1.Intróito
Com o advento da Lei Complementar 110, em junho de 2001, foram instituídas, a cargo das empresas, duas novas exações nos seguintes termos:
Art. 1º - Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.
Art. 2º - Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei n.º 8.036, de 11 de maio de 1990.
Estes novos encargos empresariais tiveram a finalidade de levantar fundos para restituir os empregados que sofreram um desfalque em suas contas vinculadas do FGTS, face a correção a menor no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990 (art. 4º da LC 110/2001).
Diante deste novo cenário jurídico nacional, elaboramos este estudo com o propósito de identificar a natureza jurídica e o fundamento constitucional destas prestações pecuniárias impostas pela União.
2. Do tributo
O vocábulo "tributo" possui diversas significações em nosso direito positivo. O ilustre professor Paulo de Barros Carvalho em sua obra "Curso de Direito Tributário", da Editora Saraiva, identificou, tanto nas doutrinas quanto nas jurisprudências, seis diferentes significados para a palavra. Porém, a entidade "tributo" foi definida pelo art. 3º do Código Tributário Nacional - CTN - (lei n.º 5,172/66) nos seguintes termos:
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
As exações instituídas pela LC 110/2001 tratam-se de encargos legais materializados mediante depósito em dinheiro, obrigatórias (a falta de recolhimento das prestações acarretará sanção pecuniária § 2º, art. 3º, LC 110), cobradas por órgãos específicos, e não constituem sanção de ato ilícito (apesar de alguns doutrinadores disporem o contrário quanto à despedida sem justa causa, art. 1º), portanto, em uma prévia análise à luz do art. 3º do CTN, estas exigências são consideradas "tributo".
Da mesma forma, as normas contidas nos artigos 1º e 2º são tipicamente tributárias, nos dizeres de Alfredo Augusto Becker, "A regra jurídica especificamente tributária é a que, incidindo sobre fato lícito, irradia relação jurídica em cujo pólo negativo situa-se, na posição de sujeito passivo, uma pessoa qualquer e em cujo pólo positivo, situa-se, na posição de sujeito ativo, um Órgão[sic] estatal de função executiva e com personalidade jurídica."
3. Das espécies tributárias e a lc 110/2001
3.1 Classificações
O instituto acima definido (tributo) - após a Constituição da República Federativa do Brasil de 05/10/1988 - admite ser instituído através de cinco espécies distintas, que são: impostos (145, I), taxas (145, II), contribuições de melhoria (145, III), empréstimos compulsórios (148) e contribuições sociais (149 e 195). Esta é a corrente qüinqüipartida. São admitidas outras classificações como: a respeitável classificação bipartida defendida por Becker e Pontes de Miranda, dividindo os tributos nas classes de "vinculados" ou "não vinculados" a uma atividade estatal dirigida ao contribuinte; ou a já ultrapassada corrente tricotômica repartindo os tributos somente em três espécies, as do artigo 145 da CF/88. O Ministro Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal - STF -, posicionou-se na esteira da corrente qüinqüipartida, dizendo que "Quando a Constituição de 88 diz, no art. 145, que U-E-DF-M podem instituir ‘os seguintes tributos’ (I-T-CM), não implica afirmação nenhuma que não haja outras espécies tributárias, porque é certo que nem Empréstimo Compulsório nem Contribuições Sociais podem ser instituídos por todas essas entidades que integram a federação, sendo os EC e as CS figuras autônomas. Conseqüentemente, temos 5 espécies de TRIBUTOS: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais."
Seguindo a postura do Supremo Tribunal Federal, acima exposta pelo Ministro Moreira Alves, só admitir-se-á a existência da substância tributária se atendidos os seguintes requisitos: a) estiver de conformidade com que dispõe o art. 3º do CTN e b) estiver revestido na forma de uma das cinco espécies constitucionais tributárias.
Passaremos a dissecar as cinco espécies tributárias constitucionais (e suas subdivisões) para verificarmos em qual delas se enquadram os "tributos" instituídos pela LC 110/2001:
3.2 – Empréstimos Compulsórios
Empréstimo Compulsório é o tributo de caráter excepcional, podendo ser instituído pela União, mediante lei complementar, em apenas duas hipóteses elencadas nos incisos do artigo 148 da Carta Magna; "I – para atender despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência" ou "II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional." O parágrafo único deste artigo ainda estabelece que "a aplicação dos recursos provenientes de empréstimos compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição". Na presente questão não estamos tratando nem de despesas com calamidade pública, nem de despesas com guerra e muito menos de investimentos de qualquer gênero.
3.3 Taxas
A Taxa, segundo o inciso II do art. 145 da CF/88, será cobrada em razão do exercício regular do poder de polícia, ou pela prestação de serviços públicos. O art. 78 do CTN define o conceito de "poder de polícia" e o art. 79 estabelece que os serviços públicos que originarão a taxa deverão ser específicos, divisíveis e utilizados efetivamente ou potencialmente pelo contribuinte. Segundo Becker, saberá estar-se tratando de uma taxa analisando a sua base de cálculo: "a regra jurídica tributária que tiver escolhido para base de cálculo do tributo o serviço estatal ou coisa estatal, terá criado uma taxa."
As bases de cálculo dos tributos em questão são: 1º) o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas; e 2º) a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei n.º 8.036, de 11 de maio de 1990. Portanto, não se tratando de serviço ou coisa pública relacionados com os arts. 78 e 79 do CTN.
3.4 – Contribuições de Melhoria
A Contribuição de Melhoria deverá ser fundada na construção de uma obra, por parte do poder público, que acarrete uma valorização imobiliária. Esta espécie tributária nasceu na Inglaterra com o nome de "betterment tax". Sempre que o governo inglês construía um cemitério indenizava os circunvizinhos pela desvalorização que esta obra gerava em seus imóveis. Após executar uma grande obra para retificar o curso do Rio Tâmisa, verificou que alguns proprietários, que anteriormente tinham suas terras alagadas, obtiveram uma considerável valorização em seus imóveis, aplicou o princípio da igualdade e cobrou este novo tributo em virtude dos benefícios auferidos pelos proprietários dos imóveis.
Destoa por completo achar que o "tributo" instituído pela LC 110/2001 deva ser considerado uma contribuição de melhoria.
3.5 – Impostos
Utilizando a classificação de Becker - tributos "vinculados" e "não vinculados" a uma atividade estatal - concluímos que todo tributo que tiver como base de cálculo um fato lícito, não consistente em serviço estatal ou coisa estatal, será um imposto. Já pela ótica do ilustre doutrinador Paulo de Barros Carvalho, deve-se observar não só a base de cálculo, que situa-se na conseqüência da norma jurídica, mas também a hipótese de incidência, que situa-se no suposto. Paulo de Barros define imposto "como tributo que tem por hipótese de incidência (confirmada pela base de cálculo) um fato alheio a qualquer atuação do Poder Público."
A Constituição Federal estabeleceu nos artigos 153, 155 e 156 os impostos que a União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios, respectivamente, poderão instituir. Concedeu ainda à União, no artigo 154, inciso I, a competência residual para instituir demais impostos, desde que não cumulativos e que não possuam fato gerador ou base de cálculo dos já discriminados na Constituição.
Admitindo-se que a União utilizou a prerrogativa da competência residual para criar um novo imposto, ela o fez da seguinte forma: escolheu dois fatos geradores (a doutrina dominante não concorda com a utilização do termo "fato gerador" para designar a hipótese em que haverá incidência ou não do tributo, admitindo outros termos como: suporte fáctico, "fattispecie", hipótese de incidência) não ilícitos, que não constituem uma atividade estatal direcionada ao contribuinte e não coincidem com os discriminados na Constituição. Juntamente elencou as bases de cálculo, em consonância com as hipóteses de incidência, distintas das bases de cálculo dos impostos discriminadas na Constituição.
Porém, a lei complementar 110/2001 vinculou em seu artigo 4º e incisos a receita do produto da arrecadação do tributo para restituir os empregados que sofreram um desfalque em suas contas vinculadas do FGTS - como já citado no intróito -, hipótese vedada pelo art. 167, IV, CF/88 que estabelece:
Art. 167 – São vedados:
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art. 212, e a prestação de garantia às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no §4º deste artigo.
A posição do nosso Tribunal Supremo é declarar a inconstitucionalidade de impostos que tenham a receita vinculada. A ementa do RE 193.934/SP, STF, 2ª Turma (RJ-IOB 1/12905) foi assim publicada:
Constitucional. Tributário. ICMS/SP. Majoração da alíquota com destinação específica: construção de casas populares: inconstitucionalidade.
I – Inconstitucionalidade dos arts. 3º e 9º da Lei n.º 6.556, de 30.XI.89, do Estado de São Paulo, que aumentaram de 17% para 18% a alíquota do ICMS, com destinação específica da majoração. Inconstitucionalidade frente ao art. 167, IV, da CF.
II – Precedente do STF: RE 183.906/SP, Min. Marco Aurélio, Plenário, 18.09.97.
Portanto, os "tributos" da LC 110/2001, se impostos forem, serão maculados de vício de constitucionalidade.
3.6 – Contribuições Sociais
Paulo de Barros Carvalho tratando do critério constitucional para definir um tributo, lecionou que o encontro entre a hipótese de incidência e a base de cálculo "denunciará, logo no primeiro instante, a exigência de um imposto, de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria".(grifamos) Ensinou no mesmo capítulo de sua obra que "as contribuições sociais são tributos que, como tais, podem assumir a feição de impostos ou de taxas."
As contribuições sociais - ao contrário dos I-T-CM, que caracterizam-se pelo binômio hipótese de incidência/base de cálculo - qualificam-se, sobretudo, pela sua destinação.
Apesar do art. 4º do CTN considerar irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação do tributo para identificar sua espécie, para as contribuições sociais e os empréstimos compulsórios esta norma é ineficaz. Misabel Derzi em nota clássica à obra de Aliomar Baleeiro assim defendeu:
Mas ressalvas devem ser feitas ao art. 4º do Código Tributário Nacional, no ponto em que considera irrelevante, de forma generalizada, a destinação legal do produto arrecadado para a definição da espécie tributária. É que a destinação, efetivamente, será irrelevante para distinção entre certas espécies (taxas e impostos, p.ex.), mas é importante no que tange à configuração das contribuições e dos empréstimos compulsórios.
A Constituição de 1988, pela primeira vez, cria tributos finalisticamente afetados, que são a contribuições e os empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhes é própria relevância, não apenas do ponto de vista do Direito Administrativo, mas, igualmente, do Direito Constitucional(Tributário).
Somente a União tem competência para criar contribuições ou empréstimos compulsórios, conforme estabelecem os artigos 148 e 149. Mas, enquanto o Texto Magno proíbe que o legislador vincule a arrecadação de impostos a órgão, fundo ou despesa (art. 167, IV), a afetação do produto a certas despesas ou serviços é requisito necessário para o exercício da competência federal, no que tange às contribuições e aos empréstimos compulsórios.
Em nosso Diploma Maior, temos algumas subespécies de contribuições sociais que submetem-se a regimes tributários diferenciados. É a destinação que determina a natureza e o regime jurídico de cada contribuição social.
Devemos identificar se a destinação é à Seguridade Social, para assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (194 e 195); a intervir no domínio econômico (149); de interesse de categorias profissionais (149); ou social geral (149).
Utilizando o critério científico da "identificação por exclusão", verificaremos em qual classe constitucional se amolda, ou não, as contribuições em tela. Elas não têm por escopo atender interesses de uma categoria profissional, já que os empregados que possuíam saldos em suas contas vinculadas do FGTS nos períodos que foram corrigidos a menor não representam uma categoria profissional; também não a visam intervir no domínio econômico, já que não limitam-se a determinados setores econômicos (exemplo desta espécie de contribuição é o Adicional de Frete para Marinha Mercante, instituído para atender aos encargos da intervenção da União nas atividades de apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileira, conforme RE 177.137-2/RS); tampouco destinam recursos para atender a Previdência Social no que tange à saúde, à previdência e à assistência social.
Excluídas as categorias de contribuições tratadas no parágrafo anterior, resta-nos, diante de todas as espécies e subespécies tributárias constitucionais, analisar o enquadramento dos "tributos", denominados pela LC 110/2001 de "contribuições", na classe das contribuições sociais latu sensu.
O art. 149 de nosso Diploma Fundamental certamente não é um cheque em branco para a União instituir diversas contribuições sociais ao seu talante. Deve haver um fundamento social na própria Constituição para que possa ser instituída uma contribuição social, como é o caso do salário educação, disposto no artigo 212, § 5º da Constituição Federal, ou as contribuições ao SENAI, SESI, SENAC, recepcionadas pelo artigo 240 do mesmo diploma normativo.
Pensamos como Hugo de Brito Machado que "a função das contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de Recursos Financeiros", logo, não pode a União utilizar-se desta competência constitucional visando constituir fundos para arcar com a indenização dos trabalhadores pelas perdas nos rendimentos do FGTS. Se os trabalhadores sofreram este déficit em suas contas vinculadas é porque, naquele momento, alguém apropriou-se de forma ilícita daqueles valores.
4. O FGTS e sua natureza jurídica
Persiste ainda na doutrina e na jurisprudência, uma discussão acerca da natureza jurídica (tributária ou não) do FGTS. O STF possui algumas decisões controversas a respeito da questão, vejamos:
RE 100.249/SP, julgado em 02.12.87
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Sua natureza jurídica. Constituição, art. 165, XIII. Lei n.º 5.107, de 13.09.66.
As contribuições para o FGTS não se caracterizam como crédito tributário ou contribuições a tributos equiparáveis. Sua sede está no art. 165, XIII, da Constituição. Assegura-se ao trabalhador estabilidade, ou fundo de garantia equivalente. Dessa garantia, de índole social, promana, assim, a exigibilidade pelo trabalhador do pagamento do FGTS, quando despedido, na forma prevista em lei. Cuida-se de um direito do trabalhador.(grifamos) Dá-lhe o Estado garantia desse pagamento. A contribuição pelo empregador, no caso, defluído fato de ser ele o sujeito passivo da obrigação de natureza trabalhista e social, que encontra, na regra constitucional aludida, sua fonte. A atuação do Estado, ou órgão da Administração Pública, em prol do recolhimento da contribuição do FGTS, não implica torná-lo titular do direito à contribuição, mas, apenas, decorre do cumprimento, pelo Poder Público, de obrigação de fiscalizar e tutelar a garantia assegurada ao empregado optante pelo FGTS. Não exige o Estado, quando aciona o empregador, valores a serem recolhidos ao Erário, como receita pública. Não há, aí, contribuição de natureza fiscal ou parafiscal. Os depósitos do FGTS pressupõe vínculo jurídico, como disciplina do Direito do Trabalho(grifamos). Não se aplica às contribuições do FGTS o disposto nos arts. 173 e 174, do CTN.
RE 226.855/RS, julgado em 31.08.2000-11-26
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Correções monetárias decorrentes dos planos econômicos conhecidos pela denominação Bresser, Verão, Collor I (no concernente aos meses de abril e de maio de 1990) e Collor II.
- O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, (grifamos) por decorrer da Lei e por ela ser disciplinado.
- Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não há direito adquirido ao regime jurídico.
RE 148.754-2/RJ, DJU de 04.03.94
As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) impostos (C.F., arts, 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (C.F., art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria (C.F., art. 145, III); c.2. as parafiscais (C.F., art. 149), que são: c.2.1 sociais, c.2.1.1. de seguridade social (C.F., art. 195, I, II, III), c.2.1.2. outras de seguridade social (C.F., art. 195, parág. 4º), c.1.3. sociais gerais o FGTS, o salário educação, C.F., art. 212, parág. 5º, contribuições para o Sesi, Senai, Senac, C.F., art. 240; c.3 especiais... (os grifos não são do original)
Diante dessas decisões do Tribunal Supremo, fica cristalina a dissidência de ser considerado o FGTS um tributo ou não.
Esta questão tomaria relevância em nosso estudo se o FGTS contiver natureza social-trabalhista, ou então meramente estatutária, como nos RE 100.249/SP e RE 226.855/RS, respectivamente. Pois, tendo o FGTS cunho não-tributário, e, considerando que as exações da LC 110/2001 são meros adicionais ao FGTS, teriam validade as cobranças em questão.
Contudo, as exigências da LC 110/2001 não possuem a mesma finalidade das "contribuições" do FGTS. As prestações mensais ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço à alíquota de 8% sobre o salário devido e o depósito de 40% sobre o montante total devido ao FGTS, durante o contrato de trabalho, em causa de despedida arbitrária, são direitos sociais do trabalhador, insculpidos nos incisos do art. 7º da Constituição. Já as ‘contribuições’ dos arts. 1º e 2º da LC 110/2001 servem para constituir fundos para arcar com a indenização dos trabalhadores pelas perdas nos rendimentos do FGTS no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990. Não é porque são direcionadas aos trabalhadores que as contribuições em tela serão consideradas de cunho social-trabalhista. É direito de qualquer cidadão ser restituído de uma quantia expropriada sem justa causa. Não podem ser confundidas as exações da LC 110/2001 com as contribuições ao FGTS por terem hipóteses de incidência e bases de cálculo semelhantes. Já vimos que em casos deste gênero a destinação do produto da arrecadação é fundamental para definir sua natureza jurídica. Tendo destinações diversas, não podem ser consideradas contribuições complementares, ou, adicionais.
Por conseguinte, irrelevante em nosso estudo se a contribuição ao FGTS é de natureza tributária, estatutária ou social-trabalhista.
5. Considerações finais
a)Por terem finalidades (destinações) diversas, as contribuições instituídas pelos art. 1º e 2º da LC 110/01 não podem ser consideradas adicionais à contribuição mensal do FGTS e à indenização por despedida sem justa causa;
b)As contribuições instituídas pela LC 110/01 não têm qualquer semelhança com as espécies tributárias dos arts. 145, II e III (taxas e contribuições de melhoria) e 148 (empréstimos compulsórios), da CF/88;
c)Para identificar uma espécie de contribuição social é preciso analisar sua finalidade, sendo que a CF/88 catalogou, para a instituição de contribuições sociais, as seguintes destinações: I) à Seguridade Social, para assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (194 e 195); II) de intervenção no domínio econômico (149); III) de interesse de categorias profissionais (149); ou IV) social geral (149), desde que possua fundamento social e constitucional. Como a arrecadação da exigência instituída pela LC 110/01 não é destinada a qualquer destes fins elencados na Carta Magna, também não é considerada Contribuição Social.
d)Mesmo possuindo fatos geradores ou bases de cálculo distintos dos impostos discriminados na Constituição Federal, se impostos forem, as exigências da LC 110/01 possuem a sua receita vinculada, circunstância de inconstitucionalidade do tributo (art. 167, IV da CF/88) consoante reiterada jurisprudência do STF;
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