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Sobre as vaias de elite bestial

Agenda 23/06/2014 às 02:55

O comportamento ridículo e caricato da elite paulista durante a abertura da Copa do Mundo não é surpreendente. De fato os xingamentos a Dilma Rousseff eram absolutamente previsíveis.

Há alguns anos comecei a escrever uma História da Elite Bestial paulista:

"O Estado brasileiro é fruto de uma convenção brutal. O colono podia escravizar, matar e mutilar os índios além de ocupar suas terras e engravidar as índias. Quando os gentios reagiam à brutalidade portuguesa eram considerados hostis e exterminados ainda mais rapidamente.

Conhecemos as três grandes razões coloniais: o sabre de aço, o arcabuz e o canhão. Não foi a toa que um Vice-Rei mandou despedaçar vários índios na boca do canhão logo que chegou ao Brasil. Queria demonstrar claramente que as razões dos colonos eram tecnologicamente superiores às dos indígenas. Foi assim que os tacapes, machados de pedra polida, zarabatanas, arcos e flechas acabaram definitivamente aposentados.

Pacificados os índios da costa (índios mortos e escravizados são obviamente pacíficos), o colono incrementa a produção colonial à custa da mão de obra escrava. Como os escravos custavam caro eram mais bem tratados que os índios. Entretanto, os negros-coisas só tinham "liberdade" para trabalhar, comer e procriar. Caso demonstrassem alguma altivez ou fugissem acabavam espancados ou mortos. Por esta razão até podemos dizer que os negros altivos ou fugidos sofriam uma espécie de "captis diminutio" (regrediam de escravos caros a índios baratos e dispensáveis).

No Brasil colônia apenas os portugueses eram cidadãos. Negro era coisa e índio menos que coisa. No Brasil império e república, apenas os remediados eram considerados cidadãos. O voto censitário (vinculado às posses do eleitor) é uma prova cabal do caráter oligárquico e excludente dos regimes instituídos pela Constituição do Império e da primeira Constituição Republicana.

No século XIX a grande massa da população era constituída de escravos, índios, descendentes de índios e escravos ou simplesmente brancos empobrecidos. Esses neo-hilotas não tinham participação política, nem esperança de inclusão social. Nas oportunidades em que se organizaram foram duramente reprimidos pelo Exército (balaiada, sabinada, farroupilha, canudos, etc.). Já éramos brasileiros (feios como orangotangos como disse Louis Agassiz em seu livro Viagem ao Brasil) quando a elite bestial, influenciada pelas teorias racistas, resolveu branquear a população para melhorar as potencialidades econômicas do país.

Quando os imigrantes europeus e japoneses começaram a chegar, os brutais cidadãos brasileiros (convém lembrar que só os ricos eram cidadãos) quiseram acomodá-los à condição de neo-hilotas. Mas sua pretensão não deu muito certo. Muitos dos imigrantes tinham experiência política e sindical. Em pouco tempo trataram de se organizar com mais eficiência, constância e determinação que os nativos acostumados e mantidos na servidão com o uso indiscriminado da força bruta.

O século XX no Brasil foi bastante agitado e produziu distorções interessantes. De um lado a população neo-hilota adquiriu direitos e aprendeu a se organizar em sindicatos e partidos políticos em razão da influência dos imigrantes. De outro, alguns imigrantes que enriqueceram trataram de se integrar à elite bestial dos trópicos e passaram a se comportar como os senhores-de-engenho de antanho.

E foi assim que chegamos ao final do século XX início do século XXI. As tensões sociais diminuíram um pouco, mas a virulência da violência senhorial individual se multiplica a olhos vistos. O sujeito queima um índio e diz que estava curioso para ver o que ocorreria. Um garoto espanca uma empregada doméstica e alega que pensou que ela fosse uma prostituta. O promotor dispara 12 tiros num garoto desarmado e alega que foi ameaçado (muito embora ele estivesse armado e a vítima não). Felizmente a população descendente dos neo-hilotas e dos imigrantes europeus empobrecidos começa a ocupar postos importantes no Estado. Em razão disto, está começando a tratar os criminosos da elite como "criminosos". Mas isto provoca algum mal estar que tem se refletido na mídia.

Atualmente a mídia não consegue mais fazer uma distinção entre a violência dos "lordes" e a dos "comuns". Mesmo assim ainda dá mais espaço para os jovens criminosos ricos se defenderem em público. Algumas vezes a imprensa escorrega no seu elitismo bestial e justifica a execução inopinada de cidadãos pobres como se fossem automaticamente criminosos por serem pobres ou executados (foi como ocorreu recentemente com a Globo na invasão da Favela do Alemão).

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De qualquer maneira o simples fato de debatermos estes assuntos é um indicativo que o Brasil está a caminho de se tornar um país menos senhorial. Mas para que isto ocorra, muitos criminosos ricos terão que ser punidos de forma exemplar. E muitas vítimas pobres da violência policial terão que ser indenizadas."

O texto foi originalmente publicado no CMI  em setembro de 2007 http://www.midiaindependente.org/pt/red/2007/09/393011.shtml . Em abril de 2008, retomei este texto no Observatório da Imprensa quando a elite bestial paulista escreveu um novo capitulo de sua própria historia http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_elite_o_traficante_o_bazar_e_a_tragedia_nacional .

Não causo-me surpresa o comportamento medíocre da elite paulista durante a abertura da Copa do Mundo. Os mesmos que xingaram Dilma na internet elevaram Bruna Surfistinha a ícone pop e disputaram as bugigangas do traficante Abadia. Algumas destas matronas paulistas que usaram vocabulário digno do "69" (puteiro popular no Centro da cidade São Paulo nos anos 1970) no Estádio para ofender a Chefe do Estado brasileiro são as mesmas que foram tratadas como vacas, cabras e éguas pelo médico Abdelmassih. Dilma Rousseff fez bem em ignorar as vaias e xingamentos no estádio, preservando sua dignidade pessoal ao referir-se às mesmas. A elite bestial paulista não inspira temor, ódio ou pena. Inspira apenas RISOS. Ha, ha, ha...

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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