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Devido processo legal à luz do acesso à justiça como garantia constitucional do autor e do réu

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Agenda 01/07/2002 às 00:00

3.Evolução

O conceito do devido processo legal seja procedimental (instrumental viabilizador das liberdades civis) ou substantivo (análise de seu conteúdo substantivo da legislação), tem evoluído no tempo, sendo sobremodo ampliado.

Roberto Rosas, (in, Direito Processual Constitucional: princípios constitucionais do processo civil, 3ª ed., São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 1999, p. 45-46) ensina-nos que "a Constituição assegura aos litigantes (em 1969 – acusados) ampla defesa (art. 5º, LV). Dir-se-á que a regra dirige-se para o processo penal, administrativo ou fiscal. Assim pensa Pontes de Miranda. No entanto, essa restrição deve ser ponderada. O fato de alguém ser acusado não leva fatalmente a entender-se incriminação penal. Na tradição constitucional brasileira essa diretriz era para o processo penal, tanto que desde 1824 falava-se em prisão, culpa formada, nota de culpa, expressões não mais usadas no texto atual. A Constituição italiana considera direito inviolável a defesa em todos os grau de procedimento (art. 24). O Direito italiano ysa a expressão convenuto contumace no sentido de réu revel, como se depreende do ensinamento de Liebman: ‘Contumace è più propriamente, la parte che non si è constituita nel processo, cioè quella che non há provveduto a legitimare il suo difensore, o se stessa in tale qualità, nei casi consentiti presso il giudice della causa’ (Manuale di Diritto Processuale Civile, II/170, 1974)." E conclui: "A Constituição dirige o princípio do contraditório ao processo penal, e não ao processo civil. O direito ao contraditório, no processo civil, é assegurado constitucional numa decorrência da igualdade de todos perante a lei, e esta não exclui o direito da parte defender-se. O direito de defesa é intrínseco ao processo democrático (art. 5º, LV) – (AJ 69.523, RTJ 82/732)."

Marinoni lembra-nos que "convém recordar que o Estado, ao proibir a autotutela privada e assumir o monopólio da jurisdição, obrigou-se a tutelar de forma adequada e efetiva todos os conflitos de interesses, sabendo que para tanto necessitaria de tempo para averiguar a existência do direito afirmado pelo autor. O equívoco, contudo, deu-se quando o Estado, em virtude de receios próprios da época do liberalismo do final do século XIX, construiu um processo destinado unicamente a garantir a segurança e liberdade do réu diante da possibilidade de arbítrio do juiz". [32]

Num pensamento mais evolutivo e dando-se maior elasticidade ao conceito do devido processo legal, Paulo Henrique dos Santos Lucon aduz que "a igualdade interage com o devido processo legal, pois o exercício do poder estatal só se legitima através de resultados justos e conformes com o ordenamento jurídico, por meio da plena observância da ordem estabelecida, com as oportunidades e garantias que assegurem o respeito ao tratamento paritário das partes. Tal é o direito ao processo justo, ou seja, o direito á efetividade das normas e garantias que as leis do processo e de direito material oferecem.

A real consecução do acesso á justiça e do direito ao processo exige o respeito às normas processuais portadoras de garantias de tratamento isonômico dos sujeitos parciais do processo. Ao estabelecer a ordem de atos a serem praticados lógica e cronologicamente, com a observância de todos os requisitos inerentes a cada um deles e a exigência da realização de todos, a lei pretende atingir um resultado de modo a tutelar quem tem razão. Isso significa atingir a ordem jurídica justa, que tem estreita relação com o devido processo legal, pois igualmente pode ser vista como meio e fim; se de um lado é a própria abertura de caminhos para a obtenção de uma solução justa, de outro constitui a própria solução justa que se espera – justa porque conforme com os padrões éticos e sociais eleitos pela nação. Daí porque o devido processo legal é uma cláusula de abertura do sistema na busca por resultados formal e substancialmente justos. Tal é a amplitude que se espera dessa garantia de meio e de resultado, que desenha o perfil democrático do processo brasileiro na obtenção da justiça substancial." [33]

E diz mais: "a garantia constitucional do devido processo legal exige que se dê às partes a tutela jurisdicional adequada. Além disso, aos sujeitos do processo devem ser conferidas amplas e iguais oportunidades para alegar e provar fatos inerentes à consecução daquela tutela". [34]

Para Lucon, "o princípio-garantia do devido processo legal não pretende apenas a observância do procedimento estatuído na lei, com a realização de todos os atos inerentes a ele: pretende também a efetividade da tutela jurisdicional, concedendo proteção àqueles que merecem e necessitam dela". [35]


4. Em busca da instrumental justiça

Neste evoluir, sem dúvida alguma, nos dias de hoje a questão da efetividade da justiça é um problema que nos toca de perto. Já o era a tempo atrás, mas agora toma ares de compromisso ético-político-social com vistas a minimizar o sofrimento daqueles que clamam pela justiça, ainda que lhes falte o conceito do que esta seja, todavia, o que não lhes falta é o senso.

Para Kazuo Watanabe "uma das vertentes mais significativas das preocupações dos processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos". [36]

E continua: "Do conceptualismo e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangentes mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. Não se trata de negar os resultados alcançados pela ciência processual até esta data. O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos -, sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos. É a tendência ao istrumentalismo que se denominaria substancial em contraposição ao instrumentalismo meramente nominal ou formal". [37]

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Para José Roberto dos Santos Bedaque, em sua obra Direito e Processo, "a ciência processual no Brasil encontra-se na fase de sua evolução que autorizada doutrina identifica como instrumentalista. É a conscientização de que a importância do processo está em seus resultados". [38]

Para este mesmo autor "o legislador constituinte percebeu essa circunstância fundamental e, em boa hora, estabeleceu considerável corpo de normas, que integram o direito processual constitucional., pois elevam garantias processuais ao nível máximo da hierarquia das leis, além de consagrar meios específicos para proteção de determinados direitos, com substancial ampliação da legitimidade para agir. [39] Aliás, já notou a doutrina que as grandes matrizes do direito processual cada vez mais encontram-se disciplinadas em texto constitucional". [40]

Nessa linha evolutiva da processualística, o direito processual passou por momento metodológico que a doutrina denomina de autonomia e conceitual. [41] Hodiernamente, cônscios da importância de sua ciência, da imprescindibilidade do instrumento para a própria sobrevivência do direito material, necessário que o processualista passe a se preocupar com os resultados de sua atividade. [42]

Oportuna é a colocação do Prof. Bedaque quando diz que "talvez a noção mais importante do direito processual moderno seja a de instrumentalidade, no sentido de que o processo constitui instrumento para a tutela do direito substancial. Está a serviço deste, para garantir sua efetividade. A conseqüência dessa premissa é a necessidade de adequação e adaptação do instrumento ao seu objeto. O processo é um instrumento, e, como tal, deve adequar-se ao objeto com que opera. Suas regras técnicas devem ser aptas a servir ao fim que se destinam, motivo pelo qual se pode afirmar ser relativa a autonomia do direito processual". [43]


5. A célere prestação jurisdicional como um corolário do Acesso a Justiça

Falar em instrumentalidade do processo é tocar na questão do tempo que leva a prestação jurisdicional, ou seja, o tempo do processo.

Para isso, lançamos mão da singular obra do Prof. Marinoni (Novas linhas do Processo Civil) que trata do tema com muita sensibilidade e ainda, de um escrito seu, publicado no livro "Garantias Constitucionais do Processo Civil" sob o título de "Garantia da Tempestividade da Tutela Jurisdicional".

Para o renomado autor, "a lentidão na justiça civil deve exigir cada vez mais atenção dos estudiosos do processo civil. Não há dúvida de que um dos principais leitmotiv recorrentes na história do processo seja o problema da relação entre a aspiração à certeza – a exigir a ponderação e a meditação da decisão no esforço de evitar a injustiça – e a exigência de rapidez na conclusão do próprio processo. [44]

Luiz Guilherme Marinoni, citando o jurista italiano Vittorio Denti (La giustizia civile, Bologna, II Mulino, 1989, p. 73) aduz que "a tutela jurisdicional somente é efetiva quando é tempestiva". [45]

Marinoni, citando o prof. Donaldo Armelin "Acesso à justiça", cit. pp. 172-173, aduz que a ‘morosidade da prestação jurisdicional sempre foi uma questão a desafiar a argúcia e o talento dos cientistas do processo e dos legisladores. A bula Clementina Saepe demonstra que, há séculos, tal problema afligia a todos, tal como ocorre na atualidade. Todavia não será ele resolvido apenas através de leis, devendo mesmo se arredar tal enfoque que constitui marca de subdesenvolvimento, o de se pensar que problemas marcadamente econômicos possam ter soluções meramente legislativas’.

Marinoni lembra que o "conselho de magistratura italiana já declarou que um juízo lento e intrincado, como aquele imposto à atual organização processual judiciária italiana, dá lugar a fenômenos de compressão dos direitos fundamentais do cidadão". [46]

E continua: "é obvio que a morosidade processual estrangula os direitos fundamentais do cidadão. E o pior é que, algumas vezes, a morosidade da justiça é opção dos próprios detentores do poder. Não é intuitiva, por exemplo, a razão de ser da lei que proibiu, à época do denominado ‘plano collor’, a concessão da medida liminar e a execução provisória da sentença na cautelar e no mandado de segurança? O uso arbitrário do poder, sem dúvida, caminha na razão proporcional inversa da efetividade da tutela jurisdicional. É flagrante, ainda, que o abuso político, e nessa linha a própria desconsideração ao princípio da separação dos Poderes, encontra campo aberto na inefetividade (= lentidão) do processo, sendo suficiente pensar, sob esse enfoque, no controle da constitucionalidade das leis por via direta". [47]

Citando ainda Marinoni, este aduz que "talvez falte vontade política para a redução da demora processual. Tal demora, segundo alguns, não seria meramente acidental, mas fruto de vários interesses, até mesmo o de limitar o afluxo de litígios ao Poder Judiciário. Devemos afastar, porém, a idéia simplista de que o juiz é o culpado pela demora do processo, ou mesmo pela falta de qualidade do seu serviço. Essa questão, obviamente, passa por uma dimensão muito mais profunda, ou seja, pela própria ideologia que permite que o Poder Judiciário seja o que é, pois, como é intuitivo, nada, absolutamente nada possui uma determinada configuração sem razão ou motivo algum. Nessa perspectiva até poderíamos dizer que nenhuma ‘justiça’ é boa ou má, ou efetiva ou inefetiva, já que ela sempre será da ‘forma’ que os detentores do poder a desejarem e, portanto, para alguns, sempre ‘boa’ e ‘efetiva’. Aliás, em pesquisa realizada pelo IDESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos), na qual foram ouvidos 351 juízes de vários Estados, foi alcançada a unanimidade: todos os entrevistados (ou seja, 100%) afirmaram que a justiça é muito lenta. [48]

Para o prof. Marinoni, "a questão da morosidade do processo está ligada, fundamentalmente, á estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos. O bom funcionamento do Poder Judiciário depende de uma série de fatores, exigindo, entre outras coisa, relação adequada entre o número de juízes e o número de processos." [49] E arremata: "a lentidão do processo pode transformar o princípio da igualdade processual, na expressão de Calamandrei, em ‘coisa irrisória’. [50] A morosidade gera a descrença do povo na justiça; o cidadão se vê desestimulado de recorrer ao Poder Judiciário quando toma conhecimento de sua lentidão e dos males (angústias e sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela morosidade da litispendência. [51] Entretanto, o cidadão tem direito a uma justiça que lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável. Como disse Héctor Fix_Zamudio em excelente trabalho tratando da situação da justiça na América Latina, ‘se há elevado a la categoría de derecho fundamental de los justiciables, el de la resolución de los procesos en un plazo razonable’. [52] Aliás, a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, em seu artigo 6º, § 1º, garante que toda pessoa tem direito a uma audiência equitativa e pública, dentro de uma prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 8º - que tem plena vigência no território brasileiro, em face do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal -, afirma que ‘toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável...’". [53]


6. A execução imediata da sentença como alternativa diante da demora da prestação jurisdicional

Todavia, não fiquemos aqui apenas a criticar. Precisamos buscar instrumentos eficazes dentro do ordenamento jurídico que se prestem à isso ou até mesmo propugnarmos para uma reforma neste sentido, embora a expectativa das Lei 10.352 e 10.358 de.... que alteraram substanciosamente alguns dispositivos do Código de Processo Civil, com o fito de dar mais efetividade às decisões de primeiro grau diminuindo-se assim, o tempo da prestação jurisdicional.

Para tanto, o prof. Marinoni nos leva a fazer uma leitura moderna do Artigo 5º, XXXV da Constituição Federal quando diz que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Para ele, "tal norma, segundo uma leitura inicial, consagraria apenas o direito de o cidadão reclamar em juízo contra qualquer lesão ou ameaça a direito". [54]

Mas, sob uma nova visão que atenda efetivamente os escopos sociais do processo faz surgir a idéia de que essa norma constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de uma acesso efetivo à justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. [55]

Lógico e atual é o pensamento de Marinoni ao dizer que "não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais direitos e, portanto, não pode ser pensado com uma garantia fundamental de justiça". [56]

Ao falarmos em tempestividade da tutela jurisdicional, não podemos esquecer do duplo grau que embora útil à democracia, muitos vezes é entrave para uma célere prestação jurisdicional. Marinoni, assim, também entende quando assevera que "para que o Estado possa se desincumbir do seu dever de prestar a tutela jurisdicional, garantindo o direito do cidadão a uma tutela jurisdicional tempestiva e adequada, é imprescindível que, em determinados casos, em nome da oralidade e de uma maior celeridade, seja eliminado o duplo grau. Nos demais, isto é, naqueles em que o duplo grau deve prevalecer, deve ser instituída, em razão de importantes direitos constitucionais, a execução imediata da sentença como regra. Se não for assim, a sentença do juiz de primeiro grau continuará valendo pouca coisa, já que poderá, o máximo, influenciar o espírito do julgador de segundo grau – e nesse sentido ainda revestirá a forma de um projeto da verdadeira e única decisão -, mas jamais resolver concretamente os conflitos, tarefa que o cidadão imagina que todo juiz deve cumprir". [57]

No tocante a este tópico brilhante e elucidativo é o ensinamento do prof. Marinoni:

"Chiovenda dizia, em frase que se tornou célebre, que ‘la durata del processo non deve andare a danno dell’attore che há ragione’. [58]

Entretanto, parece evidente e indiscutível que todo processo prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem na mesma proporção. Isto por uma razão muito simples: se o autor reivindica um bem da vida, que está na esfera jurídico-patrimonial do demandado, o tempo necessário para a definição do litígio em que o autor tem razão faz com que o réu mantenha indevidamente o bem no seu patrimônio, o que logicamente o beneficia. Ora esse benefício tem um custo, que é o prejuízo imposto ao autor.

Como adverte Nicolò Trocker em seu importante Processo civile e Costituzione, uma justiça realizada com atraso é sobretudo um grave mal social; provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais) favorece a especulação e a insolvência e acentua a discriminação entre os que podem perder. Um processo que se desenrola por longo tempo – nas palavras de Trocker – torna-se um cômodo instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos do mais forte para ditar ao adversário as condições da sua rendição. [59] Se o tempo do processo prejudica o autor que tem razão, tal prejuízo aumenta de tamanho na proporção da necessidade do demandante, o que confirma o que já dizia Carnelutti há muito, ou seja, que a duração do processo agrava progressivamente o peso sobre as costas da parte mais fraca. [60]

O problema do tempo do processo não diz respeito apenas á possibilidade de o autor sofrer ‘um dano irreparável ou de difícil reparação’, que abre ensejo, conforme o caso, à tutela cautelar ou à tutela antecipatória. A questão do ‘tempo’ é absolutamente inseparável da noção de processo, ainda que não esteja em jogo qualquer receio de ‘dano irreparável ou de difícil reparação. Em outras palavras, o processo, para cumprir o princípio da isonomia, não pode deixar de distribuir de forma isonômica o ônus do tempo entre os litigantes.

O que parece não se enxergar é que se o tempo do processo deve ser visto como um ‘inimigo contra o qual o juiz deve lutar sem tréguas’ como preconizou Carnelutti -, não é o autor que tem que suportá-lo, como se fosse o ‘culpado’ pela demora inerente à definição dos litígios. O medo de um juiz parcial, ou o receio de que a ‘liberdade’ do indivíduo pudesse ser ameaçada cegaram os processualistas por um bom período de tempo para a obviedade de que o autor e o réu devem ser tratados de forma isonômica no processo. O que se quer dizer, em outros termos, é justamente que o processo que desconhece a tutela antecipatória e sujeita a sua sentença, no que tange à possibilidade de produção de efeitos concretos, incondicionadamente à confirmação de um segundo juízo, é um processo construído para o réu.

Se é assim, não há motivo para alguém assustar-se quando constata que o processo, retoricamente proclamado como um instrumento jurisdicional que não pode prejudicar o autor que tem razão, acaba na realidade sempre o prejudicando. O mais lamentável de tudo isso, de fato é que o processo tornou-se, com o passar do tempo, um lugar propício para o réu se beneficiar economicamente às custas do autor, o que fez surgir o fenômeno do abuso do direito de defesa.

Uma das formas preferidas pela parte interessada em procrastinar os feitos é o recurso [61]já que ele permite que o réu mantenha indevidamente o bem na sua esfera jurídico-patrimonial por mais um bom período de tempo. O recurso, nesse sentido, é uma excelente desculpa para o réu sem razão beneficiar-se ainda mais do processo em detrimento do autor. Como bem ressaltou Capelletti no seu parecer iconoclástico sobre a reforma do processo civil italiano, ‘el hecho es que, cada vez que se añade un nuevo grado de jurisdicción, no solamente se le hace un buen servicio a la parte que no tiene razón, sino que se le hace un también obviamente un mal servicio, a la parte que la tiene. El exceso de garantías se vuelve contra el sistema.’ [62]

Destaca-se que ‘o conflito entre o direito à tempestividade da tutela jurisdicional e o direito à cognição definitiva deve ser solucionado a partir da evidência do direito do autor. Se o autor deseja, já no início do processo, obter o bem que postula, o certo é que o direito somente pode ser dito evidente, na maioria das vezes, quando o juiz está em condições de proferir a sentença. Entretanto, se o juiz declara a existência do direito, não há razão para o autor ser obrigado a suportar o tempo do recurso. A sentença, até prova em contrário, é um ato legítimo e justo.

Uma alteração no Código de Processo Civil, transformando-se a execução imediata da sentença em regra, parece imprescindível para uma distribuição isonômica do ônus do tempo entre os litigantes. É claro que um sistema que admite a execução imediata da sentença como regra deve abrir oportunidade para o juiz, ou mesmo o tribunal, obstar ou suspender a execução imediata em vista de situações particulares ou especiais. O sistema processual, dessa forma, estará oferecendo, na terminologia de Furno, os ‘pesos’ e ‘contrapesos’ necessários para que os diferentes casos concretos possam ser adequadamente tutelados." [63]

Sobre o autor
Cristian de Sales Von Rondow

advogado em Lins (SP), mestrando em Direito pela ITE – Bauru (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VON RONDOW, Cristian Sales. Devido processo legal à luz do acesso à justiça como garantia constitucional do autor e do réu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2939. Acesso em: 23 nov. 2024.

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