9- Ética dos resultados
A busca por resultados não pode romper com as amarras éticas que pautam a instituição. Entre a ética dos princípios (amparada na moral deontológica como a kantiana) e a ética dos resultados ou das consequências (alavancada numa moral teleológica como a utilitarista), o pêndulo deve sempre acertar o compasso pela primeira. E nem poderia ser diferente, pois o Ministério Público é uma instituição jurídica que se desenvolve num Estado democrático de direito (entenda-se governo das leis e moderno constitucionalismo) e embora seja “presentada” por chamados agentes políticos não desempenha uma atividade designadamente político-partidária ou político-ideológica.
Como diz Bobbio (2011, p. 74), quem age segundo princípios não se preocupa com o resultado das próprias ações: faz aquilo que deve, e que aconteça o que for possível (ética da convicção ou dos princípios). Por outro lado, quem se preocupa exclusivamente com o resultado, não procede com muita sutileza no que diz respeito à conformidade com os princípios: faz aquilo que é necessário para que aconteça aquilo que deseja (ética da responsabilidade ou dos resultados).
O juízo positivo ou negativo da ação desenvolvida pelo MP não será aferido, tão-somente, pelo sucesso ou insucesso de suas iniciativas. É possível uma coincidência entre os dois juízos (ética dos princípios e dos resultados), mas a verdade é que na maioria das vezes não. A observância de um princípio dá bons resultados ou os bons resultados só podem ser alcançados observando-se os princípios, mas, por vezes, principalmente no âmbito político, os efeitos bons dependem de certo afastamento ou completa inobservância dos princípios.
Diante da ética dos princípios estaria o MP impedido de buscar resultados? Não. O MP não pretende exclusivamente o resultado, mas o busca dentro da moldura das normas e dos princípios característicos do Estado democrático de direito. Até porque os meios devem ser apropriados ao fim, vistos como caminhos para o fim, constituindo, por assim dizer, o próprio fim em processo de elaboração (Maritain, 1966, p. 60). Corresponde à hierarquia dos meios em que a ordem dos meios corresponde à ordem dos fins. Um fim digno (justiça, liberdade, segurança etc.) deve ser buscado por meios dignos.
O desvio de meios não se justifica nem pelos mais nobres e elevados fins, pois, no futuro, podem servir a outros propósitos e finalidades desagasalhadas da excelsitude ética.
Além de tudo isso, como a resolutividade se dá, principalmente, no campo extraprocessual, o espaço para manobras (articulação, diálogo e estratégias de atuação) é bem maior e, portanto, é possível fazer uso de uma moral teleológica sem romper os limites éticos (derivados da ética dos princípios) autoimpostos à instituição.
10- Conclusões
Frequentemente, o prestígio ou a autoridade gozada por algumas instituições durante um tempo considerável parece evaporar-se subitamente. Evapora-se pelo fato de fracassar em compartilhar novos valores e novos anseios sociais. Isso as priva da capacidade de uma reelaboração racional de um novo curso às suas práticas funcionais. Se o MP não acordar para a nova realidade social e não buscar um reajustamento adequado pode, com facilidade, inserir-se no rol dessas instituições que perderam o ritmo da história.
Uma sociedade em constante mudança requer um contínuo reajuste de suas instituições para atender eficientemente às novas demandas. O Ministério Público, nesse contexto, apresenta-se como uma instituição moldada para defender os interesses, não mais do Estado ou de uma sociedade simplesmente, mas de uma complexa sociedade democrática. Dentro desses objetivos alguns desafios são postos e sintetizados nas conclusões seguintes:
I- O MP Resolutivo define-se como uma instituição que assume uma identidade proativa específica, atuando antes que os fatos se tornem irremediavelmente patológicos e conflituosos, utilizando seu poder de articulação e mecanismos extrajudiciais para equacioná-los sem a necessidade de demandar, como prima ratio, a justiça.
II- O caráter resolutivo não implica num combate irracional e iconoclasta ao perfil demandista da instituição (e nem poderia em face da Constituição). E sim num fortalecimento do perfil proativo. Este perfil resolutivo não se desliga do passado, não o nega, mas tende a ir adiante, atento às novas necessidades sociais e às circunstâncias históricas que apontam para um futuro certo. O Ministério Público exclusivamente demandista cumpriu sua história. Agora, para continuar sendo útil deve ceder espaço e dividir a cena com o Ministério Público Resolutivo.
III- A dinâmica institucional resolutiva apresenta alguns atributos indispensáveis como proatividade, dinamismo, intersetorialidade, relação interna dialogal, planejamento, inovação, eficiência e gestão de resultados.
IV- São estratégias de crescimento institucional que privilegiam o perfil demandista da instituição: alegada hipossuficiência da sociedade, doutrina de “ocupar espaços” e modelo de equiparação ao Judiciário.
V- São causas que levam ao perfil resolutivo do Ministério Público: expansão do princípio democrático (amadurecimento democrático da sociedade) e crise do Poder Judiciário (ineficiência em responder às novas demandas sociais).
VI- O modelo resolutivo traz algumas exigências e desafios ao Ministério Público como: nova leitura do postulado da independência funcional; novo regime de capacitação e mobilização dos agentes ministeriais; e insuficiência de recursos materiais e humanos disponíveis à instituição.
VII- O princípio da independência funcional deve ser pensado e operacionalizado sobre novas bases, de modo a impedir que a atuação da instituição disperse-se em múltiplas atuações individualistas e fragmentadas, sem obedecer a um somatório organizado de esforços tendente ao cumprimento das metas e atingimento dos objetivos estratégicos traçados institucionalmente. A cooperação e o diálogo interno podem temperar, nos limites constitucionais, o novo desenho desse princípio, fazendo com que a instituição ganhe vigor resolutivo.
VIII- O atual perfil binário do Ministério Público (demandista e resolutivo) engendra dois tipos bem definidos de agentes. De um lado, o promotor demandista (ou de gabinete): propositor de medidas judiciais e reativo; agente burocrático e processual; parecerista; preocupado com prazos e resultados processuais. De outro, o promotor resolutivo: agente antecipador e proativo (nova atitude mental e renovada disposição para a ação); agente político articulador; agente preocupado com positivas transformações na realidade social.
IX- O MP não é mais uma instituição que se ajusta mimeticamente à realidade, mas que aceita e acompanha as mudanças sociais e se revela capaz de resolver os novos problemas que o cenário comunitário lhe apresenta. E nesta perspectiva, o MP não se coloca apenas como mais um ator inserido nessa sociedade dinâmica, mas como um agente promotor dos reajustes sociais.
X- A consolidação do perfil resolutivo do MP, além de conferir maior agilidade na resolução dos conflitos sociais, confere uma identidade própria à instituição, fugindo à cega mecânica do demandismo. Esse conjunto de ideias e de práticas que acompanha a dinâmica resolutiva tem a força de deslocar o centro de gravidade do Ministério Público para si mesmo, afastando-o da dependência ou submissão ao demandismo judiciário e colocando em suas mãos o curso de seu destino.
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