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As agências reguladoras como fomentadoras de desenvolvimento econômico e social

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

4. Descentralização e delineamento de poderes

Como preleciona Alexandre de Moraes (15):

A moderna Separação dos Poderes mantém a centralização governamental nos Poderes Políticos - Executivo e Legislativo - que deverão fixar os preceitos básicos, as metas e finalidades da Administração Pública, porém exige maior descentralização administrativa, para a consecução desses objetivos.

A idéia de descentralização surge no cenário do direito administrativo pátrio a partir do instante em que ocorre o interesse do Estado na gestão dos serviços públicos por meio de órgãos especializados, que posteriormente receberiam o nome de agências reguladoras.

A autonomia outorgada a estas agências por meio da aludida descentralização é limitada. Para um melhor esclarecimento, atenta-se às elucubrações de Flávio de Araújo Willeman (16), que aduz:

Estes limites, além de não serem incompatíveis com a autonomia, integram o seu próprio conceito. Não seria de se imaginar, realmente, que um órgão ou ente descentralizado, por mais autônomo que fosse, ficasse alheio ao conjunto da Administração Pública. A autonomia não pode servir para isentá-los da obrigação de se inserirem nos planos e diretrizes públicas gerais. Se fossem colocados em compartimentos estanques, a descentralização revelar-se-ia antitética aos valores de eficiência e pluralismo que constituem o seu fundamento.

A descentralização, portanto, somente poderá ser considerada a partir do delineamento de poderes que possam assegurar o desenvolvimento das características inerentes ao efetivo funcionamento das agências reguladoras, na busca de prossecução de seus objetivos. Este poderes são elencados da seguinte maneira: poder normativo, poder fiscalizador e poder de solucionar conflitos.

4.1 Poder normativo e controle

O poder normativo das agências reguladoras é considerado por muitos doutrinadores como o ponto de maior controvérsia no que tange aos poderes a elas conferidos. Esta controvérsia relaciona-se aos parâmetros utilizados pelo legislador ao se referir a esta questão. Di Pietro (17) é contundente ao afirmar que

As duas únicas agências que podem exercer o poder regulador ou normativo são aquelas que possuem previsão constitucional para tal: a ANATEL e a ANP. As demais não possuem previsão constitucional, o que significa que a delegação está sendo feita pela lei instituidora da agência.

O poder normativo deve caracterizar-se como instrumento por meio do qual a Administração Pública atinge seus objetivos. Especificamente, quando este poder normativo está inserido nas legislações infraconstitucionais que estatuem a respeito das agências reguladoras, este poder também deve ser caracterizado como um meio para a consecução de um fim objetivado.

Dessarte, depreende-se dai a assertiva de que o poder normativo é um instrumento obrigatório que acarreta necessariamente um poder-dever. O poder normativo das agências reguladoras somente se viabiliza devido, como preleciona. Alexandre Santos de Aragão (18):

À necessidade de descentralização normativa, principalmente de natureza técnica, sendo esta a razão de ser das entidades reguladoras independentes, ao que podemos acrescer o fato de a competência normativa, abstrata ou concreta, integrar o próprio conceito de regulação.

O estrito atendimento ao princípio da legalidade deve ser observado na fruição deste poder-dever. Diversos autores são uníssonos quanto ao entendimento de que o princípio da legalidade vincula a atuação administrativa. Roberta Fragoso de Medeiros Menezes (19), tece considerações esclarecedoras neste aspecto:

Apenas a lei em sentido formal poderia impor obrigações e restringir direitos. As agências reguladoras atuariam dentro dos limites legais, explicitando os preceitos, sem inovar no ordenamento jurídico. O fundamento do poder regulador não pode advir de standards, quais sejam, dispositivos genéricos que fixem as competências das agências. Deve haver uma forte e bem articulada base legal que justifique o exercício da normatização por parte das agências reguladoras. A obediência ao princípio da legalidade não significa que a regulamentação deve repetir aquilo que está previsto em lei, mesmo porque a norma legal não traz precisamente o conteúdo, a forma, a oportunidade da matéria a ser regulada.

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Os atos normativos das agências reguladoras devem sofrer controle dos Poderes constituídos, pois somente a partir deste controle é que ocorrerá, como salienta Alexandre de Moares (20), a necessária manutenção dos sistemas de freios e contrapesos caracterizador da idéia de Separação de Poderes e a manutenção da centralização governamental.

O Poder Executivo pode controlar através da iniciativa de lei, para criar, alterar e extinguir, indicando no projeto de lei quais as funções e finalidades de respectiva agência. A possibilidade de fiscalização que mantém será analisada no item 4.2, a seguir.

Com relação ao Poder Legislativo, reza o artigo 49, V, da Carta Magna que é da competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

A Constituição Federal consagra a inafastabilidade do controle judicial, que aplica-se totalmente às agências reguladoras. Contudo, convém salientar uma observação interposta por Moraes (21):

Ressalte-se que não haverá, em regra, a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal dos atos editados pelas agências reguladoras, pois haveria a necessidade de analisar a sua compatibilidade com os modelos genéricos - standards - previstos na lei, para concluir-se pela constitucionalidade ou não da norma secundária. Nesses casos, a jurisprudência da Corte Suprema é clara, ao proclamar que a ação direta de inconstitucionalidade não é instrumento hábil para controlar a compatibilidade de atos normativos infralegais em relação à lei a que se referem, pois as chamadas crises de legalidade, caracterizadas pela inobservância do dever jurídico de subordinação normativa à lei, escapam do objeto previsto pela Constituição. Não ficará, todavia, afastada a via do controle difuso de descumprimento de preceito fundamental, desde que a conduta da agência reguladora desrespeite qualquer preceito fundamental.

4.2 Poder fiscalizador

O poder fiscalizador das agências reguladoras apresenta-se como um dos mais relevantes, pois somente através dele concebe-se uma perfeita harmonização entre poder concedente, concessionárias e usuários.

A efetivação deste poder é possível através do respaldo econômico proporcionado por um gerenciamento adequado da receita de cada agência, para possibilitar a contratação de corpo técnico adequado para fiscalizar as empresas reguladas.

Nesta seara, faz-se mister a alusão aos ensinamentos de Mauro Roberto Gomes de Mattos (22):

Á agência reguladora compete a permanente tarefa de fiscalizar a implementação das técnicas gerenciais modernas, com o objetivo que o concessionário preste serviço público com eficiência, qualidade e preços competitivos. Para isso, o Estado deverá criar e manter condições favoráveis ao desenvolvimento econômico (infra-estrutura), defendendo o mercado e as liberdades econômicas das pessoas vinculadas a prestação dos serviços públicos.

4.3 Poder de solucionar conflitos

O poder de dirimir conflitos de interesses entre concessionárias e usuários poderá ser comparado ao modelo norte-americano, a medida que fosse possível transpor conceitos como os de quase-judicialidade e de discricionariedade técnica para o ordenamento jurídico pátrio.

É importante notar que existe maior margem de discricionariedade aos órgãos administrativos no exercício da função reguladora naquele modelo, o que possibilita o uso de um maior número de conceitos jurídicos indeterminados. Em linha doutrinária diametralmente oposta, o direito pátrio possui grande margem de precisão na conceituação de institutos de direito administrativo.

Esta característica afasta os critérios utilizados no direito norte-americano daqueles utilizados no direito pátrio. Hübner Mendes (23) faz as seguintes ponderações:

Em nossa doutrina divergem os administrativistas sobre a existência de uma esfera de discricionariedade imune ao controle judicial. A tendência caminha para a máxima limitação de tal esfera. A contra-argumentação, trazida dos americanos, que identifica tal esfera por se tratar de questões técnicas, não supera ou não consegue elidir o princípio da inafastabilidade do controle judicial. Isso é pacífico em nossa doutrina processual e mesmo administrativa: para julgar estes tipos de controvérsias o juiz faz uso da perícia judicial que, ao menos em tese, tem a função de trazer ao juiz os dados necessários que o tornam apto a tomar tal decisão.


5. Direito concorrencial e regulação

O direito concorrencial encontra-se estreitamente conectado à regulação, pois uma política eficaz de estímulo à concorrência poderia ter evitado uma série de crises que abalaram o setor de competência das agências reguladoras.

No ordenamento jurídico pátrio, a Lei 8.884, de 1994, conhecida com Lei Antitruste, sujeita os agentes econômicos atuantes nos setores de prestação de serviços de telecomunicações, energia elétrica, exploração do petróleo e demais serviços públicos delegados.

De acordo com as lições de Ana Maria de Oliveira Nusdeo (24),

As primeiras medidas estabelecidas na legislação para a reestruturação competitiva, variando conforme a atividade, dizem respeito, em linhas gerais: a) ao desmembramento de atividades complementares ou ligadas a uma mesma cadeira produtiva; b) ao estabelecimento de concorrência em fases da exploração da atividade econômica ou da prestação de serviços públicos, e c) à criação de regras para evitar a concentração econômica.

O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem como função precípua garantir a concorrência, no entanto, a ANATEL, agência reguladora do setor de telecomunicações, possui competência para formar o mercado concorrencial.

Para Sidnei Turczyn (25):

A questão que se colocará nos próximos anos é a de saber como tratar o conflito de competência entre os órgãos que cuidam da formação de um mercado concorrencial no setor de serviços públicos (agências reguladoras) e o órgão que tem como função garantir a concorrência em um mercado que tende à liberdade (CADE).

O estudo recente de peculiaridades concernentes ao direito norte americano possui o condão de demonstrar tendências relativas à economia, ao direito concorrencial e à regulação naquele país. O atual estágio de evolução jurídica e econômica nos Estados Unidos corresponde à desregulação, pois existe a premente necessidade de reinstaurar o princípio da liberdade e a transparência dos mercados. Prova cabal de tal tendência infere-se das explanações de Lucian Bebchuk e Allen Ferrel (26):

The key idea is to let the process of choice be driven by shareholder interests. This would wake competition work better. As a result of such a process rule, states would have stronger incentives to offer arrangements that benefit shareholders. Students of corporate law have long believed that a choice must be made between state competition as currently structured and mandatory federal rules. We have shown that an additional alternative is possible - a federal role that does not involve the imposition of mandatory substantive arrangements but rather improves the way in which competition performs. Such an alternative can have appeal for a wider set of observers than mandatory federal rules. We believe that putting this idea on the table is useful in thinking about state competition and its optimal structure.

O Poder Público torna-se parte no processo de regulação na concorrência entre grandes investidores, para que esta concorrência se torne profícua e atenda aos objetivos de liberdade e transparência dos mercados.


6. Conclusões

Mesmo com a abertura dos serviços públicos ao regime privado, é mister que se esclareça que a empresa particular delegatória, atuando como concessionária, prestará o serviço sob regime de direito público, por estar exercendo atividade estatal, não atividade privada, e sob as condições reservadas ao exercício do direito público deve ser analisada.

Apesar de farta literatura referente às agências reguladoras e sua atual configuração no direito pátrio, ainda há de se perquirir muito acerca da falta de recursos, experiência, autonomia e organização.

A falta de recursos somente virá a ser sanada a partir da constatação de que o Tribunal de Contas torna-se inoperante quanto ao real controle da receita dos entes reguladores, por não representar verdadeiramente os anseios da sociedade.

A falta de experiência e capacitação técnica são indícios de que a reestruturação da receita pode viabilizar o custeio de profissionais adequados. Com a conseqüente elevação de salários, a questão da autonomia pode vir a ser solucionada, pois haverá condição sine qua non para o gerenciamento operacional.

Este gerenciamento operacional possibilita níveis de organização que atestam a desnecessidade em se fazer uso de serviços terceirizados que possam vir a comprometer a qualidade dos serviços prestados.

Após a reestruturação necessária advinda dos pontos nodais acima expostos, poderia aludir-se às características das agências reguladoras elencadas pelo eminente. Caio Tácito (27).

O fomento do desenvolvimento econômico através das agências reguladoras se convalida através do processo de regulação da competição, nos moldes de um regramento facilitador dos interesses que devem ser converger para a universalização dos serviços.

Já o fomento do desenvolvimento social, somente poderá se efetivar através da observação constante do princípio da subsidiariedade que, se elevado à categoria constitucional ensejará, como assevera José Alfredo de Oliveira Baracho (28):

uma repartição de competência entre Sociedade e Estado. Esta princípio, ao mesmo tempo, impede o avanço intervencionista do Estado, exigindo desse ajuda e promoção das atividades estatais de fomento. Aplica-se nos âmbitos em que a ordem e o poder têm limitações razoáveis, ao mesmo tempo que a economia deve conviver com a liberdade. Visa suprir a iniciativa privada impotente ou ineficaz, mediante a ação do Estado, propiciando à sociedade resultados benéficos.

Sobre a autora
Fernanda Kellner de Oliveira Palermo

Pós-graduada em Master of Laws (LL.M.) na The George Washington University Law School, em Washington, D.C., EUA,(2007/2008);Mestre em Direito Administrativo, com ênfase em Obrigações Públicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Bolsista da Organização dos Estados Americanos (OEA) para estudos acadêmicos de Pós-Graduação, advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALERMO, Fernanda Kellner Oliveira. As agências reguladoras como fomentadoras de desenvolvimento econômico e social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3080. Acesso em: 23 dez. 2024.

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