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A Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho de 2014

Agenda 02/07/2014 às 10:05

Nada obstante ser a Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o certo é que esta Instituição nunca teve por merecer o prestígio e a força política dos Estados da Federação como têm, por exemplo, o Ministério Público e as Procuradorias dos Estados.

A Emenda Constitucional nº 80 alterou o Capítulo IV - Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV - Da Organização dos Poderes, e acrescentou artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Desta forma, ficou assim redigido o art. 134: "A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal."

Ademais, o seu § 4º. estabelece serem "princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal."

Por fim, modificou-se o art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis: "O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. § 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. § 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional."

Como já escrevemos em trabalho anterior, nada obstante ser a Defensoria Pública, nos termos da Constituição Federal (art. 134), instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o certo é que esta Instituição nunca teve por merecer o prestígio e a força política dos Estados da Federação como têm, por exemplo, o Ministério Público e as Procuradorias dos Estados. Este fato, além de insofismável, é absolutamente inaceitável à luz da Constituição Federal, pois, como é sabido, cabe à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV, da Constituição, segundo o qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” Ademais, aos Defensores Públicos está garantida constitucionalmente a inamovibilidade (o que, por conseguinte, dá-lhes independência para atuar). À Instituição, por sua vez, “são asseguradas autonomia funcional e administrativa, e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.”

Pois bem.

Também já tive a oportunidade de deixar expresso que defender é uma arte, pois o homem nasceu para ser livre, não para ser preso; logo, lutar para fazer valer a liberdade de alguém, indiscutivelmente, é mais longânime do que lutar para encarcerá-lo.  E fazê-lo disso a sua profissão, independentemente de honorários advocatícios? É uma verdadeira obra de arte! (o que, obviamente, não torna quem acusa menos digno, pois também cumpre um dos seus deveres constitucionais: os membros do Ministério Público).

Se nos situarmos apenas na área criminal, constatamos que a advocacia criminal pública no Brasil tem sido, desgraçadamente, desprestigiada a todo dia, pois estão confundindo, com uma facilidade perigosa, Defensor Público e acusado, esquecendo-se que o sujeito de direitos (acusado por um crime ou, às vezes, um mero indiciado) precisa de um Defensor Público caso não tenha recursos para constituir um advogado particular.

Logo, em um Estado Democrático de Direito a Defensoria Pública é absolutamente indispensável, uma necessidade imperiosa e impostergável. Segundo Étienne Vergès, “le défenseur (le plus souvent un avocat), occupe une place primordiale dans l´exercice des droits de la défense, Ainsi, l´article 6§3-c Conv. EDH permet à l´accusé (au sens large) de se defender lui-même ou d´avoir l´assistance d´un défenseur de son choix.”[1]

Nos últimos tempos estamos vivendo uma verdadeira pirotecnia policial: gente presa, algemada, filmada, exposta, etc., etc. Em regra, dias depois a Justiça solta, ou melhor, um Juiz de Direito liberta; para a opinião pública é mais uma demonstração de impunidade ou, ainda mais facilmente, uma prova que no Brasil somente alguns (os pobres) ficam presos. Há, evidentemente, uma verdade nesta segunda afirmação, pois é certo que, na impossibilidade de constituir um advogado particular, o pobre, na maioria das vezes, não dispõe da advocacia pública, pois a Defensoria Pública não tem os recursos humanos e materiais necessários para defende-los.

Como afirmou Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, “nos difíceis dias da atualidade, a figura do advogado (e digo eu, obviamente, também a do Defensor Público), especialmente o criminal, tem provocado a ira pública estimulada pela má imprensa. Esta faz questão de nos confundir com o cliente e se esforça para passar a ideia de que somos defensores do crime e não portadores dos direitos constitucionais e processuais do acusado.”[2] Não seria esta a razão da falta de vontade política do Executivo estadual em relação às Defensorias Públicas, fato que afirmei no início do artigo?

A propósito, julgando o Habeas Corpus nº. 0064732-05.2011.8.19.0000, a 2ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgamento realizado no dia 20 de março de 2012 e publicado no dia 12 de novembro de 2012 (Cadastro IBCCRIM 2884), garantiu a um acusado defendido pela Defensoria Pública o direito de entrevista pessoal, prévia e reservada com o seu defensor (portanto, antes mesmo da resposta preliminar e logo depois da citação).

Segundo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais[3], tratou-se “de ação constitucional de habeas corpus através do qual se pretendia ver garantido o direito dos pacientes de se entrevistarem pessoalmente com o Defensor Público que atuava na defesa no processo criminal, mediante requisição do juízo para apresentação dos presos na Comarca em que estão sendo processados. (...) Invocando os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da efetividade da jurisdição, postulou a Defensoria Pública, liminar e definitivamente, a concessão da ordem a fim de que cessasse o constrangimento ilegal a que estavam submetidos os pacientes com a decisão judicial impugnada, determinando-se sua requisição pelo juízo, para entrevista pessoal com o Defensor Público e, consequentemente, a cassação da decisão que determinou a apresentação da defesa preliminar, com a declaração de nulidade de todos os atos processuais posteriores ao recebimento da denúncia.” (grifo nosso).

No seu voto, o Desembargador-relator concedeu a ordem, divergindo, inclusive, do parecer ministerial (!). No voto foi dito à época: “Por primeiro, ressalto que não se mostra razoável ou suficiente o argumento inicial destacado tanto pelo juízo impetrado, quanto pelo douto Procurador de Justiça em seu parecer, acerca da inexistência de dispositivo legal expresso que obrigue o juiz a requisitar o réu preso para se entrevistar com o defensor, antes do oferecimento da defesa preliminar. Oportuno ressaltar que, nos exatos termos da recente decisão proferida por esta Corte de Justiça, quando do julgamento do habeas corpus nº 0005182-45.2012.8.19.0000 sob a minha Relatoria, a ausência de regra escrita não é, e jamais será óbice a que se preste a jurisdição, atendendo-se aos princípios de direito que se extraem do sistema jurídico vigente. (...) Tampouco assiste razão ao eminente Procurador de Justiça, ao afirmar que a entrevista pessoal do réu com o seu defensor somente é obrigatória quando do interrogatório. Esse entendimento, de fato, está adequado à mudança de parâmetro realizada pela Lei nº 10.792/2003.”

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Agora, citando a doutrina, este verdadeiro “Desembargador das Garantias Constitucionais”, valeu-se de Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual é “com a modificação positiva introduzida pela Lei 10.792/2003, passa a ser norma cogente que o magistrado assegure o direito de entrevista pessoal e reservada do réu com seu defensor antes mesmo do interrogatório. (...) O defensor público e o dativo são os principais destinatários da norma, pois, em grande parte dos casos, somente conhecem o réu nesse momento. (...) Contudo, com a reforma do Código de Processo Penal, ocorrida em 2008 (Leis 11.689, 11.690 e 11.719) e com novo procedimento do interrogatório, em conformidade com a Lei 11.900/2009, impõe-se a atualização do entendimento acerca do momento e da necessidade de o acusado entrevistar-se pessoalmente com seu defensor.”

Já agora, valendo-se das lições de Eugênio Pacelli de Oliveira, afirmou o relator que a “defesa preliminar escrita cumpre importantes funções, a saber: a fixação de prazo para o oferecimento do rolde testemunhas e de prova pericial para o réu, além da apresentação das exceções (art. 95, CPP). Ultrapassado tal prazo, ele não pode requerer validamente a produção de prova testemunhal, a não ser para o fim de substituir testemunhas, devidamente arroladas, que não tenham sido encontradas. Não arrolando na ocasião da defesa escrita, tranca-se-lhe tal faculdade processual. E é aqui que surge um primeiro problema trazido com o novo rito procedimental da audiência una, a ser examinado logo adiante. É que, como, agora, o interrogatório do réu é o último a toda instrução, como se fará a defesa escrita do réu preso? A não ser que a Defensoria Pública instale um escritório de plantão em presídios e delegacias, a defesa escrita, nessas situações, se limitará a discutir questões de direito e não questões de fato. Até mesmo a elaboração do rol de testemunhas estará comprometida, na medida em que a ausência de contato entre o defensor e o acusado impedirá uma contribuição mais efetiva.”

Vejamos mais alguns trechos do brilhante e corajoso voto, que reconhece e prestigia o valor do Defensor Público: “Não se pode olvidar, como já ressaltado no início desta fundamentação, que a legislação processual penal vigente passou por recentes e profundas transformações, especialmente no que concerne ao teor da defesa preliminar e das consequências que dela podem advir. O que antes se tratava de mera formalidade para apresentação do rol de testemunhas, na qual, muito raramente, se ventilava qualquer matéria relacionada ao mérito da ação penal, hodiernamente, tornou-se peça obrigatória, momento oportuno para formular requerimentos relativos à produção de provas, sob pena de preclusão, já que é una a audiência de instrução e julgamento e, também, que pode gerar a absolvição sumária do réu. Inegável, portanto, a importância da defesa preliminar escrita, pois introduziu no processo penal a possibilidade de julgamento antecipado da lide.” (sic)[4]. Outro argumento que não seduz é aquele sustentado pelos eminentes pares, na jurisprudência colacionada pelo douto procurador de justiça, acerca da transferência de ônus do Poder Executivo para o Poder Judiciário, com o transporte dos presos. A afirmação mostra-se inconsistente e equivocada, com todas as vênias, porquanto inexiste qualquer transferência de ônus, seja financeiro, seja na própria execução do transporte, tendo em vista que este é realizado pela Secretaria de Administração Penitenciária, órgão do Poder Executivo. O único ônus que recairia sobre o Judiciário seria a própria requisição que não passa de ato de mero expediente, corriqueiramente realizado nas dependências de qualquer serventia judicial – a expedição de ofício. Tampouco prospera a assertiva de que incumbe à Defensoria Pública custear o transporte do Defensor Público ao local onde se encontram os presos, por ser instituição dotada de autonomia financeira, com condições de suportar o ônus de tal transporte e, ainda, por razões de segurança. Com efeito, grave antinomia se apresenta ao invocar-se a autonomia financeira da Defensoria Pública – um viés da autonomia administrativa da instituição – para restringir a prerrogativa do defensor público de comunicar-se pessoal e reservadamente com o preso. Registre-se, ainda, que a entrevista pessoal do réu preso com o defensor público que elaborará sua defesa preliminar, além de prerrogativa do membro da instituição, constitui expressão da ampla defesa constitucional, diante de tudo quanto já exposto acerca da importância da referida peça processual e de suas consequências, após a reforma do processo penal. No que tange ao risco para a segurança com o transporte de presos, lamentavelmente, há que se reconhecer que, de fato, existem presos no sistema que, face à gravidade dos crimes imputados e do grave risco para a ordem pública, demandam um maior aparato para garantir-se a segurança no seu deslocamento. Contudo, é ínsito à natureza da própria atividade do Estado – que tem o dever de garantir a segurança pública – por vezes, lançar mão de maiores recursos financeiros e logísticos, para realizar sua atividade de forma eficiente. Não se pode, sob o argumento de que será dispendioso para o Estado promover o transporte de presos com maior grau de periculosidade, excepcionar garantias constitucionais tão caras ao processo penal e, por via de consequência, à manutenção do estado democrático de direito.” Neste momento do voto, o eminente julgador cita precedentes da Corte fluminense: [0057196-40.2011.8.19.0000 – HC – Rel. Des. Marcia Perrini Bodart – j. 28/02/2012 – 7ª Câmara Criminal]; [0014995-33.2011.8.19.0000 – HC – Rel. Des. Rosa Helena Guita – j. 14/06/2011 – 3ª Câmara Criminal]; [0058910-06.2009.8.19.0000 (2009.059.05487) – HC – Rel. Des. Rosa Helena Guita – j. 20/08/2009 – 5ª Câmara Criminal]; [0058907-51.2009.8.19.0000 (2009.059.05484) – HC – Rel. Des. Geraldo Prado – j. 24/08/2009 – 5ª Câmara Criminal].

Conclui, assim, o seu voto, concedendo a ordem requerida: “Por fim, impende consignar que este Órgão Colegiado já se manifestou sobre o tema no julgamento do habeas corpus nº. 0022869- 06.2010.8.19.0000. Por ocasião do deferimento da liminar, a então Relatora, Des. Leony Maria Grivet Pinho assim decidiu: importante ressaltar que a resposta preliminar, antes facultativa, exerce função extremamente relevante na nova sistemática processual tendo em vista que esse é o momento para arguir as preliminares, fazer as alegações defensivas pertinentes, juntar documentos, especificar provas e, é claro, arrolar testemunhas. Nesse sentido, entendo que assiste direito ao paciente de conversar prévia e reservadamente com seu defensor, pois só assim poderá fornecer-lhe elementos necessários à confecção de sua defesa, já que a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo de direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. (...) A resposta preliminar, na nova sistemática processual penal introduzida pela Lei nº 11.719/2008, possui função extremamente relevante, visto que é neste momento que o acusado argui preliminares, procede as alegações defensivas, junta documentos, especifica provas, além de arrolar testemunhas. Induvidoso que negar o direito da Defesa técnica entrevistar-se com o seu assistido, in casu, o ora Paciente, por certo, consubstancia-se em constrangimento ilegal, na medida em que obsta que o Paciente possa exercer plenamente sua defesa”, para cassar “a decisão que determinou a apresentação de defesa preliminar, declarar nulos todos os atos processuais posteriores ao recebimento da denúncia e determinar ao juízo impetrado que promova a requisição do paciente para entrevista pessoal com o Defensor Público.” (Desembargador José Muiños Piñeiro FilhoRelator).

Corretíssima e alvissareira esta decisão da Corte Estadual carioca. Em tempos de mensalão, finalmente uma decisão sóbria, pois, como lembra Víctor Moreno Catena, o acusado “es la parte pasiva necesaria del proceso penal, que se ve sometido al proceso y se encuentra amenazado en su derecho a la libertad, o en el ejercicio o disfrute de otros derechos cuando la pena sea de naturaleza diferente, al atribuírsele la comisión de hechos delictivos por la posible imposición de una sanción penal en el momento de la sentencia.”[5]

Todo acusado deve obrigatoriamente ser defendido por um profissional do Direito e, caso não tenha condições financeiras para contratar um advogado particular, valer-se dos serviços da Defensoria Pública, a fim de que se estabeleça íntegra a ampla defesa, observando-se que esta defesa técnica não é meramente formal, mas substancialmente consistente e potencialmente eficaz, pois, como já ensinava o Mestre Frederico Marques, “dá-se defensor ao réu, para que haja atuação efetiva daquele órgão em prol dos interesses do acusado. Certo é que se não pode traçar a priori a orientação a ser seguida por aquele a quem a Justiça confiou o patrocínio da defesa do réu. Mas se estiver evidente a inércia e desídia do defensor nomeado, o réu deve ser tido por indefeso e anulado o processo desde o momento em que deveria ter sido iniciado o patrocínio técnico no juízo penal. Abraçar entendimento diverso a respeito do assunto, além de constituir inaceitável posição diante da evidência ictu oculi de real ausência de defesa, é ainda orientação de todo censurável e errônea, mesmo porque pode legitimar situações verdadeiramente iníquas.”[6]

Ademais, a ampla defesa compõe-se da defesa técnica e da autodefesa. O defensor exerce a defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e o conhecimento técnico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo a denominada autodefesa ou defesa material ou genérica (quando, por exemplo, é entrevistado previamente pelo seu defensor, antes mesmo da resposta preliminar). Ambas, juntas, compõem a ampla defesa. A propósito, veja-se a definição do jurista espanhol Miguel Fenech:

“Se entiende por defensa genérica aquella que lleva a cabo la propia parte por sí mediante actos constituídos por acciones u omisiones, encaminados a hacer prosperar o a impedir que prospere la actuación de la pretensión. No se halla regulada por el derecho con normas cogentes, sino con la concesión de determinados derechos inspirados en el conocimientode la naturaleza humana, mediante la prohibición del empleo de medios coactivos, tales como el juramento – cuando se trata de la parte acusada – y cualquier otro género de coacciones destinadas a obtener por fuerza y contra la voluntad del sujeto una declaración de conocimiento que ha de repercutir en contra suya”. Para ele, diferencia-se esta autodefesa da defesa técnica, por ele chamada de específica, processual ou profissional, “que se lleva a cabo no ya por la parte misma, sino por personas peritas que tienen como profesión el ejercicio de esta función técnico-jurídica de defensa de las partes que actuán en el processo penal para poner de relieve sus derechos y contribuir con su conocimiento a la orientación y dirección en orden a la consecusión de los fines que cada parte persigue en el proceso y, en definitiva, facilitar los fines del mismo”.[7]

Segundo o Ministro Gilmar Mendes, “(...) o direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (“rechtliches Gehör”) e fere o princípio da dignidade humana ["Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs."] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).“ (HC 85294).

É evidente que todo acusado deve obrigatoriamente ser defendido por um profissional do Direito, a fim de que se estabeleça íntegra a ampla defesa, sendo imperioso destacar que o direito de defesa no Processo Penal deve ser rigorosamente obedecido, sob pena de nulidade: “Todo e qualquer réu, não importa a imputação, tem direito a efetiva defesa no processo penal (arts. 261 do CPP e 5.º, inciso LV da Carta Magna). O desempenho meramente formal do defensor, em postura praticamente contemplativa, caracteriza a insanável ausência de defesa (Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte).”[8]

Outrossim, “para que haya un proceso penal propio de un Estado de Derecho es irrenunciable que el inculpado pueda tomar posición frente a los reproches formulados en su contra, y que se considere en la obtención de la sentencia los puntos de vista sometidos a discusión”.[9]

A Suprema Corte, por meio de um dos seus mais destacados Ministros, Celso de Mello, através de liminar concedida no Mandado de Segurança de Segurança nº. 23.576 – DF – Medida liminar, DJU de 07/12/99, deixou assentado que “cabe reconhecer, por isso mesmo, que a presença do advogado em qualquer procedimento estatal (e, se for o caso, um Defensor Público), independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em consequência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial”.

De mais a mais, não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma: “Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (Grifos no original).[10]

Vejamos a lição de Étienne Vergès “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”[11]

Ainda para ilustrar o texto, faz-se referência a uma decisão absolutamente corajosa e inusitada da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em voto relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, concedendo o Habeas Corpus nº. 112573, seguido à unanimidade pelos demais integrantes. O apelo contra a condenação, apresentado por um Defensor Público, não foi conhecido porque foi impetrado fora do prazo em razão de dupla falha do Estado, pois o defensor fora intimado pessoalmente da decisão por ocasião do julgamento e também porque o juízo só realizou a remessa dos autos à Defensoria tardiamente. Em seu voto, porém, o Ministro Lewandowski afirmou que se trata de “uma situação sui generis em que o paciente ficou indefeso por culpa do Estado”. O Ministro ressaltou que o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal determina que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. “Trata-se, portanto de uma obrigação do Estado e aqui eu vejo que houve uma falha no cumprimento do múnus público do defensor, que não pode repercutir em prejuízo do assistido porque, em última instância, trata-se de erro do próprio Estado, que não foi capaz de oferecer uma defesa técnica adequada”, afirmou o Ministro Lewandowski. Ele afirmou que, embora a jurisprudência e a doutrina sejam uníssonas no sentido de que a aferição da tempestividade do recurso pode se dar a qualquer momento e grau de jurisdição, porque é uma matéria de ordem pública, no caso em questão essa “merece um temperamento” porque “não pode, por culpa do Estado, o paciente sem recurso, assistido pela Defensoria Pública, ter prejudicado o seu direito à apreciação do recurso competente”, concluiu. Fonte: STF, com grifos nossos.

Ora, como, efetivamente, garantir no Juízo criminal o contraditório sem uma Defensoria Pública devidamente capacitada para defender os interesses dos indiciados, réus e condenados? Eu, integrante do Ministério Público, respeito profundamente os Defensores Públicos, sendo esta uma homenagem àqueles que labutam no foro criminal em busca da liberdade de outrem (ah! a liberdade). Uma lembrança simples de um Procurador de Justiça que sabe reconhecer o valor daqueles que se propuseram, como profissão, a esgrimir a arte de defender a liberdade do homem.                                                                           


Notas

[1] Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 42.

[2] Revista Jurídica Consulex – Ano VIII, nº. 188 (15/11/2004).

[3] Ano 21, nº. 251, outubro de 2013, ISSN 1676-3661.

[4] Evidentemente que aqui incorre-se em erro grosseiro ao falar-se em lide no processo penal. Neste sentido, ver o nosso “Uma Crítica à Teoria Geral do Processo”, Porto Alegre: Editora Magister, 2013, páginas 161 e seguintes.

[5] Derecho Procesal Penal, Madrid: Editorial Colex, 1999, p. 657.

[6] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 388.

[7] Miguel Fenech, Derecho Procesal Penal, Vol. I, 2ª. ed., Barcelona: Editorial Labor, S. A., 1952,  p. 457.

[8] HABEAS CORPUS N.º 57.465-SC - Rel.: Min. Felix Fischer/5.ª Turma (STJ/DJU de 18/12/06, pág. 423).

[9] Klaus Tiedemann, Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, Barcelona: Ariel, 1989, p. 184.

[10] Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27.

[11] Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. A Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho de 2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4018, 2 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29821. Acesso em: 5 nov. 2024.

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