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Aplicação da inexigibilidade de conduta diversa nos crimes tributários

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CONCLUSÃO

A inexigibilidade é uma causa geral de exclusão da culpabilidade aplicável àqueles fatos não abrangidos pelas causas de exculpação previstas na lei. Para isso, é preciso comprovar que, no caso concreto, o sujeito não pôde atuar conforme a norma, a fim de que seja eximido da responsabilidade penal, sem necessidade de uma previsão legal específica.

Não compondo as normas de Direito Penal tributário um conjunto de disposições independentes de tal forma que exijam um novo e isolado Direito Penal, com regras próprias, é de se concluir que as suas regras gerais aplicam-se àquele. Essa característica permite classificar o Direito Penal tributário como um ramo do Direito Penal ou, em outras palavras, como uma forma de Direito Penal especial. Assim, as normas gerais aplicam-se a ele, entre elas aquela a que se refere à culpabilidade e, em conseqüência, à inexigibilidade de conduta diversa.

A inexigibilidade de conduta diversa se faz presente na situação das empresas e pessoas físicas obrigadas a não recolher o tributo devido, a fim de salvar o negócio e a si próprio da bancarrota e da insolvência. Não se trata, como se pode confundir, de perdão de dívida, já que esta remanesce executável a qualquer tempo, dentro do prazo prescricional da cobrança.

Quando se diz da absolvição dos acusados pela exclusão da culpabilidade, fala-se no Direito Penal como a ultima ratio, ou seja, o instrumento que somente deve ser utilizado para os casos graves de violação de bens jurídicos e não para cobrança de dívidas, de sorte que a ameaça de prisão a empresários em dificuldade financeira os obriga a contrair empréstimos, vender bens de familiares, entre outras atitudes tomadas, sem deixar de sublinhar que nem todos têm condições de contratar um bom advogado para proceder às suas defesas e enfrentar um processo penal demorado e estigmatizante.

Daí se conclui que, para a aplicação da inexigibilidade nos crimes contra a ordem tributária, é preciso a presença de três circunstâncias, a saber: 1) a existência de uma situação de conflito com a prova de que a saúde financeira da empresa é precária ao ponto de encontrar-se em estágio de falência ou pré-falência; 2) a opção feita pelo não recolhimento do tributo tenha sido efetivamente no sentido de preservação da empresa e não para lazer ou aumento de patrimônio dos sócios; 3) a precariedade dos recursos seja motivada pela situação econômica do país ou por fato estranho à responsabilidade dos sócios e não por gastos perdulários e má administração.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal n. 2003.38.00.028306-3/MG, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Quarta Turma, Brasília, 9 de outubro de 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, p.78, de 30 out. 2007c.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal n. 2001.38.00.011318-9/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Terceira Turma, Brasília, 3 de março de 2008. Diário da Justiça Eletrônico da Justiça Federal, Brasília, DF, p. 117, de 14 mar. 2008.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Apelação Criminal n. 2004.83.00.021320-7, Rel. Desembargador Federal Lázaro Guimarães, Rev. Margarida Cantarelli, Quarta Turma, Recife, 12 de setembro de 2006. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 1116, de 13 out. 2006b.

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WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general. 11. ed. Chile: Editora Jurídica de Chile, 1997.


Notas

[1] Cf. AGUADO, Paz M. de La Cuesta. Culpabilidad: exigibilidad y razones para la exculpación. Madrid: Dikinson, 2003, pp. 216-244.

[2] PARDOS, Mariano Melendo. El concepto material de culpabilidad y el principio de inexigibilidad. Granada: Editorial Comares, 2002.

[3] NAHUM, Marco Antônio R. Inexigibilidade de conduta diversa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 73.

[4] NAHUM, Marco Antônio R. Inexigibilidade de conduta diversa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 87.

[5] WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general. 11. ed. Chile: Editora Jurídica de Chile, 1997, p. 210.

[6] JAKOBS, Günther. Derecho penal: parte general. 2. ed. Madri: Marcial Pons, 1997, p. 601.

[7] A respeito dos elementos negativos do tipo, Dias  afirma que a característica da evolução da teoria do tipo indiciário da antijuridicidade para a do tipo total de injusto está em que, mantendo-se a idéia de que o tipo é expressão da antijuridicidade, as causas de justificação deixam de ser consideradas como exceção a tal idéia, para serem considerados como seus elementos negativos. O tipo total do injusto (tipo-de-ilícito) contém todos os elementos, sejam eles positivos ou negativos. (DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 88)

[8] No dizer de Reale Júnior, a exigibilidade e a não exigibilidade de um comportamento segundo a norma formam um todo, uma vez que no desenvolvimento da teoria normativa se põe o da não exigibilidade, sendo ambas, sob o aspecto lógico e dogmático “unum et idem”. Por isso, ao situar o exigível, se delimita e define o “não exigível”. (REALE JÚNIOR, Miguel. Dos estados de necessidade. São Paulo: José Bushasky Editor, 1971, p. 44)

[9] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal n. 2001.38.00.011318-9/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Terceira Turma, Brasília, 3 de março de 2008. Diário da Justiça Eletrônico da Justiça Federal, Brasília, DF, p. 117, de 14 mar. 2008.

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 171, 3º, DO CÓDIGO PENAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. EXISTÊNCIA. 1. Embora a autoria e a materialidade restaram demonstradas, restou comprovada, in casu, a existência de inexigibilidade de conduta diversa, que possibilita a exclusão de ilicitude. 2. A natureza da enfermidade da apelante carece de relevância frente à aplicação do direito penal, devendo ser consideradas as circunstâncias em que os fatos ocorreram. 3. Apelação não provida. (Apelação Criminal 2001.38.00.011318-9, Rel. Desembargador Federal TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.03.2008).

[10] Constitui crime da mesma natureza: II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos (Art. 2º, II, da Lei 8.137/90); Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5(cinco) anos, e multa (Art.168-A, do Código Penal).

[11] Segundo Eisele, nos casos de não recolhimento de valor de tributo, três situações poderiam ocorrer: a) não recolhimento da receita tributária por absoluta impossibilidade econômica, em razão da precariedade da gestão empresarial, por possuir passivo maior que o ativo; b) venda pelo contribuinte, de mercadoria com pagamento a prazo e, vencido o lapso temporal para o pagamento do tributo (ICMS) destacado da operação, não tenha ainda recebido o da receita (hipótese que o próprio autor reconhece de difícil configuração em face da permissão da legislação tributária do creditamento das entradas); c) necessidade de cobertura da folha de pagamentos de salário de empregados ou fornecedores, sem disponibilidade financeira para também suprir a obrigação tributária. (EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Dialética, 1998, p. 72-73)

[12] DOBROWOLSKI, Sílvio. Novas considerações sobre o crime de omissão de recolhimento de tributos e contribuições. Revista de Informação Legislativa, ano 35, n. 139, jul./set., 1998, p. 125.

[13] DIAS, Jorge de Figueiredo. Liberdade culpa direito penal. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 201.

[14] Cf. NAHUM, Marco Antônio R. Inexigibilidade de conduta diversa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 73.

[15] DIAS, Jorge de Figueiredo. Liberdade culpa direito penal. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 201.

[16] JAKOBS, Günther. Derecho penal: parte general. 2. ed. Madri: Marcial Pons, 1997, p. 715-716.

[17] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Apelação Criminal n. 2004.83.00.021320-7, Rel. Desembargador Federal Lázaro Guimarães, Rev. Margarida Cantarelli, Quarta Turma, Recife, 12 de setembro de 2006. Diário da Justiça, Brasília, DF, p. 1116, de 13 out. 2006b.

[18] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 329.

[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2.492/RS. Recorrente: Paulo Alaor Andreoli Pereira. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Ministro Francisco de Assis Toledo. Brasília, 23 de maio de 1990. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, p. 7347, 6 ago. 1990b.

[20] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal n. 0105454/96. Apelante: Justiça Pública. Apelados: Paulo Roberto Fusco e Ane Shirley Damasceno Fusco. Relator: Juiz Fernando Gonçalves. Brasília, 11 de junho de 1996. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, p. 68489, 16 set. 1996c.

[21] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal n. 2003.38.00.028306-3/MG, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Quarta Turma, Brasília, 9 de outubro de 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, p.78, de 30 out. 2007c.

Sobre o autor
Roberto Carvalho Veloso

Juiz Federal no Maranhão. Professor Adjunto da UFMA. Mestre e Doutor em Direito Penal pela UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELOSO, Roberto Carvalho. Aplicação da inexigibilidade de conduta diversa nos crimes tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4185, 16 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31626. Acesso em: 23 dez. 2024.

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