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A biometria como instrumento de garantia constitucional do voto

Agenda 28/10/2014 às 13:33

O presente artigo tem o objetivo de traçar um paralelo entre o passado, o presente e o futuro dos métodos empregados pela Justiça Eleitoral para assegurar o voto livre do eleitor, assim como garantir a lisura do resultado do pleito, com a urna eletrônica.

Sumário: 1 - Introdução. 2 – Histórico. 3. Da Constitucionalidade do Sistema Biométrico Eleitoral Como Garantia do Exercício do Voto Eletrônico. 4 – Conclusão.                 

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de traçar um paralelo entre o passado, o presente e o futuro dos métodos empregados pela Justiça Eleitoral para assegurar o voto livre do eleitor, assim como garantir a lisura do resultado do pleito, considerando que, atualmente, em todos os setores do Poder Judiciário, tem-se primado pela observância do princípio da segurança jurídica, notadamente no campo eleitoral, mediante o uso da nova geração de urnas que utiliza a tecnologia biométrica. O estudo aponta, ainda, a dinâmica dos fatos relacionados com a necessidade humana de identificação do indivíduo, desde os primeiros registros bíblicos, passando pela mitologia grega, e desaguando nos tempos atuais, com a utilização da fotografia e, mais recentemente, com o uso da biometria. Por fim, o trabalho enfrenta a constitucionalidade desta nova técnica de identificação individual, sempre em busca da preservação da liberdade de voto do cidadão.

Palavras-chave: Liberdade. Voto. Identificação. Eleitor. Segurança Jurídica. Biometria. Histórico. Constitucionalidade.


1. INTRODUÇÃO

Depois que o homem aprendeu a falar e a escrever, muitos equipamentos de comunicação foram inventados, pois a escrita e a fala, por si sós, não foram suficientes para transmitir, com rapidez, os fatos que interessam às pessoas. Muitos aparelhos foram inventados como a máquina de escrever, o telégrafo, o telefone, o televisor, mas nenhum deles foi suficiente para garantir disponibilidade, confiabilidade, celeridade e armazenamento da comunicação mediante documentação on line como a cibernética.   

Dentre os múltiplos equipamentos da cibernética, uma das grandes novidades nos últimos tempos é a tecnologia da informática. Essa ferramenta bastante conhecida pelo gênero humano, mas não dominada por todos, tem sido responsável por uma gama de informações que regulam a vida das pessoas na sociedade contemporânea.

A grandeza da informática, com suas variáveis concepções, lhe confere utilidade em inúmeros setores da sociedade humana, dentre os quais, com larga aplicação, se destacam as atividades realizadas pelo Poder Judiciário, onde, ultimamente, os processos já tramitam com muita eficiência em procedimento judicial eletrônico ou digital.

No plano da justiça eleitoral, a escolha de candidatos aos cargos eletivos há muito vem sendo feita em urna eletrônica, cujo funcionamento tem a presteza de divulgar em tempo mínimo o resultado das eleições, dispensando-se a cansativa e improducente contagem manual de votos em cédulas de papel, como outrora era praticada no país inteiro, pelas juntas apuradoras, em longos e fatigantes dias de apuração, sob a pressão psicológica e implacável de candidatos, de advogados, da população, de fiscais e de delegados de partidos, ávidos pelo breve resultado do pleito, circunstância que, não raras vezes, acabava comprometendo a qualidade do trabalho desenvolvido pelos escrutinadores.

O presente artigo tem o objetivo de traçar um paralelo entre o passado, o presente e o futuro dos métodos empregados pela justiça eleitoral para assegurar o voto livre do eleitor, assim como garantir a lisura do resultado do pleito, considerando que, atualmente, em todos os setores do Poder Judiciário, tem-se primado pela observância do princípio da segurança jurídica, notadamente no campo eleitoral, mediante a utilização da nova geração de urnas eletrônicas.

Para emprestar maior segurança e garantia tanto à eleição em si, como ao seu resultado, a Justiça Eleitoral vem realizando, em todo o território nacional, o prévio recadastramento de eleitores, desta feita com o emprego conjugado da ciência e da tecnologia. Essa experiência novidadeira, sem paradigma em outro país, chama-se biometria e tem como fundamento a identificação do eleitor através de suas impressões papilares e da fotografia, as quais ficam armazenadas em banco de dados eletrônico, sob a tutela do TSE, para confrontação no momento do exercício do voto.

Na verdade, trata-se de método biocientífico de identificação da pessoa humana que pode ser disponibilizado, em caso de necessidade, a outros setores do serviço público, como a justiça comum estadual e federal, os organismos policiais, as instituições tributárias, as empresas aeroportuárias e alfandegárias, etc.

Com o emprego da biociência a serviço da Justiça Eleitoral, afasta-se cada vez mais a possibilidade da incidência da prática abominável do voto de cabresto imposta, em currais eleitorais do vasto território brasileiro, por coronéis da política regional e nacional. Esse método tão maléfico ao sistema republicano vem perdendo, a cada dia, sua força, em face da substituição da cédula de votação pela urna eletrônica. O objetivo é eliminar corrupções, fraudes, votos fantasmas, compra de votos, troca de favores, emprego de violência, quebra da sigilosidade do voto, abuso de poder político ou econômico e a prática de qualquer outro tipo de pressão ou opressão contra o eleitor.

Mas é indispensável que o eleitor também contribua para o sucesso das medidas tecnológicas que vem sendo aperfeiçoadas pela Justiça Eleitoral para evitar as ocorrências supracitadas. Desse modo, deve o eleitor incorporar a consciência de que o candidato não está obrigado a fazer-lhe concessões, tais como: pagamento pelo voto, doação de tijolos ou de telhas, fornecimento de notas de combustível, financiamento de móveis e utensílios domésticos, confecção de vestuário ou de prótese dentária, aquisição de passagens, etc.

A corrupção é um fenômeno sociológico e possui o papel primordial de movimentar as inovações institucionais. É a partir de práticas criminosas cada vez mais engenhosas que o sistema se aperfeiçoa. No campo político, sob a visão ainda atual de Machado de Assis, retratada no célebre conto “Sereníssima República”, a corrupção é algo que está arraigado nas ações ilegítimas dos agentes políticos, que causam desordem ao perfeito equilíbrio do sistema e desencadeiam uma histeria ética generalizada, dando margem, por conseqüência, à desenfreada fraude eleitoral.

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No arguto vaticínio de Fernando Filgueiras[1]:

A corrupção, inclusive, é um fato da política, porquanto, de acordo com a concepção aristotélica, ela compreende a manutenção do movimento do corpo político ao longo do tempo, uma vez que ela propicia a geração de mecanismos institucionais para o seu controle. Não é possível, desse modo, erradicar a prática da corrupção, já que ela configura a possibilidade de reprodução da ordem desde que mantida sob controle. Não há possibilidade de forma política perfeita, já que o mundo, tanto natural quanto político, assenta-se na unidade ontológica e, ao mesmo tempo, no movimento que demanda, para a sua continuidade, mecanismos de controle sobre a possibilidade de desordem.

Contra isso tudo, há uma crescente demanda social pugnando sempre pela aplicação do princípio da transparência, a fim de retomar a manutenção da ordem política legítima e da boa governabilidade no âmbito do setor público e do setor privado.       

Inobstante essa incontrastável realidade, somente alcançaremos a excelência no exercício do voto eletrônico quando o sistema estiver interligado nacionalmente para permitir ao eleitor exercê-lo em qualquer lugar do país sem comprometer a lisura do pleito. Melhor explicando, teríamos que criar um sistema que identifique o eleitor nacionalmente e permita que o mesmo vote mediante a leitura de sua impressão digital ou do título eleitoral em sistema semelhante ao do cartão de crédito, num ambiente em que seja garantido o sigilo da votação, seu livre direito de escolha e a inviolabilidade do voto.


2. HISTÓRICO   

Desde a sua existência, o homem vem procurando identificar seus semelhantes através de sinais particulares trazidos com o nascimento ou adquiridos durante a sua existência. É muito comum também o homem marcar sua moradia e os objetos de uso pessoal com elementos ou símbolos que definem a sua personalidade para tornar-se individualizado.

É sabido que tais insígnias não são suficientes para assegurar a idoneidade das informações que pretendem distinguir seus usuários das demais pessoas, porque podem ser facilmente adulteradas. Daí porque no mundo globalizado, onde se busca cada vez mais otimizar as tarefas diárias, em todos os ramos das atividades humanas, o uso de métodos de identificação do ser humano vem sendo aperfeiçoado para que sejam diminutas as possibilidades de engano.

Ainda recordo de minha infância e adolescência na escola, quando era obrigatório o denominado exame biométrico a todos os alunos para capacitá-los à prática da educação física. O exame consistia na coleta de certas medidas e de sinais característicos, tais como: altura, peso, cor, defeitos físicos, etc.

Mas nem sempre foi assim. De acordo com o registro bíblico, Abraão colocou brincos em Agar, sua escrava e amante, para distingui-la de sua esposa Sara. Do mesmo modo, colocou brincos e adornos em Ismael, filho que teve com sua escrava para diferençá-lo de Isac, filho de sua esposa Sara.

Na mitologia grega, é conhecido também o exemplo da identificação de Ulisses, após retornar da guerra, por sua velha ama. Não sendo capaz de reconhecer o herói confrontando-lhe apenas o rosto com a imagem que dele conserva na memória, a mucama consegue, logo depois, desvendando em sua coxa, pouco acima do joelho, uma antiga e indelével cicatriz de dentada de javali.[2]

Consta também na Odisséia (Canto XXIII) que Penélope, esposa de Ulisses, não admite, de logo, o esposo no tálamo conjugal sem primeiro identificá-lo com muito cuidado, apelando para a recordação de segredos privativos do casal.

Outra antiga forma de identificação de pessoas é a tatuagem. Muito comum entre criminosos, desocupados, ociosos e degenerados, de acordo com vetusta doutrina, é um meio de demonstrar e traduzir a comunicação entre determinados grupos humanos, porque carregam na própria pele um símbolo indelével com variada significação, que os identificam por alguma afinidade, mesmo que tais indivíduos não se conheçam ou que não exista qualquer vinculação entre eles ou semelhança a respeito dos desenhos ou figuras tatuados.

O certo é que os tempos mudam. Os usos e costumes também. Atualmente, a tatuagem tornou-se prática rotineira entre as pessoas, em variadas partes do corpo, independentemente de seu status ou condição social. Tal afirmação é possível constatar, a olho nu, em logradouros públicos, tais como praias, clubes, academias e outros locais semelhantes.

A escrita, por inferir o caráter do indivíduo, e conferir-lhe a possibilidade de assinar o próprio nome, foi, por longos anos, também admitida como excelente forma de identificação da pessoa. Mas a natureza humana, permeada pela existência de pessoas que falsificam sua própria assinatura e de outros indivíduos que imitam a caligrafia e rubrica de outrem, fez com que sua idoneidade sofresse graves inconvenientes. Por essa razão, não goza de plena confiabilidade, mesmo que avalizada por sinal público, sendo, em nossos dias, mais um componente adjutório da identificação da pessoa humana.  

Com o aparecimento da fotografia, buscou-se nessa tecnologia a saída para a perfeita identificação das pessoas. Mas a possibilidade da existência de gêmeos, de sósia e da clonagem humana, bem assim a fraude na montagem da foto, a circunstância do envelhecimento ou da mudança das características fisionômicas e anatômicas da pessoa, por inúmeras razões, tal como a particularidade de semelhanças, entre indivíduos, parentes ou não, levaram essa ferramenta de identificação do ser humano ao insucesso, servindo, em nossos dias, apenas como um elemento acessório.

Após várias tentativas da ciência no sentido de encontrar um sistema eficaz de identificação de pessoas, Juan Vucetich criou o método datiloscópico, adotado entre nós, que consiste na colheita das impressões papilares das mãos, e até dos pés do indivíduo, para compará-las com os dados encontrados em local de crime ou previamente cadastrados em formato digital ou documental na repartição pública para confirmação da identidade do ser humano.

Com o tempo, estudiosos demonstraram que, apesar dos desenhos papilares serem perenes, fatores patológicos, como, por exemplo, o panarício, a lepra, o manuseio de substâncias corrosivas, etc. podem acarretar a imprecisão do exame datiloscópico pela deformação ou destruição das impressões digitais. Mas essa circunstância não retira a confiabilidade que devemos ter na datiloscopia porque sabemos que os desgastes fisiológicos da pele e a senilidade não apagam, nem alteram os desenhos nela constantes desde o nascimento do ser humano. Como afirmou Hélio Gomes[3], as impressões digitais são o “selo de Deus posto nas mãos de todos os homens”.

Com o avanço da tecnologia, a biometria ocupa, atualmente, espaço relevante no âmbito das variadas atividades do gênero humano, pois, como ferramenta da informática, tem sido utilizada amplamente a serviço de inúmeros setores da sociedade, considerando a praticidade de seu uso para a identificação de pessoas pelas impressões digitais e palmares, pela assinatura, pela fotografia, pela íris, pela retina, pela voz, pela morfologia da face, dentre outras formas aceitas.

No plano judicial, por exemplo, a biometria é a grande novidade a serviço da urna eletrônica, porquanto facilita a identificação do eleitor por meio de sua fotografia e da coleta de suas impressões papilares. Esta técnica permite não apenas perscrutar os dados relativos à identidade do eleitor apto a votar, mas também averiguar a lisura e a credibilidade dos pleitos eleitorais, dinamizando e consolidando cada vez mais os trabalhos que a Justiça Eleitoral desenvolve de forma pioneira no Brasil e no mundo.

A adoção da biometria, como ferramenta da urna eletrônica e, ipso facto, do voto popular, em muito contribui também para o impedimento de fraudes e de corrupções eleitorais que, no passado, davam margem à indisfarçável alteração de resultados no boletim de urna, no mapa geral e no fechamento da eleição proveniente da apuração manual, pois a proclamação dos resultados no antigo procedimento nem sempre garantia a segurança que o atual sistema confere ao certame.

Com efeito, os elementos colhidos através do sistema biométrico de identificação do eleitor são cadastrados em meio digital e armazenados em computadores, sob a chancela do TSE, assim como na urna eletrônica da sessão eleitoral, onde o eleitor que se encontra apto a votar poderá ser facilmente identificado através de sensores. Os dados cadastrados perante a Justiça Eleitoral também podem ser utilizados pelos órgãos da persecução penal e fiscal, sempre que haja necessidade de localizar pessoas ou de comparar dados fornecidos pelos indivíduos com os existentes nos escaninhos dessas repartições. Daí a suprema importância dessa ferramenta da informática na atualidade.


3. DA CONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA BIOMÉTRICO ELEITORAL COMO GARANTIA DO EXERCÍCIO DO VOTO ELETRÔNICO                  

A Carta Magna Brasileira dispõe no parágrafo único do art. 1.º, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Trata-se de princípio fundamental cujo objetivo é garantir a soberania popular através do exercício de sufrágio universal pelo voto livre, direto e secreto, com valor igual para todos os cidadãos eleitores, consoante regulamenta o art. 14, caput, do diploma supracitado.

 Na verdade, o que a nossa Carta Constitucional prega é o respeito ao regime democrático, que é o fundamento da República Federativa do Brasil. Portanto, é através do voto livre e soberano que o exercício da democracia se concretiza e o povo manifesta o inviolável direito de indicar seus representantes legais, os quais investidos das prerrogativas e dos poderes que lhes foram outorgados governam e tomam decisões em nome da vontade popular.

A urna eletrônica que possibilita o exercício do voto pelo eleitor configura, em outras palavras, o contraconceito da corrupção se a ligarmos à ideia que temos de bom governo. É que não podemos dissociá-la da concepção de valores e de normas de aspecto moral e político que envolve sua definição e sua história.

Por essa razão, a urna eletrônica está legitimada constitucionalmente, pois ela conserva todas as garantias do direito ao voto, dentre as quais pode-se destacar a sigilosidade. Ela também constitui o instrumento garantidor do exercício do voto do eleitor mediante a remota possibilidade da ocorrência de fraudes que possam comprometer a lisura do pleito.

Para garantir a segurança do exercício do voto livre e soberano, a Justiça Eleitoral há muito vem desenvolvendo mecanismos de proteção contra a fraude, a fim de que determinados candidatos não sejam privilegiados em detrimentos de outros, mediante a utilização de artifícios que possam comprometer a correta apuração do resultado da votação.

Nesse contexto, campanhas educativas são desenvolvidas maciçamente, em todos os setores da sociedade, para instruir o eleitor menos esclarecido a votar. Nesse particular, inúmeros instrumentos de combate à corrupção têm sido utilizados para evitá-la ou minimizá-la, dentre os quais se destaca, como de importância primordial, a informática, que tem sido uma aliada inseparável dos operadores do processo eleitoral de escolha de candidatos a cargos públicos eletivos, porquanto essa tecnologia, inobstante ainda se apresentar como uma ferramenta novidadeira, em nosso meio, vem sendo largamente utilizada em outros campos da atividade humana com invejável sucesso e presteza.

Com a tecnologia da biometria, a urna eletrônica se consolida cada vez mais como meio seguro de coleta do voto popular e como mecanismo adequado do exercício democrático da cidadania, considerando a remota possibilidade da prática de fraude por candidatos ou por eleitores mal intencionados durante o procedimento de colheita do sufrágio.

Em suma, pode-se afirmar que o sistema biométrico de identificação do eleitor é mais um aliado do Poder Judiciário na luta contra a corrupção eleitoral, sendo certo que não será, em definitivo, a última palavra no combate a essa prática abominável que tantos malefícios causam ao organismo social, posto que estaremos sempre em busca de novos mecanismos para atalhar ou neutralizar as constantes investidas dos contraventores, cuja criatividade é cada vez mais sofisticada.   


4. CONCLUSÃO

A Justiça Eleitoral evoluiu bastante. Houve um tempo em que o próprio candidato ficava com a urna e comparecia à casa do eleitor para buscar o voto. O livro “Coronelismo, Enxada e Voto” do inolvidável Ministro do STF Victor Nunes Leal retrata muito bem essa questão, ainda atual, pois, em nossos dias, embora o candidato não compareça mais pessoalmente à residência do eleitor, a invade via satélite, por intermédio de um dos mais democráticos veículos de comunicação de massa, no caso a televisão, durante o horário político obrigatório, não obstante, a toda hora, possa também atingir a intimidade do eleitor, mediante inserções de mensagens através das variadas formas permitidas pelas redes sociais.

O modernismo eletrônico tem afastado cada vez mais o contato corpo a corpo de candidatos e eleitores. Além disso, tem causado o desinteresse da população pela eleição e apuração dos votos. Os comícios realizados nos palanques das pracinhas das cidades, a exemplo da minha pacata São João Batista, encantavam os habitantes com os inflamados discursos feitos, em tantas ocasiões, sem microfones e sem alto-falantes, deixando claro que, muitas vezes, a eleição era disputada no grito.

A votação agora é eletrônica. A apuração também. Acabaram-se, assim, aquelas intermináveis filas para votar em cédulas de papel. A fatigante espera pelo resultado da apuração acabou porque os escrutinadores cederam espaço à calculadora da urna eletrônica. Políticos que aguardavam sôfregos, em suas casas ou em seus diretórios, por semanas infindáveis, entre contas e previsões incríveis, a divulgação dos boletins de urna, não mais se desesperam porque o resultado da apuração agora é imediato, transmitido via on line de qualquer lugar do país para a central de totalização.

Os antigos não gostam dessa rapidez, principalmente aqueles que ainda habitam os tugúrios mais longínquos do nosso imenso território brasileiro, porque perderam a possibilidade de ficarem dias e noites, madrugada adentro, torcendo por seus candidatos, apostando com vizinhos opositores, e anotando tudo, com papel e lápis na mão, ao som do radinho a pilha.

Mas o progresso é necessário. O título eleitoral será, no futuro, uma espécie de cartão magnético. É bem provável que, dentro de alguns anos, nem precisemos ir à sessão eleitoral para votarmos. Faremos isso de casa mesmo, pela internet, ou quem sabe em qualquer terminal eletrônico, a exemplo do que já praticamos com os cartões de crédito.

Contudo, como garantir, no próprio lar doméstico, a higidez do voto do eleitor sem o risco das influências familiares? Essa é uma questão que se levanta para suscitar soluções ou respostas dos programadores dos softwares desenvolvidos para os pleitos eleitorais. Creio que essa é uma saída que dificilmente os experts da informática encontrarão, pois será praticamente impossível fiscalizar a liberdade do exercício desse tipo de voto e impedir a ação maléfica de interlocutores no momento da votação, porque praticado intra muros.       

Feitas tais considerações, deve ser dito que a votação por meio da urna eletrônica foi utilizada no Brasil, pela primeira vez, em 1996. Após estudos realizados por eminentes pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Centro Técnico Aeroespacial (CIA), foi desenvolvido um sistema que permitiu a completa automatização dos pleitos eleitorais em prol da livre manifestação do voto eletrônico e do seu total sigilo.

Como moderno instrumento de identificação de eleitores, o sistema biométrico de votação eletrônica adotado no Brasil não possui paradigma em qualquer outro país. É produto genuinamente brasileiro, podendo-se dizer também que é referência mundial na seara judicial. Regulamentado pela Resolução n.º 23.335/2011 do TSE, o cadastramento biométrico vem sendo realizado paulatinamente pela Justiça Eleitoral no território nacional com a intenção de incluir todo o eleitorado brasileiro no sistema.

A intenção é válida. Na verdade, é algo necessário nos dias atuais. O grande mérito é o acesso de todos os cidadãos eleitores ao sistema, independentemente do seu nível social ou grau de instrução, posto que a inclusão digital é a tônica desse novel sistema.

O objetivo é tornar todo o procedimento das eleições mais seguro, mediante a utilização da nova geração de urnas eletrônicas. Dentro dessa perspectiva, é imperioso afirmar que o sistema eleitoral biométrico brasileiro representa os olhos desvendados da Deusa da Justiça a mirar sobre um mundo virtual específico, a fim de evitar a prática abominável de fraudes e de corrupções durante a tramitação do processo eleitoral de escolha de candidatos a cargos eletivos.

Muito embora essa preocupação judicial esteja sempre presente, é bom lembrar que, enquanto existirem pessoas tentando burlar esse ou outro sistema de proteção contra o suborno e a defraudação a ser criado no futuro, haverá apenas uma expectativa de se evitar a ocorrência de fraude e de corrupção no âmbito eleitoral, pois tais práticas incorporam fenômenos que proliferam no mundo político-social e frequentemente se manifestam para enodoar a boa Administração Judiciária Eleitoral.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1988). São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção, Democracia e Legitimidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

GOMES, HÉLIO. Medicina Legal. 20.ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos.

HOMERO. Odisséia, Cantos XIX e XXIII.

LEAL, VICTOR Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 4.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


Notas

[1] In Corrupção, Democracia e Legitimidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 32/33, 2008.

[2] Odisséia (Canto XIX, 380-382 e 468-476).

[3] In Medicina Legal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 20.ª ed., p. 76. 

Sobre o autor
José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito Titular da 8.ª Vara Cível em São Luís. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo. A biometria como instrumento de garantia constitucional do voto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4136, 28 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30656. Acesso em: 22 nov. 2024.

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