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A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

4. Conclusão

A tutela antecipada é um instrumento que visa abreviar a demora natural do processo, colocado à disposição do autor; do denunciante, na denunciação da lide; do opoente, na oposição; do assistente, do recorrente; e do réu, na reconvenção, nas ações de natureza dúplice e quando é autor da ação declaratória incidental.

A requerimento da parte legitimada, pode o juiz antecipar os efeitos da tutela (pedido mediato) antes do provimento final (pedido imediato), desde que presente os requisitos, a qualquer tempo do processo, até mesmo em grau de recurso.

É cabível a tutela antecipada nas ações de natureza condenatória, declaratória e constitutiva, verificando sempre a eficácia ou não dos efeitos antecipados.

Os requisitos exigidos obrigatoriamente para a concessão da tutela antecipada são: o requerimento da parte, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação e a reversibilidade.

O requerimento da parte é necessário, pois o juiz não pode conceder a antecipação de ofício. As expressões "prova inequívoca" e "verossimilhança" devem ser conjugadas, para se chegar ao conceito de "probabilidade", que é mais forte que verossimilhança, mas não tão categórico quanto prova inequívoca. A reversibilidade não deve ser entendida de forma absoluta; a uma, porque a lei se refere à reversibilidade do provimento e não dos efeitos da tutela e; a duas, porque as posições do réu e do autor devem ser sopesadas, concedendo a tutela antecipada sempre que a não concessão for mais irreversível para o autor do que seria a concessão para o réu.

Além dos requisitos acima expostos, que devem ser combinados, o art. 273 do Código de Processo Civil, prevê outros dois, que são alternativos.

O primeiro é o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, semelhante ao periculum in mora da tutela cautelar, também denominado de tutela protetiva. O segundo é o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, ou antecipação punitiva, onde não é necessária a urgência, mas apenas a conduta do réu.

Neste último caso a tutela antecipada poderia ser concedida mesmo antes da citação do réu, pois estes atos de abuso de direito de defesa ou propósito protelatório podem ocorrer tanto na fase judicial como na extrajudicial, não sendo necessária a citação para a configuração desses atos.

A decisão do juiz que conceder ou negar a antecipação dos efeitos da tutela deve ser sempre fundamentada e está sujeita ao recurso de agravo de instrumento. A tutela antecipada pode ser executada provisoriamente, observando no que couber o disposto nos incisos II e III do art. 588 do Código de Processo Civil.

Também poderá, a tutela antecipada, ser revogada ou modificada a qualquer tempo pelo juiz, desde que exista requerimento da parte e os fatos estejam modificados, em decisão fundamentada.

Não se deve confundir tutela antecipada com tutela cautelar, pois nesta última concede-se no presente a proteção do que provavelmente será obtido no futuro, enquanto que na primeira concede-se no presente o que só seria obtido no futuro. A tutela cautelar deve ser requerida em processo autônomo, acessório ao principal e a tutela antecipada é requerida no próprio processo. Para a tutela cautelar é necessário apenas o fumus boni iuris (verossimilhança), e para a tutela antecipada é necessária a probabilidade (verossimilhança e prova inequívoca). A tutela cautelar é temporária e tutela antecipada é provisória A tutela antecipada punitiva não exige o requisito da urgência e a tutela cautelar sempre exige.

Também não se confunde com julgamento antecipado da lide, pois neste há uma sentença definitiva, de cognição exauriente, com as peculiaridades daquela proferida no estado normal do processo. Na tutela antecipada, há apenas uma antecipação dos efeitos da tutela que será conferida pela sentença, é concedida por decisão interlocutória, de cognição sumária.

A tutela antecipada pode ser concedida contra o Poder Público, desde que verificadas as restrições do art. 1º da Lei nº 9.494/97, do art. 100 e do art. 730 do Código de Processo Civil.

A doutrina moderna prevê uma nova espécie de tutela antecipada, possível quando parte da demanda não se encontra mais controvertida. Pois, a demora do processo é necessária para solucionar a controvérsia, se esta não existe, não há razão para o autor aguardar a satisfação do seu direito, podendo requerer a tutela antecipada.

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Uma parte da demanda se torna incontroversa quando o réu não contesta um ou alguns fatos, quando o réu reconhece uma parte do pedido ou um dos pedidos do autor, e ainda, quando existem pedidos cumulados e um ou alguns deles estão preparados para a decisão, enquanto que o outro ou outros necessitam de instrução probatória.

Quando o réu contesta genericamente, ou não contesta um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, é possível, a requerimento da parte, que o juiz conceda tutela antecipada com fundamento no inciso II do art. 273, já que se visa impedir que o réu abuse de seu direito de defesa, protelando a realização de direitos incontroversos. A cognição neste caso será exauriente, pois não haverá mais provas a serem produzidas e o juiz analisará o pedido em toda a sua profundidade.

O mesmo ocorre quando o réu reconhece juridicamente uma parte do pedido, um ou alguns dos pedidos do autor. A parcela do pedido reconhecida é incontroversa e pode ser antecipada a requerimento da parte, com fundamento no art. 273, II, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que neste caso, além dos fatos, o réu reconhece o direito do autor, vinculando a decisão do juiz. Da mesma forma, a cognição será exauriente.

Outra hipótese ocorre quando existem pedidos cumulados e um ou alguns deles já se encontram devidamente provados, seja porque a questão é apenas de direito, ou sendo de fato não precisa da dilação probatória, enquanto que o outro pedido ou os demais pedidos necessitam da instrução probatória. Assim, o juiz, a requerimento da parte, poderia conceder a tutela antecipada com relação ao pedido que já está devidamente provado. Aqui também a tutela antecipada é concedida com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil.

A possibilidade da tutela antecipada nestes casos se justifica porque é injusto fazer o autor (que tem razão) suportar o ônus da demora do processo, enquanto que o réu não cumpre espontaneamente a sua obrigação que já ficou incontroversa.

A decisão que concede a tutela antecipada nos casos onde não existe mais a controvérsia é fundada em cognição exauriente, já que o juiz analisará essa parte da demanda em toda a sua profundidade, enquanto que normalmente a tutela antecipada é concedida com base em cognição sumária. Disto decorrem algumas conseqüências.

A concessão da tutela antecipada, em que pese ser uma decisão interlocutória, produzirá coisa julgada material, pois as partes não poderão discutir novamente a parcela antecipada num momento posterior.

Conseqüência disto é a impossibilidade de revogação ou modificação da tutela antecipada, pois esta não foi concedida em mero juízo de probabilidade, mas sim de certeza. Por esse mesmo motivo, não se exige a reversibilidade como requisito para a concessão.

A execução da decisão que conceder a tutela antecipada quando relacionada à parte incontroversa da demanda não precisará ser provisória, poderá ser definitiva, pois a decisão não poderá ser alterada.

A possibilidade de recorrer da decisão que conceder a tutela antecipada fica mais restrita nas hipóteses da não contestação e do reconhecimento parcial do pedido.

Na não contestação, o réu não poderia recorrer com fundamento nos fatos que não foram contestados, pois quanto a estes ocorreu a preclusão temporal, mas poderia recorrer quando entender que dos fatos não contestados não decorre aquele direito conferido pelo juiz na tutela antecipada, ou ainda, poderá recorrer para alegar matérias que impossibilitariam a presunção de veracidade (art. 302, I, II, III, CPC).

No reconhecimento jurídico parcial do pedido, o réu não poderia recorrer para impugnar a parcela do pedido que foi reconhecida, pois operou-se a preclusão lógica, mas poderia recorrer quando não concordar com os efeitos conferidos pelo juiz à parte do direito reconhecido.

Já quando a tutela antecipada é concedida com relação a um ou alguns dos pedidos cumulados, o recurso não fica restrito, pois o réu não anuiu com a pretensão do autor, não tendo ocorrido a preclusão.

O processo prosseguirá quanto à parte do pedido que ainda está controvertida, não precisando o juiz, na sentença, se referir àquela parte que já foi decidida quando da concessão da tutela antecipada.

Dessa forma, para a concessão da tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda é necessário: a) o requerimento da parte, b) uma parcela da demanda incontroversa, seja pela não contestação, pelo reconhecimento parcial do pedidos ou pela existência de pedidos cumulados, c) decisão fundamentada do juiz.

Essa nova forma de tutela antecipada, quando não está presente a urgência, é mais um passo em direção aos objetivos de efetividade e tempestividade da prestação jurisdicional, que vêm sendo abordados pela doutrina moderna.

É injusto fazer com que o autor espere até a sentença para ver satisfeito um direito que já está incontroverso, já que ele é a parte mais onerada pela demora do processo. Somente com a possibilidade da tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda tal situação pode ser modificada, distribuindo de forma igual, entre autor e réu, o ônus de suportar a demora do processo. O réu suporta àquela parte que já está incontroversa, e o autor somente arca com a parcela do pedido em que ainda existe a controvérsia.

O atual Código de Processo Civil não prevê expressamente essa espécie de tutela antecipada, mas ela pode ser aplicada com fundamento no inciso II do art. 273, pois abusa do seu direito de defesa o réu, que não cumpre a sua obrigação já incontroversa no processo.

Os redatores do projeto do novo Código de Processo Civil, verificando a importância e necessidade da tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda irá incluir o § 6º ao art. 273, que tem a seguinte redação: "A tutela antecipada poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Com o instituto da tutela antecipada, procura-se concretizar os princípios da efetividade, tempestividade, instrumentalidade, acesso à justiça, isonomia processual, e acima de tudo, alcançar a tão almejada "justiça". E esta, muitas vezes, só poderá ser alcançada com a distribuição igualitária da demora do processo às partes demandantes, como ocorre quando se concede a tutela antecipada com relação àquela parcela da demanda que já está incontroversa.


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Sobre a autora
Cecília Rodrigues Frutuoso

advogada em Leme (SP), especializanda em Processo Civil na Unifian

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRUTUOSO, Cecília Rodrigues. A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3059. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

O texto se refere ao Projeto de Lei nº 3.476/2000, o qual deu origem à Lei nº 10.444/2002, que positivou a tese em que se baseia este trabalho. Monografia escrita sob orientação do professor André Antonio da Silveira Alcântara.

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