Introdução
Sempre que um acontecimento criminoso de grande vulto toma conta do noticiário nacional, a sociedade brasileira começa a clamar pela pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro. Algumas pessoas, se aproveitando do momento de comoção social e grande fragilidade da população começam a apresentar argumentações favoráveis a pena de morte e muitas vezes, grande parte da população, por ausência de informação adequada ou falta de um apurado senso crítico começa a repetir que é necessária a implantação da pena de morte no Brasil.
Os principais argumentos favoráveis a pena capital são de que e trata de uma forma de intimidação concreta aos criminosos e que a taxa de reincidência entre os presos egressos do sistema penitenciário brasileiro é muito alta. Ora, como Beccaria brilhantemente apresenta em seu tratado Dos delitos e das penas, temos que entender que não é rigor de uma pena que leva o criminoso a desistir do objetivo de delinqüir. A certeza de uma pena, mesmo que pequena, causa um efeito intimidador muito maior que um espetáculo protagonizado por um carrasco ceifando a vida de alguém. Além disso, as penas, em nosso ordenamento jurídico têm caráter de ressocialização, com o objetivo de fazer com que o apenado pense em suas atitudes e nas conseqüências destas e assim não as repita. Neste sentido, se o apenado reincide no crime, a falta é do Estado que não aplicou uma pena ressocializadora de maneira adequada ou não ofereceu condições ideais para a ressocialização do condenado.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu Art. 5º XLVII a que não haverá pena de morte no ordenamento de jurídico brasileiro a não ser em caso de guerra declarada. Esta ultima parte da alínea “a” por vezes não é observada, o que leva a alguns enganos. Aqui podemos entender que a pena de morte está presente sim em nosso ordenamento jurídico, porém sua aplicabilidade está vinculada a uma situação jurídica especial que é a declaração de guerra.
O decreto No 2.754, de 27 de agosto de 1998 promulgou o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, adotado em Assunção, em 8 de junho de 1990, e assinado pelo Brasil em 7 de junho de 1994. O citado instrumento jurídico apresenta o posicionamento do Brasil no que tange a pena de morte. O Brasil adotou o Protocolo supra citado em seu ordenamento jurídico, porém no corpo do decreto está presente a ressalva feita pelo governo brasileiro no que se refere a pena de morte em tempo de guerra declarada, mesma ressalva prevista no texto constitucional.
História da pena de morte no Brasil
A pena de morte foi trazida ao Brasil vinda de Portugal pelo capitão Martim Afonso, sendo imposta pelo arbítrio dos capitães lusos até 1530. Por decreto de 20/09/1823, a pena capital foi retirada do ordenamento jurídico brasileiro até que o Código Criminal do Império, de 16/12/1830, reintroduziu o tema no Brasil, sendo que a última execução que se tem notícia no país ocorreu durante o período imperial brasileiro.
A Constituição de 1891 negou a possibilidade da pena de morte, salvo disposição da legislação militar de tempo de guerra. Já a Constituição de 1934 ressalvou a pena de morte para os casos previstas na legislação militar em tempo de guerra, com país estrangeiro. A Constituição de 1937 atribuiu ao legislador ordinário a faculdade de prescrever a pena de morte para crimes de homicídio cometido por motivo fútil e com meio cruel, suprimindo a referencia a guerra com pais estrangeiro, constante da Constituição de 1934. A Emenda Constitucional I, de 16/05/1938, transformou de facultativa em imperativa a pena de morte para os crimes de homicídio cometido por motivo fútil e executado com crueldade.
O Código Penal de 1940, em sentido diverso, não aceitou a pena de morte, sendo acompanhado pelo Código Penal Militar de 1944 em tempo de paz, em tempo de guerra a pena capital continuava sendo prevista. A Constituição Federal de 1969, com a redação determinada pela Emenda Constitucional II, de 13/10/1978, dispôs em seu art. 153, II, que "não haveria pena de morte, de prisão perpetua, nem de banimento. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação penal aplicável em caso de guerra externa".
Última condenação a pena de morte no Brasil
Na vigência do regime constitucional anterior, houve uma condenação a pena de morte em tempo de paz, pela Justiça Militar, por crime contra a Segurança Nacional (Dec.-lei 898/69, art. 33). O réu, menor, foi acusado de, sendo militante comunista, ter matado um sargento da Aeronáutica, no dia 27/10/1970, quando o militar, fazia uma patrulha que investigava células clandestinas de subversão, culminou por prender o acusado, juntamente com outro companheiro, sendo colocados dentro de uma viatura dos agentes de segurança. Mesmo algemado ao outro companheiro, o réu conseguiu apanhar uma arma que trazia consigo e atirar contra o sargento e o motorista da viatura, na tentativa de escapar, ferindo este e matando aquele.
Julgado pelo Conselho Especial de Justiça da Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar (Bahia), o réu foi condenado à pena de morte, em 18/03/1971. Tendo apelado para o Superior Tribunal Militar, a pena foi reduzida para prisão perpetua em face da menoridade e primariedade do agente. (STM - Ap. 38.590 - BA - Rel. Min. Dr. Amarílio Lopes Salgado, sessão de 14/06/1971)
A atual Constituição prevê na letra "a" do inc. XLVII do art. 5°, que "não haverá pena: “a” de morte. salvo em caso de guerra declarada. nos termos do art. 84, XIX". Aqui vemos que o Brasil, mesmo sendo um país não belicista, mantém uma tradição de ter em seu ordenamento jurídico a previsão de pena capital em caso de guerra declarada. A forma definida para a execução da pena de morte é a execução por fuzilamento, por ser uma forma de execução rápida e sem humilhação.
A execução da pena de morte por fuzilamento é disciplinada pelos Artigos 707 a 710 do Código de Processo Penal Militar, devendo o apenado estar decentemente vestido no momento da execução, sendo facultado a este receber socorro espiritual antes de receber os disparos. A pena de morte só pode ser executada sete dias após o Presidente da República ser comunicado da condenação, salvo se a pena for imposta em zona de operação e o retardamento da execução for prejudicial a ordem e a disciplina. Vemos aqui a preocupação com a segurança do restante da tropa em local que esteja sujeito a combates militares, pois o período de espera para realizar a execução poderia colocar em risco a vida de todo um grupamento.
Conclusão
O Estado é o defensor do cidadão vedando inclusive que o indivíduo disponha de sua integridade física. Assim, se o estado impede que o cidadão disponha de sua integridade física, como pode este mesmo Estado querer ser o executor de uma pena capaz de ceifar a vida do apenado? O Estado, não pode ser o Estado vingativo, que busca a justiça com sangue nas mãos. A vingança é o oposto do sentido moderno de aplicação de pena, que busca a socialização do apenado e a reparação do dano a vítima.
O Brasil, mesmo sendo um país sem tradição belicista, durante sua história tem mantido presente em seu ordenamento jurídico a possibilidade da pena de morte em tempo de guerra. Ao analisar o contexto histórico da evolução da pena de morte no Brasil, vemos que esta, sempre esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo que não tenhamos uma execução no Brasil há muitos anos.
As penas de morte, por serem muito cruéis, estão mais próximas de governos ditatoriais que buscam calar seus opositores com o fantasma de uma possível execução. No Brasil, principalmente nos períodos ditatoriais, a pena de morte esteve presente, chegando a ser possível a condenação a pena capital, no período ditatorial do presidente Getúlio Vargas, do condenado por homicídio por motivo fútil executado por meio cruel e no período da ditadura militar, vimos o caso de um condenado a morte mesmo em tempo de paz por crime contra a Segurança Nacional.
Podemos concluir que mesmo que o senso empírico apresente diversas razões para defender a pena de morte, quando buscamos um argumento técnico sólido para defendê-la, tal tarefa se apresenta muito difícil. Desse modo, podemos perceber a fragilidade dos argumentos de defesa de tal pena e vemos que um Estado compromissado com a causa dos Direitos Humanos e com a Dignidade da Pessoa Humana não pode manter em sua legislação a possibilidade de ceifar a vida de uma pessoa, pois as condutas da pessoa não são motivo suficientemente forte para lhe retirar o direito fundamental a vida.
Referencia bibliográfica
BRASIL. Decreto Nº 2.754, de 27 de Agosto de 1998
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei Nº 1002, de 21 de Outubro de 1969, Código de Processo Penal Militar. Brasília, DF, 1969.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Gulbenkian: Serviço de Educação Fundação Calouste, 1998. COSTA, José de Faria (Trad.).
ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar: Comentários, Doutrina, Jurisprudência dos Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6ª Ed. 2007, 1ª reimpr Jorge Cesar de Assis. Curitiba. Juruá, 2008.