CAPÍTULO IV - DADOS INFORMATIVOS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO
Segundo Bettencourt e Jacobs (2003), em artigo publicado sobre o tema:
“A Constituição brasileira determina claramente que é inconstitucional o trabalho de crianças com menos de 16 anos. Mas os últimos dados do Pnad (pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) mostram que em 2001 quase 5,5 milhões de crianças e jovens até 17 anos estavam inseridos no mercado de trabalho. Entre os jovens trabalhadores, quase 2,4 milhões têm idade entre 5 e 14 anos”.
Os autores do citado artigo indicam que os números apresentados pela pesquisa demonstram uma redução na quantidade de crianças que trabalham no Brasil em 34,9% em termos absolutos. Ou seja, em número quer dizer que entre 1992 a 2001 quase 3 milhões de crianças deixaram de trabalhar.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa realizada no ano de 2001, mais de 80% dos trabalhadores economicamente ativo estão inseridos no setor informal da economia, e que os serviços domésticos são provavelmente uma das atividades produtivas urbanas, que mais emprega as meninas.
O Brasil possui cerca de 500.000 crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que trabalham como domésticas em casas de terceiros, a maioria mulheres, e grande parte delas, negras. (IBGE/2001). A pesquisa realizada pelo PNAD em 2001, demonstrou que as mulheres respondem por 95,6% do trabalho doméstico, sendo que 43,7% delas são meninas entre 12 e 15 anos e que um terço começou a trabalhar entre os 5 e 11 anos. Das crianças e adolescentes que trabalham em casa de terceiros (dados PNAD/2001): 93% são do sexo feminino; 61% são afrodescendentes; 45% têm menos de 16 anos (idade mínima permitida por lei para o trabalho doméstico).
De acordo com a análise da pesquisa acima indicada (IBGE/2001), ao todo, cerca de 500 mil crianças trabalham como domésticas no Brasil, corroborando com outros estudos a cima citados. A cidade de Belo Horizonte (MG) é a região com maior número de crianças envolvidas nesta modalidade de exploração. Em Salvador (BA) o Trabalho Infantil Doméstico representa 10%, ou seja, cerca de 8 mil crianças, que recebem remuneração, na maioria das vezes, inferior ao salário mínimo. Do total de 502.839 crianças envolvidas no trabalho doméstico no país, a região com maior número é o Nordeste com 166.703, seguido da região Sudeste com 154.674, a região Sul com 76.580, a região Centro-Oeste com 54.716 e a região Norte com 50.166.
Embora tenham sido apresentados números expressivos, deve-se ressalvar que os dados oficiais referentes ao trabalho de crianças e adolescentes, em todas as suas modalidades, em nossa sociedade ainda são parciais, o que dificulta o conhecimento de suas realidades de vida e trabalho. Isso é justificado pelo fato de muitas ocupações exercidas por esses indivíduos não serem considerados como trabalho e sim como "ajuda" ou "favor", principalmente quando se trata do trabalho infantil doméstico e, portanto, se tem uma dificuldade de inseri-las nas estatísticas; além disso, as proibições legais e também as circunstâncias que as envolvem, são fatores que dificultam a feitura de pesquisas nessa área.
CAPÍTULO V - CAUSAS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO
A modalidade do Trabalho Infantil Doméstico aparece em todos os indicadores de exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes. Apesar de presente nas estatísticas, os instrumentos para avaliar o problema ainda são raros. Há poucos estudos sobre o tema e mesmo o marco legal para o seu enfrentamento ainda não está definido. Também não existem políticas públicas específicas. O que observamos são ações localizadas.
Além disso, apresenta-se um cenário de desigualdade social e miséria, em que uma mãe prefere entregar sua filha para trabalhar em casa de terceiros a vê-la passar por necessidades ou até morrer de fome. O que explica, em parte, a questão da aceitação cultural desse tipo de atividade, quase como uma justificativa para a sua legitimação.
Ao lado do fator econômico, há a questão cultural, a crença de que trabalhar é bom, sendo apontada pelos especialistas como um dos mitos que legitimam o trabalho infantil no Brasil. Alguns empregadores de mão-de-obra infantil, em especial no âmbito doméstico, juntamente com os responsáveis pelas crianças se utilizam da ideia de que o trabalho é bom por natureza, é uma oportunidade de aprender um ofício e ajudar na economia familiar. Esta visão se sobrepõe às verdadeiras consequências desse trabalho.
Assim, a principal causa que leva crianças e jovens de todo o mundo a serem obrigados a trabalhar é a pobreza. Famílias de baixa renda travam uma verdadeira luta diária pela sobrevivência em países cujos governos não dão prioridade a áreas como saúde, educação, moradia, saneamento básico, programas de geração de renda, entre outros. As crianças são forçadas a assumir responsabilidades em casa ou acabam indo elas mesmas buscar a complementação da renda familiar. Como bem é abordado por Kassouf (2003, p. 28):
“O Brasil tem 58 milhões de crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos. Mais da metade têm pais com baixa escolaridade e rendimentos mensais inferiores a meio salário mínimo. Esse quadro de pobreza e exclusão social levou mais de 5 milhões de crianças e adolescente ao trabalho, e quase meio milhão de meninas ao trabalho doméstico”.
Outro fator que contribui para a existência desta problemática é o nível de escolaridade dos adultos - pais. Tem-se que, mantido o mesmo nível de renda, quanto menor a escolaridade dos pais, menor tende a ser a importância dada por eles à educação dos filhos; e maior é a probabilidade das crianças abandonarem a escola e engajarem-se no mercado de trabalho, pois pais com menor escolaridade têm maior dificuldade em auxiliar seus filhos em atividades escolares: "Para todas as faixas etárias, a proporção de ocupados declina com o aumento da escolaridade da mãe", de acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT, 2003, p. 2).
Por outro lado, o fenômeno da exploração infantil, tanto no trabalho doméstico como nas atividades ligadas ao mercado formal (setor de serviços, comércio e indústria) e setor informal (pequenas empresas e serviços autônomos), vem crescendo em larga escala em regiões desenvolvidas, o que demonstra que sua causa não está apenas atrelado à pobreza. O crescimento da área de serviços vem demandando maior flexibilização nas regras de emprego, o que contribui para inserção de crianças e adolescente em atividades econômicas nos países desenvolvidos, além de ser uma mão-de-obra mais barata, como já anteriormente citada.
Afigura-se óbvio que quanto menos desenvolvido for um país, maior é a proporção de trabalho infantil. Quanto mais elementar for a atividade econômica, não exigindo qualificações pessoais, maior será a dimensão das crianças que são admitidas como mão-de-obra, como é o caso do trabalho doméstico, comprovando que existe uma forte relação entre a ausência de instrução e a problemática sob comento.
Embora 96% dos menores trabalhadores domésticos saibam ler e 74% estejam estudando (OIT, 2003, p.2), os dados indicam que quanto maior o tempo no trabalho doméstico, maior é o índice de atraso escolar, como consequência das longas jornadas de trabalho que provoca o cansaço atrapalhando assim os estudos.
CAPÍTULO VI - CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO
O fato do Trabalho Infantil Doméstico estar elencado indiretamente no rol das piores formas de trabalho infantil não é por acaso, de acordo com a Convenção n° 182 da OIT, e sim pelas consequências que podem advir do seu exercício.
Assim como todo problema, o Trabalho Infantil Doméstico, traz algumas consequências ruins que vão muito além do aspecto social e de impactos na saúde da criança recaindo no campo econômico, como discorre Kassouf (2003, p. 42):
“Seria necessária uma mudança de enfoque da mídia, não enfatizando apenas os aspectos brutais do Trabalho Infantil mas também os efeitos a longo prazo: abandono prematuro escolar, gerando diminuição da empregabilidade; reprodução das desigualdades sociais, força de trabalho pouco qualificada, gerando baixa produtividade e competitividade do país”.
Pode-se destacar a primeira delas e talvez a mais importante que é a baixa no rendimento escolar: "os que se iniciaram como empregados domésticos possuíam em média 1,6 anos de estudos a menos do que aqueles que começaram a trabalhar em outras ocupações" (OIT, 2003, p.2). O que mais preocupa é que quando essa criança crescer vai passar pelo mesmo problema de sua mãe (baixa escolaridade). Segundo dados do IBGE, cerca de 30% das crianças exploradas nesta modalidade de trabalho, são de família cujos pais não possuem nenhum ano de escolaridade (IBGE/1999).
Com isso, começa a surgir um círculo vicioso como forma de perpetuar a pobreza, pois a falta de escolaridade da mãe colabora para a existência de trabalho infantil, que, por sua vez, promoverá a baixa escolaridade da filha, mantendo-se assim, as condições que porventura sorverão a neta para o mesmo destino. Ou seja, por não terem tido a chance de estudar durante o período da infância e da adolescência, os trabalhadores domésticos infantis dificilmente têm chance de conseguir uma requalificação profissional quando se tornarem adultos.
Aos problemas sociais que o trabalho infantil doméstico causa se somam os prejuízos causados à saúde das crianças e adolescentes. Queimaduras, intoxicações por produtos químicos, cortes com facas, dores musculares, desvios na coluna ocasionada por esforço físico com objetos pesados e ferimentos causados por animais domésticos são danos comuns sofridos pelas crianças e adolescentes domésticas.
Porém, o prejuízo maior ocorre no desenvolvimento psicológico dessas crianças. Sabendo-se que a criança é submetida ao mesmo regime de trabalho imposto ao adulto, verifica-se que gera a ruptura entre maturidade, responsabilidade e força, tomando-se adultas precocemente, queimando etapas da infância, fundamentais para o desenvolvimento sadio e harmonioso. Enfim, crianças com desempenho escolar prejudicado, saúde exposta a riscos diversos e, principalmente, com perspectiva de baixos rendimentos na vida adulta, são os frutos colhidos na sociedade pelo desapreço à infância.
CAPÍTULO VII - FORMAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO
O combate ao trabalho infantil deve ser para as autoridades administrativas, judiciais e para toda sociedade, uma questão de direitos humanos, direitos esses fundamentais e inalienáveis. O trabalho infantil deve ser eliminado, em particular nas suas manifestações mais intoleráveis como a modalidade doméstica com todas as circunstâncias que a envolvem, por não ser consistente com a ética de uma sociedade democrática que objetiva a equidade e a igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos.
Como diz a Convenção n° 182 da OIT, que nasceu da consciência de que, embora todas as formas de trabalho infantil devam ser repudiadas, algumas são hoje absolutamente intoleráveis, devendo-se demandar ações imediatas e eficazes por parte dos países-membros que a ratificaram.
Por isso, é importante se falar nas medidas tomadas pelas autoridades com a finalidade de erradicação do Trabalho Infantil Doméstico. Tem se trabalhado muito no fator conscientização, sendo um exemplo o Projeto Regional para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil Doméstico que é promovido pela OIT e suas ações abrangem o Brasil, Peru, Colômbia, Paraguai e mais sete países da América Central.
Este programa foi desenvolvido em parceria com o Unicef e Save the Children, e contam com o apoio da Agência de Notícia dos Direitos da Infância (ANDI) e da Fundação Abrinq, do Ministério Público do Trabalho, Ministério da Promoção e Assistência Social, entre outros órgãos. O trabalho objetiva o estudo qualitativo sobre o trabalho infantil doméstico; sensibilização da sociedade para o problema; mobilização de ONGs e de Conselhos Tutelares, realização de campanhas nos meios de comunicação, criação de grupos de ajuda e oficinas educativas; pesquisas, formação de comissões para estudo da legislação e elaboração de um plano nacional de combate ao problema. Por fim, a última etapa do programa prevê a identificação dessas crianças e a inclusão em programas de geração de renda.
Como coloca Ana Lúcia Kassouf (2003, p. 45-46):
“Dada a variedade de causas e consequências do Trabalho Infantil, é de se esperar que sua erradicação exija vários tipos de solução e ações que envolvam diversos protagonistas. Para esse árduo trabalho, estão convocados os poderes públicos, entidades e organizações e a comunidade. É impossível pensar no combate a esse problema sem que haja uma interseção de contribuições e práticas efetivas”.
Apesar de não existirem campanhas ou programas específicos para o Trabalho Infantil Doméstico, existem programas governamentais destinados ao combate ao trabalho infantil, dentre eles o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Escola. O PETI, no ano de 2002 repassou uma bolsa de R$ 25,00 por criança na área rural e R$ 40,00 na área urbana às famílias que comprovarem a manutenção de seus filhos na escola. Outro requisito é que as famílias devem ter ainda uma renda de até meio salário mínimo e crianças com idade entre sete e quatorze anos trabalhando em atividades consideradas insalubres, perigosas, penosas ou degradantes. Além disso, este programa propicia uma série de atividades socioeducativas no horário alternado ao da escola.
O Bolsa Escola, posteriormente unificado a outros programas pela Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que instituiu o Bolsa Família, é outro programa que tem como objetivo o combate ao Trabalho Infantil, além de reduzir a evasão escolar e melhorar o desempenho acadêmico de crianças que vivem em situação de pobreza. O programa conta com a formação de Conselhos Municipais responsáveis pelo seu controle, como fiscalização da frequência escolar e realização de atividades socioeducativas (culturais, educativas e esportivas) fora do período de aula para se evitar o trabalho infantil. Esses programas colaboram de forma positiva para que se evite que crianças e adolescentes tenham que trabalhar como empregados domésticos.
A participação da sociedade no combate ao trabalho infantil se faz através de conselhos de direito (Nacional, Estaduais e Municipais) e tutelares municipais criados com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 88). Cabe a estes conselhos, no âmbito de suas competências, cuidar dos direitos de criança e adolescentes trabalhadores domésticos. A função dos membros do Conselho Nacional e dos Conselhos Estaduais e Municipais dos direitos da criança e do adolescente é considerada de interesse público relevante, porém não será remunerada, conforme se depreende do art. 89.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elaborou o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, cuja execução está a cargo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, órgão composto por entidades governamentais e não governamentais.
A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e criada por intermédio da Portaria n° 365, de 12 de setembro de 2002, com participação quadripartite (representações dos trabalhadores, dos empregadores, da sociedade civil, além dos órgãos públicos federais e de organismos internacionais), visa implementar a aplicação das disposições das Convenções n°s 138 e 182 da OIT no Brasil.
Possui, como demais atribuições, verificar a conformidade das referidas Convenções com outros diplomas legais vigentes, visando às adequações legislativas porventura necessárias; o acompanhamento da execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, por ela elaborado em 2003; e propor mecanismos para o monitoramento da aplicação da Convenção 182.
No que tange a implementação das Convenções n°s 138 e 182 da OIT, existe uma determinação destas a ser implementada pelo Brasil, que é a adoção de mecanismos de punição mais severos àqueles que exploram qualquer modalidade de trabalho infantil. Não existe no nosso país nenhum dispositivo legal que considere crime explorar o trabalho da criança. O que há é uma fiscalização que tem o poder de lavrar autos de infração que podem resultar em uma imposição de multa, mas essa não é uma penalidade no sentido criminal.
Ademais, é importante destacar, porém, que essa fiscalização só é eficaz quando se trata das outras modalidades de trabalho infantil, haja vista o trabalho infantil doméstico ocorrer dentro das residências e por isso torna-se mais difícil de ser detectado, consequentemente combatido. A criminalização seria uma outra forma e talvez mais eficaz de obrigar os proprietários de residências e até os próprios pais a deixarem de explorar a mão-de-obra infantil em seus lares.
Entidades não governamentais, paralelamente ou em conjunto com a atuação destes conselhos, têm-se empenhado, com total ou parcial sucesso na erradicação do trabalho infantil em suas áreas geográficas. Destaque da Marcha Global contra Trabalho Infantil, com desdobramentos em marchas "regionais". Houve destacada mobilização para que o Brasil ratificasse as Convenções 138 e 182 da OIT, anteriormente mencionadas.
No dia 30 de abril do presente ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Unicef, a Andi e a Fundação Abrinq lançaram, em Brasília, uma campanha de conscientização sobre o trabalho infantil doméstico, cujo lema é: "Trabalho Infantil Doméstico: não leve essa ideia para dentro de sua casa!".
Os responsáveis legais dos menores, pais, mães, ou tutores, deverão afastá-los de empregos que diminuem consideravelmente seu tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário a sua saúde e constituição física, ou prejudiquem sua educação moral como está tutelado pela CLT, no seu art. 424. Não se trata de faculdade, mas de obrigação. Quando a autoridade competente, que é o Juiz da Infância e Juventude, verificar que o trabalho executado pelo menor é prejudicial a sua saúde, a seu desenvolvimento físico ou a sua moral idade, poderá como dispõe Martins (2005, p. 616 - 617):
“(...) Obrigá-lo a abandonar o serviço, devendo a respectiva empresa, quando for o caso, proporcionar ao menor todas as facilidades para mudar de funções. Não tomando a empresa as medidas possíveis e recomendadas pelo Juiz da Infância e da Juventude para o menor mude função, configurar-se-á a rescisão indireta do contrato de trabalho, na forma do Art. 483 da CLT”.