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Coisa julgada e segurança jurídica:

flexibilização e eficácia executiva da sentença

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Agenda 18/10/2014 às 14:18

O estudo propõe soluções para situações envolvendo coisa julgada e segurança jurídica, bem como analisa os limites do legislador ao definir o perfil dogmático da coisa julgada e do judiciário ao promover sua flexibilização atípica.

 “O passado pode deixar dissabores, mas põe termo a todas as incertezas. Na ordem do universo e da natureza, só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira da nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar, através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças.”[1]

Sumário:1. Coisa julgada e segurança jurídica: Limites e possibilidades perante a coisa julgada. 2. Hipóteses de relativização da coisa julgada. 2.1 Querela Nullitatis. 2.2 Ação Rescisória. 3. Coisa julgada e flexibilização atípica. 4. Coisa julgada e eficácia executiva. 4.1 Distinções fundamentais. 4.2 Eficácia executiva e segurança jurídica. 4.3 Eficácia executiva e posterior declaração de inconstitucionalidade pelo STF. 4.4 Eficácia executiva e eficácia preclusiva da coisa julgada. Conclusão. Bibliografia.


1. Coisa julgada e segurança jurídica: Limites e possibilidades perante a coisa julgada

A necessidade de estabilizar as relações jurídicas após a apreciação do Poder Judiciário é um imperativo do Estado Democrático de Direito, porquanto constitui corolário fundamental da segurança jurídica. Como teríamos segurança sem poder confiar que aquilo que o Poder Judiciário decidiu, após o devido processo legal, representa efetivamente a norma jurídica que regerá a demanda a ele conduzida?

Se um Estado de Direito tem por objetivo estabelecer normas jurídicas que confiram previsibilidade aos cidadãos a respeito do direito vigente, com maior razão se deve confiar naquilo que o próprio Estado concretamente apreciou, definiu e informou ao jurisdicionado sobre a norma individual que deverá reger sua relação jurídica.

Analisando o sistema jurídico brasileiro, observamos na Constituição Federal regra expressa de proteção da coisa julgada, precisamente no art. 5º, XXXVI, constituindo garantia fundamental e erigida à condição de cláusula pétrea.

Contudo, é a própria Constituição Federal que também prevê mecanismos de revisão das decisões transitadas em julgado, informando-nos, portanto, que a coisa julgada não é uma garantia absoluta, podendo ser flexibilizada em algumas situações. E mais, outra importante mensagem podemos extrair de tais normas: cabe ao legislador ordinário delimitar as hipóteses de flexibilização da coisa julgada, como se processará e em que tempo isso pode ocorrer.

Interessante, no particular, a crítica desferida pelo Prof. Barbosa Moreira à ideia de “relativização” da coisa julgada. Informa o Autor que não se pode relativizar o que já é relativo, mas sim o que se pode pretender é ampliar as hipóteses de relativização já constantes do ordenamento jurídico. [2]

Temos aqui um ponto da mais alta relevância. Apesar de a Constituição instituir a coisa julgada como garantia constitucional, direito fundamental dos cidadãos, o seu perfil dogmático será delineado pelo legislador ordinário.[3] Cabe a este definir, a partir da noção de segurança jurídica presente em determinado momento histórico, em que medida as decisões transitadas em julgado podem ser revistas pelo Poder Judiciário, o que inevitavelmente acaba por flexibilizar a garantia da confiança prometida pelo Estado aos jurisdicionados. Cumpre analisar, portanto, de que forma o ordenamento jurídico brasileiro disciplina esse importante instituto jurídico.


2. Hipóteses de relativização da coisa julgada.

2.1 A querela nullitatis.

A querela nullitatis constitui meio de impugnação de decisões judiciais originária do direito intermédio (século XI e seguintes), quando da forte influência do direito germânico sobre o direito romano, instituída com o objetivo de impugnar errores in procedendo. Para os errores in iudicando o remédio utilizado era a appellatio, surgida com o Império Romano (período da cognitio extra ordinem), viabilizando o duplo grau de jurisdição para se impugnar a justiça da decisão.[4]

Antes da sua previsão, entendia-se que as sentenças que continham alguma mácula na formação ( errores in procedendo ) eram inexistentes juridicamente (nulla sententia), não sendo necessária uma impugnação formal para retirar-lhe do mundo jurídico. Simplesmente, não precisavam ser  observadas. Assim, a querela nullitatis surgiu como uma forma de conferir segurança jurídica àquele beneficiado pela decisão proferida, pois enquanto não fosse formalmente impugnada, deveria ser considerada válida e plenamente eficaz.[5] No Direito brasileiro, tal ideia jamais prevaleceu, fazendo-se necessário, sempre, algum tipo de impugnação após o trânsito em julgado, a fim de rescindir a decisão viciada.

Ao longo da história, as razões que justificavam o ajuizamento da querela nullitatis foram pouco a pouco se agregando como hipóteses de cabimento da ação rescisória (adiante estudada), fazendo com que tal instituto não lograsse previsão expressa no sistema processual brasileiro. Contudo, apesar de não haver uma disciplina específica de tal meio de impugnação das decisões judiciais e, ainda, de a ação rescisória ter absorvido aquelas hipóteses que historicamente justificaram o seu manejo, a doutrina brasileira considera ainda presente a querela nullitatis no sistema jurídico nacional, em virtude de ser possível ao executado se opor à execução por meio da alegação da falta ou nulidade da citação no processo de conhecimento.[6]

É curioso notar como a doutrina se mostra tolerante com um instrumento que, consoante vem sendo espraiado, teria o condão de anular uma decisão acobertada pela força da coisa julgada, por ato de um juízo de primeira instância.[7] Ignora-se, na espécie, as disposições constitucionais atinentes à necessidade do ajuizamento de ação rescisória perante um tribunal como instrumento de insurgir-se contra  decisões de mérito transitadas em julgado. E assim ocorre, sem maiores questionamentos, em nome do costume e da gravíssima mácula que corporifica uma decisão prolatada à revelia do réu não citado.

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De fato, na hipótese do inciso I do art. 741 do CPC (nulidade de citação no processo de conhecimento que correu à revelia do réu), estamos diante da colisão de dois direitos fundamentais: o da ampla defesa e o da segurança jurídica. O legislador optou pela prevalência do primeiro, em detrimento do segundo, opção esta absolutamente razoável, porque constituiria uma violência aceitar a prevalência da coisa julgada oriunda de um processo em que o réu em concreto não teve real possibilidade de defender-se.[8]

A indagação remanescente desse quadro é a seguinte: poderia o legislador ordinário estabelecer as situações passíveis de provocar a nulidade das decisões judiciais qualificadas pelo manto da coisa julgada em face da gravidade da deformidade que a macula? Ou a única situação aceitável seria aquela advinda da falta ou nulidade da citação, já que assim sempre o foi? Aponta-se o caso português, onde há possibilidade de, em sede de execução, arguir o malferimento à coisa julgada produzido pela decisão executada.[9]

Parece-nos que a possibilidade de se alegar, em sede de embargos à execução, a falta ou nulidade da citação merece uma releitura, diante de uma visão constitucional da coisa julgada, pois admitir que um juiz de primeira instância, por meio de simples ação ordinária, supere a garantia da coisa julgada não está em consonância com as balizas previstas na CF/88.

Bem examinadas as disposições constantes nos arts. 475-L, I, e 741, I, do CPC, não conseguimos nele identificar um regramento expresso que viabilize a anulação das decisões judiciais transitadas em julgado que contenham o vício ali previsto, como faz crer a doutrina amplamente majoritária. A norma que deles se extrai apenas confere a possibilidade de o réu não ter a sua esfera jurídica atingida por uma decisão da qual ele não participou da formação. Isso porque, em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que alguém seja vulnerado no seu patrimônio jurídico sem o devido processo legal.

Com efeito, a decisão transitada em julgado não será anulada com a apresentação de embargos à execução que apontam a inexistência ou a nulidade da citação, mas apenas será bloqueada a eficácia executiva do julgado em face do réu não citado. “Como se vislumbra, ainda que não haja consenso doutrinário, o mais adequado é resolver os problemas inerentes ao sujeito que não foi vinculado como parte no processo no plano da eficácia.”[10]

Não se nega que o vício de citação proporciona uma decisão final maculada no seu iter de formação[11], contudo, como ocorrem com os demais defeitos processuais, uma vez ocorrido o trânsito em julgado, opera-se o saneamento geral do processo, precluindo a possibilidade de impugnar o julgado por conta de tais defeitos, salvo ação rescisória.[12]

De acordo com a CF/88, a desconstituição da coisa julgada, conforme já expusemos, só pode ser admitida por meio de ação rescisória apreciada por um tribunal. Trata-se de um parâmetro mínimo de proteção da segurança jurídica que a coisa julgada visa a tutelar. Admitir que pululem exceções a partir da gravidade do vício que macula o processo não é a solução mais consonante aos ditames constitucionais. Mais adequado, por exemplo, que seja adaptado o regime da ação rescisória a tal situação de tamanha gravidade, possibilitando o início do prazo para a desconstituição do julgado a partir do conhecimento, pelo réu, da decisão proferida à sua revelia. Assim, restaria observado o comando constitucional de proteção à coisa julgada e, ao mesmo tempo, a possibilidade daquele que teve o seu direito de defesa suprimido de livremente se insurgir contra o julgado.

Definitivamente, não se coaduna com a relevância conferida pela CF/88 à coisa julgada a possibilidade de o réu revel, ainda que não citado, uma vez ciente da existência de uma decisão transitada em julgado contra si, permaneça inerte por tempo indeterminado e deixe a comunidade jurídica imersa no ludíbrio proporcionado pela decisão estatal.

Observe-se que existem posições doutrinárias que, inclusive, perfilham a preclusão de se alegar o vício de citação, caso o réu seja citado para a execução e não se manifeste sobre o vício da citação no processo originário.[13] Não chegamos a tanto, propondo-se aqui uma posição mais branda, que confere ao réu não citado ainda o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória.

Ademais, tal posicionamento é corroborado com a possibilidade de termos até mesmo a formação de coisa julgada sem a citação do réu, desde que ele não sofra prejuízo. Tal é a norma que se extrai dos art. 219, §6º, e art. 285-A do CPC. Ou seja, se o ordenamento processual permite que seja proferida uma decisão de mérito, com aptidão de formar coisa julgada, sem a citação do réu, porque não admitir a existência de um prazo decadencial para a desconstituição da sentença viciada?[14] E se o réu não citado entender que a sentença é justa e com ela aquiescer, ainda assim os demais litisconsortes poderão anular o julgado com a utilização da querela nullitatis a qualquer tempo, como pretende a doutrina amplamente majoritária?! Estamos convictos de que a solução tradicionalmente conferida pela doutrina a favor da ampla impugnabilidade com base no vício do ato citatório não atende ao ideal de segurança jurídica almejado pelo Constituinte.

Por tais razões, não visualizamos nos dispositivos aqui tratados a histórica querela nullitatis, nem mesmo a sua aptidão para dispensar a ação rescisória nas hipóteses previstas[15], mas apenas a consagração da possibilidade de se bloquear a eficácia executiva sobre a esfera jurídica do réu não citado.[16] Não à toa sua previsão na disciplina dos embargos à execução e da impugnação ao cumprimento de sentença. E quando nos referimos a patrimônio jurídico, pretendemos com isso abarcar não só a eficácia das sentenças condenatórias, mas também das decisões constitutivas e declaratórias, possibilitando que o revel se insurja quanto aos eventuais efeitos de tais provimentos sobre a sua esfera jurídica.

Havendo um litisconsorte necessário não citado, por exemplo, a decisão judicial transitada em julgado, enquanto não rescindida, será plenamente válida e eficaz em relação aos litisconsortes citados que participaram regularmente do processo.[17] Após o conhecimento, pelo litisconsorte não citado, da coisa julgada formada e passados dois anos de tal ciência inequívoca, a decisão deverá, também em relação ao seu patrimônio jurídico, gerar plenamente os efeitos que lhes são próprios. Trata-se de solução que harmoniza a proteção que merece a coisa julgada e, ao mesmo tempo, a garantia fundamental do devido processo legal.

2.2 Ação rescisória.

O instrumento típico estabelecido no sistema processual brasileiro para a rescisão das decisões alcançadas pela autoridade da coisa julgada é a ação rescisória, demanda autônoma de impugnação[18] com previsão constitucional, de competência originária dos tribunais. Como já expusemos, trata-se do único mecanismo, na seara cível, previsto na Constituição Federal com aptidão de questionar as decisões definitivas proferidas pelo Poder Judiciário.

Consagrada constitucionalmente pela primeira vez na Constituição Federal de 1937, Carta Política que sequer insculpia proteção expressa à coisa julgada, já possuía previsão legislativa desde o Regulamento 737/1850, que estabelecia no seu art. 681 que “A sentença pode ser annullada: (...) § 4.º Por meio da acção rescisoria, não sendo a sentença proferida em grau de revista”, podendo ser manejada nas hipóteses de incompetência, suspeição, peita e suborno do magistrado; violação a “expressa disposição da legislação commercial”; estar “fundada em instrumentos ou depoimentos julgados falsos em Juízo competente”; “o processo em que ella foi proferida será annullado em razão das nullidades referidas no capitulo antecedente”.

Com redação parecida nos Códigos Estaduais, encontrou uma regulamentação um pouco mais ampla no Código de Processo Civil de 1939 (arts. 798 a 801), que dispunha ser “nula a sentença”: “I – quando proferida: a) por juiz peitado, impedido, ou incompetente racione matéria e; b) com ofensa à coisa julgada; c) contra literal disposição de lei; II – quando o seu principal fundamento for prova declarada falsa em Juízo criminal, ou de falsidade inequívocamente apurada na própria ação rescisória.”.

Disposição interessante vinha consagrada no art. 800, que deixava claro que a ação rescisória não tinha por objetivo corrigir a injustiça do julgado, nos seguintes termos: “A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória.”. Ou seja, é possível perceber que, em 1939, nosso legislador já conferia uma especial atenção à estabilização das decisões judiciais, só possibilitando a sua “anulação” por vícios pontuais, via de regra relacionados a errores in procedendo. Não se admitia rescisória tão só porque a decisão estava aparentemente errada. Inclusive, conforme já se afirmou alhures, é diante de uma sentença injusta que a coisa julgada evidencia mais fortemente o seu valor.[19]

Por fim, destaque-se que o prazo para ajuizamento da ação rescisória era previsto no Código Civil de 1916, possibilitando a rescisão da decisão transitada em julgado até cinco anos após o desfecho do processo.

Com o Código de Processo Civil de 1973 a situação se alterou substancialmente, pois foram ampliadas as suas hipóteses de cabimento (art. 485 do CPC), bem como foi reduzido o prazo para o seu ajuizamento para dois anos (art. 495 do CPC). Ademais, suprimiu-se aquela dicção normativa antes consignada no art. 800 do CPC/39, que informava que a ação rescisória não poderia ser utilizada para a correção de injustiça do julgado.

Atualmente, temos a consagração constitucional de proteção à coisa julgada, instituto jurídico elevado à condição de garantia fundamental, mas também da ação rescisória, com uma ampla regulamentação infraconstitucional. Diante desse desenho normativo, com especial atenção aos comandos constitucionais, fica a pergunta de qual mensagem o Constituinte pretendeu transmitir ao conferir tamanha importância à coisa julgada e, ao mesmo tempo, possibilitar a sua desconstituição por meio da ação rescisória.

Parece-nos que a Constituição Federal estabeleceu uma reserva de superação da coisa julgada por meio da ação rescisória, de maneira que, diante de uma garantia constitucional de tamanha relevância para o Estado Democrático de Direito, apenas pelo instrumento previsto na própria Constituição poderá ser superada uma decisão judicial qualificada pela autoridade da coisa julgada. Destinou-se uma demanda autônoma para a sua análise, evitando-se que o tema fosse tratado de forma meramente incidental, como simples etapa do julgamento de outra questão.

Agregue-se a isso um segundo elemento que pode ser extraído do texto constitucional, qual seja, a necessidade de tal superação ser necessariamente operada por um tribunal. Repare-se que não pode ser considerado furtivo o fato de a CF/88 concentrar nos tribunais a competência para apreciação das ações rescisórias. Órgãos colegiados e formados por magistrados mais experientes, certamente terão melhores condições de definir a respeito da manutenção ou não de um comando judicial que representa uma das maiores garantias de segurança jurídica no Estado Constitucional.

Com efeito, temos na ação rescisória a única hipótese de desconstituição da coisa julgada prevista no ordenamento jurídico brasileiro, a ser apreciada necessariamente como questão principal e por um tribunal, merecendo as suas hipóteses de cabimento toda a atenção do legislador ordinário e do Poder Judiciário.

Analisando o art. 485 do CPC, é possível perceber que as hipóteses ali consignadas que admitem o ajuizamento da ação desconstitutiva, em regra, não refletem propriamente uma revisão do juízo feito pelo magistrado a respeito da solução conferida ao caso apreciado. Trata-se da eleição de vícios de alta gravidade que aconselham a rescisão do julgado, seja porque a imparcialidade ou a competência do juiz estavam maculadas, seja em função de atos das partes que impediram a adequada análise do caso, por ofensa à coisa julgada, violação a literal disposição de lei, em razão da obtenção de documento novo ou descoberta da falsidade de documento velho, invalidação de confissão, renúncia ou transação que serviram de base para a decisão ou, por fim, pela constatação de que um fato relevante foi considerado existente ou inexistente, sem ter havido efetivo juízo ao seu respeito.

Não há, portanto, nas hipóteses de cabimento da ação rescisória, a possibilidade de se corrigir a injustiça do julgado, decorrente de um juízo equivocado sobre a prova dos autos ou da eleição de uma das interpretações razoáveis do texto legal[20]. Isso faz com que alguns doutrinadores ainda entendam presente, de forma implícita, no nosso sistema processual a referida norma decorrente do revogado art. 800 do CPC/39.[21]

Por fim, uma questão que nos parece fundamental diz respeito à necessidade de utilização da ação rescisória, quando, ao invés de se pretender impugnar a decisão pela presença de algum vício previsto no art. 485 do CPC, almeja-se apenas apontar uma alteração nas circunstâncias fáticas ou jurídicas apreciadas na decisão transitada em julgado, fazendo com que tal decisão não mais seja adequada a regular a nova situação formada. Tais situações ocorrem quando a demanda trata de relações jurídicas de trato continuado[22], na qual a decisão proferida irá reger não só os fatos jurídicos passados, mas também futuros, enquanto presentes as mesmas circunstâncias que foram objeto da decisão passada em julgado.

A ação rescisória visa a rescindir um julgado em decorrência de algum vício que o macule, proporcionando a sua desconstituição (iudicium rescindens) e, se necessário, a prolação de novo julgamento (iudicium rescissorium). Assim, quando estamos diante do julgamento de uma relação jurídica de trato continuado e da alteração das circunstâncias que foram objeto da anterior apreciação judicial, não se pretende rescindir o julgado, porquanto vício nenhum o maculou, mas apenas obter o reconhecimento de que a decisão antes proferida não é adequada para regular a nova situação existente. Tais situações, portanto, estão longe de exigir a propositura de ação rescisória, porquanto não constituem hipótese de superação da coisa julgada.

Assim, caso provenha alguma modificação da relação jurídica objeto da apreciação judicial que está acobertada pela autoridade da coisa julgada, simplesmente tal julgado não terá aptidão para regular a nova relação jurídica formada, a ela não se aplicando. Não se cogita, pois, de rescindir a decisão anterior, mas apenas de analisar os seus limites objetivos e identificar sobre qual relação jurídica ele se refere.

Sobre a autora
Mariana Rusche Wierzchowski

Procuradora da Fazenda Nacional<br>Pós Graduada em Direito Tributário<br>Mestre em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WIERZCHOWSKI, Mariana Rusche. Coisa julgada e segurança jurídica:: flexibilização e eficácia executiva da sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4126, 18 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30400. Acesso em: 20 nov. 2024.

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