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Direito de nomeação de candidato aprovado em cadastro de reserva

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Agenda 18/08/2014 às 08:18

6. O CADASTRO DE RESERVA, SEU FUNDAMENTO LEGAL E DIREITO À NOMEAÇÃO

O chamado cadastro de reserva merece ser analisado sob a ótica dos princípios norteadores da Administração pública, bem como do concurso público como forma de acesso ao serviço público. O princípio da moralidade reveste-se de caráter objetivo, o que denota que comportamentos que contrariam as boas práticas da Administração pública, que podem ser consideradas imorais, mesmo ponderando que o administrador público tenha agido de boa-fé.

Uma das vantagens apontadas pela determinação do número de vagas no certame se relaciona ao direito subjetivo à nomeação dos aprovados classificados dentro das vagas iniciais evitando a ocorrência de desvios de finalidade como, por exemplo, uma autoridade administrativa resolver não nomear os concorrentes vencedores que por ventura não tenha interesse pessoal, deixando correr deliberadamente o prazo de validade do concurso para, em seguida, abrir novo certame. Essa hipótese exequível traz uma possibilidade clara de lesão do princípio da impessoalidade. Outra possibilidade plausível está relacionada ao nepotismo, vedado pela Súmula Vinculante n.º 13. Neste evento, não se discute se a autoridade que nomeia o parente para o cargo em comissão age de má-fé ou não ou mesmo se a pessoa nomeada está revestida ou não da qualificação necessária ao exercício da função. A indicação de parentes para cargos em comissão, afronta, por si só, de forma objetiva, a moralidade administrativa, sendo irrelevante o real desígnio do agente público ao perpetrar o ato.

Neste entendimento, observa-se que o concurso público que se destina tão-somente à formação de cadastro de reserva afronta objetivamente o princípio da moralidade administrativa, pois possibilita a ocorrência de fraude no processo de nomeação. Assim, nos casos de concursos que se destinam apenas ao cumprimento de cadastro de reserva sem a devida definição no número de vagas atribui ao agente público a plena discricionariedade para nomear os candidatos classificados, representando grave ofensa à impessoalidade. A decisão de quantos concorrentes nomear não pode ser consentida à completa discricionariedade do prelado administrativo, uma vez que os nomes dos aprovados se torna conhecido, possibilitando o desvio da finalidade do concurso. Esse entendimento é compartilhado por Luciano Ferraz (2007, p. 250) o qual afirma que:

“de nada adiantaria definir regras legais para os concursos, se a Administração Pública pudesse simplesmente deixar de nomear aprovados, repetindo sucessivamente o certame até que os selecionados atendessem às querenças do agente administrativo competente para a nomeação.

Outro princípio que restaria afrontado pelo cadastro de reserva, seria o da publicidade. O candidato ao preparar-se para se submeter a um certame público decide investir na carreira ainda fundamentado nas reais chances de aprovação, dentro de um número previsto de vagas a serem oferecidas. Entende-se que a Administração pública, ao abrir um concurso público, o faz dentro de um planejamento cuidadoso para atender à funções e necessidades públicas já definidas em lei, conforme existam demandas reais no serviço.  A adoção de cadastro de reserva admite a realização de concurso mesmo quando não haja qualquer cargo vago, o que pode fundar, indistintamente, um verdadeiro ataque aos princípios da Administração pública, embaindo os candidatos, ao criar-lhes infidas perspectivas de nomeação. O difícil empenho e dedicação de um aspirante em estudar, muitas vezes por um longo tempo, para um concurso público, ser classificado e porém permanecer anos na perspectiva de uma nomeação que poderá jamais advir é uma conjuntura que acende extrema incerteza e consternação no indivíduo, afrontando ainda os princípios da segurança jurídica, bem como da dignidade da pessoa humana.

Essa atitude faz com que os candidatos fiquem em estado de expectativa e volubilidade por ignorarem quando haverá e se haverá a sonhada convocação. Por outro lado, o domínio de legalidade dos atos da Administração torna-se mais abstruso por conta do dilatado alvedrio conferido ao gestor, tornado complexa a configuração dos eventuais desrespeitos ao princípio da impessoalidade.

Diante dessas condições, a edição de concurso público sem se tenha pelo menos um concorrente aprovado e nomeado ao cargo pleiteado, ainda que o referido certame tenha ocorrido exclusivamente para preenchimento de cadastro de reserva, se configura ilegal em pretexto da incúria do gestor público em advertir o cumprimento das etapas de planejamento interno para justificar e fundamentar o concurso.

Conforme entendimento de Fabrício Motta (2011), a existência de cargos constitui, em princípio, pressuposto lógico para a realização do procedimento de seleção. O pensamento do nobre jurista se mostra oportuno se decodificarmos a composição da existência de cargos, como existência de vagas. Assim se interpreta pois, segundo exposto na hodierna discussão, quando a Administração Pública provoca a realização de concurso público, ela desponta autêntica aspiração no provimento de cargo ou emprego especificamente planejado para o certame. Neste entendimento, não seria possível admitir um concurso público criado para cargo cuja vaga prontamente esteja ocupada por distinto servidor, se despontando o processo seletivo como meio lógico inapropriado para objetivo diverso. Em outras palavras significaria selecionar alguém para algo que não existe. Dessa forma, esse elemento é fundamental no edital do concurso público, conforme leciona Francisco Lobello de Oliveira Rocha (2006, p. 56):

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Para que os candidatos possam definir se têm interesse em concorrer às vagas oferecidas, o edital deve conter o(s) cargo(s) ou emprego(s) oferecido(s), o número total de vagas já existentes bem como o número de vagas reservadas aos deficientes físicos, a remuneração inicial, o local ou os locais em que o serviço deverá ser prestado, as atribuições do cargo ou emprego, e outros dados que possam ser relevantes para a decisão do candidato.

Do ponto de vista normativo, observa-se que, em âmbito federal, existe uma norma que obriga os editais de concurso a divulgarem o número de vagas oferecidas. A regra consta do art. 39, I, do Decreto 3.298/1999:

Art. 39.Os editais de concursos públicos deverão conter:

I–o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;

[...]

Complementarmente, o § 2.º do art. 5.º da Lei 8.112/1990, adverte que os concursos públicos para o preenchimento de cargos federais devem proporcionar um número determinado de vagas, a fim de que se possa calcular o quantitativo de cargos destinados às pessoas portadoras de deficiência:

Art. 5º

[...]

§2.ºÀs pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

Pois bem, se o concurso deve oferecer um número acertado de vagas, a fim de se calcular a percentagem legalmente destinada aos candidatos deficientes, não se pode acolher a publicação de um edital de concurso público sem essa informação. Do contrário, como poderia a pessoa portadora de deficiência nas definições legais tomar a decisão de participar ou não do concurso, uma vez que não há como estimar qual número de vagas corresponderia à 20%. E ainda, como poderia a sociedade e as instituições públicas responsáveis fiscalizar o cumprimento do dever legar estabelecido?

Ainda neste contexto, recentemente destaca-se o sancionamento da Lei 12.990 de 09 de junho de 2014 que prevê a reserva aos negros vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Como poderá essa norma ser respeitada ou fiscalizada sem que haja a devida previsão no edital do número de vagas destinadas ao certame?

Destaca ainda o dispositivo legal que o número exato de vagas deve ser estabelecido no edital, conforme se lê, in verbis:

Art. 1o Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

[...]

§ 3o A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos editais dos concursos públicos, que deverão especificar o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido.

Não obstante ao argumentado acima, a possibilidade de adoção do cadastro de reserva nos concursos públicos do Poder Executivo Federal foi prevista pelo chefe do Poder Executivo Federal ao editar o Decreto n.º 6.944/2009. O referido dispositivo traz, em seu art. 12 que:

Art. 12. Excepcionalmente o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá autorizar a realização de concurso público para formação de cadastro reserva para provimento futuro, de acordo com a necessidade, de cargos efetivos destinados a atividades de natureza administrativa, ou de apoio técnico ou operacional dos planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal.

Adverte-se que a autorização acena exclusivamente aos cargos de natureza administrativa ou de apoio técnico ou operacional dos planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal, em caráter excepcional. Contudo, posteriormente a publicação desse Decreto, editais de concursos sem fixação do número de vagas e predizendo tão-somente a formação de cadastro de reserva, tem se energizado, não só no que atine aos cargos e funções públicas do Poder Excetivo, mas também e de forma extensiva, no Poder Judiciário. Aquiesça o Ministro do STF Marco Aurélio Mello, o qual já destacou que "a Administração Pública não pode brincar com o cidadão, convocando-o para um certame e depois, simplesmente, deixando esgotar o prazo de validade do concurso sem proceder às nomeações"[1]. Esse entendimento deve aproveitar-se para os concursos que não proclamam o número de vagas a serem preenchidas, limitando-se a apregoar que o certame se propõe à formação de cadastro de reserva, exclusivamente.

Por outro lado, observa Silva (2010) que o aludido Decreto pode ainda ser atacado por Ação Direta de Inconstitucionalidade, possuindo característica de ato autônomo abstrato. Para tal afirmação, o autor no art. 84, VI, "a", da Constituição Federal. Conforme entendimento do STF no julgamento da ADI: 1969 DF, do Relator: Min. MARCO AURÉLIO: "possuindo o decreto característica de ato autônomo abstrato, adequado é o ataque da medida na via da ação direta de inconstitucionalidade".

Há que tente abonar a positivação do cadastro de reserva, sob a argumentação de que ele concebe eficiência no serviço público, ao consentir que a Administração organize antecipadamente uma lista de sujeitos habilitados a assumir cargos ou empregos públicos, permitindo assim que no surgimento das respectivas vagas, seja possível convocar prontamente os aprovados para assumir, evitando-se descontinuidade na prestação dos serviços. Esse argumento não poderia prosperar uma vez que não se pode afastar os princípios da moralidade, impessoalidade e da publicidade em nome de uma suposta eficiência pública.

Ante o exposto, se torna iminente e imperativa vedação ao cadastro de reserva expressa em lei para acastelar contingentes ilegalidades na realização de concursos públicos, conforme tem se tornado prática corriqueira em todas as esferas nacionais e em todos os segmentos da Administração direta e indireta. Desta forma, tramita no Senado Federal diversos projetos de lei sobre o tema, incluindo o Projeto de Lei n.º 369/2008, de autoria do Senador Expedito Júnior, que veda a realização de concurso público exclusivo para a formação de cadastro de reserva. Assim, caso aprovado e sancionado, nenhum edital de concurso público poderá deixar de prever a especificação do número de cargos a serem providos e a formação de cadastro de reserva somente será permitida para candidatos aprovados em número excedente ao inicialmente previsto.

De forma semelhante, tramita ainda o PL 074/2010 de autoria do Senador Marconi Perillo, o qual pretende regulamentar o art. 37, inciso II da Constituição Federal, estabelecendo normas gerais para a realização de concursos públicos no âmbito da União. Em seu art. 13, o referido projeto prevê que:

Art. 13. O conteúdo mínimo do edital de abertura do concurso será composto de:

I – identificação da instituição organizadora do concurso e do órgão ou entidade pública que o promove;

II – ato oficial que autorizou a realização do concurso público;

III – lei de criação do cargo ou emprego público e da carreira, bem como seus regulamentos;

IV – identificação do cargo ou emprego público, suas atribuições, requisitos de investidura, classe de ingresso e remuneração inicial, discriminando-se as parcelas que a compõem, bem como sua natureza fixa e variável e seus limites de variação, quando for o caso;

V – quantidade de cargos ou empregos a serem providos, vedada a oferta simbólica de vagas ou a adoção exclusiva de cadastro de reserva, nos termos do art. 14 desta Lei;

[..]

Observa-se que a exigência do inciso III de divulgação da Lei que cria o cargo ou emprego público, bem como seus regulamentos, previne a eventual realização de certame para preenchimento de cargos jamais previstos em lei, fato que, por mais esdruxulo que parece, tem se repetido. Complementarmente, o inciso V traz a expressa vedação à realização de concurso público exclusivamente para preenchimento de cadastro de reserva.

Ainda que aceitássemos a possibilidade da intenção dos gestores como legítima, pela busca da continuidade do serviço público e eficiência administrativa, o fato é que a adoção indiscriminada do cadastro de reserva em concursos públicos configura, por si só, prática objetiva que pode gerar os desvirtuamentos conforme exposto anteriormente, procriando grave insegurança jurídica. Por assim entender, advoga-se que o instituto do cadastro de reserva possa legalmente ser banido de qualquer processo de seleção pública.

Sobre o autor
Rauirys Alencar

Advogado e Fisioterapeuta. Especialista em Direito Administrativo. Doutor em Eng. Biomédica e Mestre em Doenças Tropicais. Professor Universitário e Sócio do escritório Alencar, Fernandes & Veloso soluções jurídicas.

Informações sobre o texto

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