos. Caos aéreo, caos terrestre, caos no metrô, caos nos onibus, caos, caos, caos… Passaremos vergonha, dizem telejornalistas esportivos. Os turistas serão maltratados, dizem os articulistas dos jornais impressos. O esforço feito pelo país para dar uma festa popular ao povo brasileiro é desdenhado, senão condenado.
A Copa do Mundo foi um pequeno passo para o governo e um passo grande demais para o povo brasileiro?
Até o presente momento não vi um único jornalista comparar os gastos na Copa do Mundo com os gastos do Programa Apollo. Esta comparação é pertinente, pois assim como a conquista do espaço foi e é importante para os norte-americanos o futebol foi e é importante para os brasileiros. A longo prazo o Programa Apollo produziu apenas prestígio e imagens. A Copa do Mundo, além de prestígio, está produzindo lucros para os empresários brasileiros e os estádios novos continuarão aí para serem utilizados por décadas. Mas os jornalistas não querem ver isto. Por razões que ignoro eles parecem estar com a cabeça na Lua e certamente vão se arrepender. Ontem, para desespero dos críticos da Copa do Mundo, 63 mil paulistas vaiaram e vibraram com a vitória da seleção brasileira contra a Sérvia. O espetáculo do povo já é um sucesso.