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A Convenção de Palermo e o tráfico de pessoas

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Agenda 18/09/2014 às 04:10

5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Com a criação da Organização das Nações Unidas, surgiu o desejo dos países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial em extirpar da sociedade mundial as atrocidades praticadas pelos envolvidos na guerra. Um de seus objetivos neste sentido foi alcançado com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948. A medida não possuía um caráter cogente, mas servia de balizadora para todos os Estados associados da ONU no alcance da dignidade da pessoa, embora ainda não estendida para a totalidade da sociedade mundial.

Dados do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (NUPRI), da Universidade de São Paulo (USP), apresentados por Maria da Conceição Quinteiro, apontam que dois milhões de pessoas em todo mundo são traficadas anualmente, sendo que deste montante cerca de 80% seriam para a exploração sexual e 20% para trabalho escravo, esclarecendo que deste total cerca de 50% dessas pessoas traficadas são menores de 18 anos. Acrescenta a autora que cada pessoa traficada fornece o lucro de US$ 30 mil anuais para a rede criminosa. Informando que a participação do Brasil nesta estatística fica em torno de 15% dos dois milhões anuais que engrossam o tráfico internacional de pessoas35.

As pesquisas realizadas para o desenvolvimento deste tema revelam que as condicionantes para tal ocorrência são as desigualdades sociais, econômicas e regionais, características de contextos marcados pela alta vulnerabilidade das pessoas aí residentes, traduzida nas precárias condições de vida: moradias insalubres, ausência de saneamento básico, baixa escolaridade, baixo grau de inserção no mercado de trabalho, famílias pouco estruturadas, pessoas que, do ponto de vista emocional, portam baixa auto-estima. Apesar destas condições adversas, há pessoas que buscam sair dessa vida de pobreza, porém as chances de mudança para um melhor patamar social são restritas, dados os níveis de escolaridade, social e econômico36.

Esta situação de pobreza é chamariz para os aliciadores recrutarem as suas vítimas: os adultos, as crianças e os adolescentes que engrossam o tráfico de pessoas, na modalidade exploração sexual ou na do trabalho escravo, municipal, intermunicipal, interestadual e internacional 37.

Conforme salientado por Quaglia, o número de trabalhadores e trabalhadores do sexo, ilegais, que vivem na União Europeia varia entre de 200 mil a um milhão de pessoas. Dois terços deste total são oriundos do Leste Europeu e o restante de diversos países em desenvolvimento, inclusive do Brasil. São dados do Relatório Mundial do Tráfico de Pessoas, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), de 2006, sendo que os principais destinos da maioria dos brasileiros vítimas do tráfico são Estados Unidos, Portugal, Espanha e países de língua latina38.

Em grande parte dos países onde ocorrem o tráfico de pessoas não existe uma estrutura jurídica para prevenir, reprimir e punir essas ocorrências, facilitando a disseminação de tal prática, aliada, é claro, à falta de direitos fundamentais para seus nacionais. Ao tentar fugir da miséria e da falta de oportunidade para progredir na vida e obter uma melhor condição de vida para si e para os seus familiares se submetem, por vezes, a situações que denigrem a condição humana e enriquecem os poucos oportunistas de plantão.

Para se ter uma pequena amostra desse mundo, um relatório da UNODC aponta a atuação de um traficante, na Bélgica, que importava mulheres da África e vendia cada uma por US$ 8 mil, havendo estimativas de que as cifras possam chegar a US$ 30 mil por pessoa. Na Alemanha, prostitutas russas que ganham US$ 7,5 mil têm de entregar ao dono do bordel US$ 7 mil por mês, ficando escravizadas, física e mentalmente, incapazes de pagar suas dívidas ou de se socorrer das autoridades locais, temerosas de serem deportadas e de suas famílias serem prejudicadas pela ação desta rede criminosa39.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pode ser percebido no desenvolvimento desse artigo, o tráfico de pessoas tornou-se uma epidemia, a ser tratada de forma séria e persistente, tanto pelos governos dos locais de origens das vítimas como dos países de destino das vítimas, motivo pelo qual a Organização das Nações Unidas criou várias convenções para prevenção e repressões de tais praticam.

Observa-se que somente a ratificação das diversas convenções não inibirá a ocorrência do tráfico de pessoas, sendo que esta deve estar consorciada a uma atuação interna duradoura para que, no decorrer dos anos, se elimine tal incidência. Para esta eliminação, é primordial existir uma política pública nos países de origem das vítimas, em sentido pleno, para dar a todos os seus nacionais uma condição de vida digna, inibindo a imigração em busca de condições de vida em outros países, onde por vezes, são explorados, humilhados e submetidos a todo tipo de vexame e degradação humana.

Conforme mencionado, as vítimas do tráfico de pessoas ficam marcadas fisicamente (uso forçado de drogas, abortos compelidos, privação de alimentação e sono; doenças no sistema reprodutor, em decorrência de doenças sexualmente transmissíveis, pulmões, por falta de alimentação adequada, excesso de umidade nos locais das atividades, tabagismo incentivado para suprir carências, e sistema imunológico, em razão da contaminação pelo vírus da AIDS) e mentalmente (síndrome pós-traumática, depressão e tendências suicidas, dificuldades de interagir socialmente e formar relações de afeto). Para a recuperação destas pessoas, o tratamento deverá ser duradouro e eficaz, cabendo ter a compreensão e apoio da sociedade, e principalmente no seu seio familiar.

O melhor meio a ser empregado no combate do tráfico de pessoas é o preventivo, com políticas públicas intensificadas, fornecendo educação saúde, condição de vidas digna e saudável, e abrindo uma perspectiva de vida decente e em condições de igualdade para todos ou similares, conforme descrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Após a ocorrência do tráfico de pessoas, os meios de reparação e o investimento pelo Estado talvez não alcancem seu objetivo pleno, mas por vezes somente paliativo. O trauma sofrido por quem passou por esta modalidade de escravatura moderna deixa marcas profundas, difíceis de serem superadas.


REFERÊNCIAS

CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008.

CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 24-42.

FIORELLI, José Osnir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009.

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Leal, Maria Lúcia; Leal, Maria de Fátima P., (Organizadoras). Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial - PESTRAF: Relatório Nacional - Brasília: CECRIA, 2002.

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MARKS, Elton.Tráfico de Mulheres, Revista Istoé, n. 1587, de primeiro de março de 2000. Disponível em:<https://www.istoe.com.br/reportagens/33440_TRAFICO+DE+MULHERES.html>. Acesso em: 21 set. 2012.

MELLO, Monica de; MASSULA, Letícia. Tráfico de Mulheres: Prevenção, Punição e Proteção. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_0/revista/Rev_58/art_Monica.html>. Acesso em: 12 set. 2012.

NOGUEIRA, Sandro D'Amato. Vitimologia. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

OBSERVATORIO DE SEGURANCA. Disponível em: <https://www.observatoriodeseguranca.org/relatorios/trafico>. Acesso em: 27 set. 2012.

QUAGLIA, Giovanni. Tráfico de pessoas, um panorama histórico e mundial. In: OLIVEIRA, Marina Pereira Pires de (Coord.). Política Nacional do Enfrentamento do Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007, p. 27-41.

QUINTEIRO, Maria da Conceição. Tráfico de pessoas para fins de Exploração sexual e trabalho escravo. NUPRI/USP. Disponível em: <https://200.144.190.194/nupri/?artigo/mostrar/id/349>. Acesso em: 27 set. 2012.

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RAMÍREZ GONZÁLEZ, Rodrigo. La victimología. Bogotá: Temis, 1983.

SEPAROVIC, Zvonimir Paul. Vitimologia: uma abordagem nova nas ciências sociais. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.). Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 67-82.


Notas

1 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 7.

2 CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op.cit., p. 9.

3 Conforme Castilho, a Convenção de 1921 alterou o art. 1º para incluir “crianças de um e do outro sexo” e aumentou a maioridade para 21 anos completos. A regra geral era de que o consentimento de mulheres casadas ou solteiras maiores excluía a infração.

A Convenção de 1933 modificou essa orientação. Consoante o art. 1°: “Quem quer que, para satisfazer às paixões de outrem, tenha aliciado, atraído ou descaminhado, ainda que com seu consentimento, uma mulher ou solteira maior, com fins de libertinagem em outro país, deve ser punido”.

Os protocolos de emenda ao Acordo de 1904 e às convenções de 1910, 1921 e 1933, aprovados pela ONU em 1947 e 1948, não afetaram as definições, apenas validaram as convenções na nova ordem internacional pós-guerra. A prostituição, nessa primeira fase, era considerada um atentado à moral e aos bons costumes.

A Convenção de 1949 veio valorizar a dignidade e o valor da pessoa humana, como bens afetados pelo tráfico, o qual põe em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade. A vítima pode ser qualquer pessoa, independentemente de sexo e idade.

De acordo com o seu artigo 1º, as partes se comprometem em punir toda pessoa que, para satisfazer às paixões de outrem “aliciar, induzir ou descaminhar, para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que com seu consentimento” bem como “explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu consentimento” O art. 2º detalha as condutas de manter, dirigir, ou, conscientemente, financiar uma casa de prostituição ou contribuir para esse financiamento; de dar ou tomar de aluguel, total ou parcialmente, um imóvel ou outro local, para fins de prostituição de outrem. Conforme CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.7.

4 Conforme CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.11.

5 O Brasil ratificou as seguintes convenções: em 1948 o Protocolo de Emenda da Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, que foi internalizado pelo Decreto nº 37.176, de 15 de abril de 1955; Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, ratificado em 1958 e internalizado pelo Decreto nº 46.981, de 8 de outubro de 1959; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, ratificado em 1984, internalizado pelo Decreto n° 4.377, de 13 de setembro de 2002; Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, ratificado em 1995, internalizado pelo Decreto n° 1.973, de 1 de agosto de 1996; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), ratificado em 1999, internalizado pelo Decreto n° 3.087, de 21 de junho de 1999; Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (Convenção de Haia), ratificado em 2000, internalizado pelo Decreto n° 3.597, de 12 de setembro de 2000; Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, ratificada em 2002, internalizada pelo Decreto n° 4.316, de 30 de julho de 2002; Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional e Protocolo Adicional para a Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, ratificado em 2004, internalizado pelos Decretos nº 5.015 e nº 5.017, de 12 de março de 2004.

Observa-se haver, conforme relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos, em 2008, uma critica ao Brasil pela persistência do tráfico de pessoas. O documento divulgado no mês de junho de 2008 afirma, como nos relatórios anteriores, que o Brasil é país fonte para o trabalho forçado e para a exploração sexual, tanto em termos de tráfico interno quanto externo.

Os dados referentes ao Brasil estão em apenas três páginas, mas são suficientes para questionar o empenho do país no enfrentamento do problema em 2007. Disponível em: <https://www.observatoriodeseguranca.org/relatorios/trafico>. Acesso em: 27 set. 2012.

6 Conforme Castilho, deve-se salientar que, em 1994, a Resolução da Assembleia Geral da ONU definiu o tráfico como o movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países com economia em transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes e organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adoções fraudulentas. (CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p. 8).

7 CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.10.

8 O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos.

9 Atualmente não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e na condenação de todas as formas de exploração. Cabe registrar, porém, a mudança que se estabeleceu acerca do valor consentimento e, ainda, o detalhamento conceitual. Inicialmente a prostituição era mencionada como uma categoria única. Hoje o gênero é a exploração sexual, sendo espécies dela turismo sexual, prostituição infantil, pornografia infantil, prostituição forçada, escravidão sexual, casamento forçado. (CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.11).

10 CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 60.

11 Este Decreto, que versa da prevenção do Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), traz no seu bojo normas de cunho explicativo - art. 2º, onde são expostos todos os termos mencionados nesta lei, sendo criminalizadas as condutas da lavagem do produto do crime - art. 6º, estando no seu art. 7º às medidas a serem utilizadas para o combate a lavagem de dinheiro; no art. 8º é criminalizada a corrupção e no art. 9º apresentadas as medidas contra a corrupção; no art. 10º há a responsabilização da pessoa jurídica; no art. 12. observam-se medidas assecuratórias e seus efeitos no art. 14; no art. 13. as medidas de cooperação internacional; art. 16. extradição; art. 17. transferência de presos condenados para o cumprimento das penas impostas em seus países de origem; art. 18. trata da assistência judiciária recíproca; art. 24. versa sobre a proteção a testemunha.

12 Este Decreto promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, apresentando normas de cunho explicativo - art. 3º; especificando a área de sua atuação – art. 4º; apresentando a responsabilização penal dos migrantes – art. 5º; criminalizando o tráfico de migrantes, e a proteção do migrante e seu retorno ao local de origem –art. 18.

13 Este Decreto apresenta normas de cunho explicativo - art. 3º; sua área de atuação – art. 4º; o que é criminalizado pela lei - art. 5º; fornece assistência e proteção as vítimas – art. 6º; apresenta medidas de prevenção – art. 9º.

14 BRASIL. Decreto nº 5.017, de 14 de maio de 2004. Promulga o Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Planalto. Brasília, DF, Diário Oficial da União, 15 maio 2004, conforme art. 3º, alínea “b”.

15 La Victimología puede definirse como el estudio científico de las víctimas. En este aspecto amplio, la Victimología no se agota con el estudio del sujeto pasivo del delito, sino que atiende a otras personas que son afectadas, y a otros campos no delictivos como puede ser el de accidentes. Conforme MANZANERA, Luis Rodrígues. Criminología. 2. ed. Mexico: Perruá, 1981, p 74.Tradução livre do autor do artigo.

16 RAMÍREZ GONZÁLEZ, Rodrigo. La Victimología. Bogotá: Temis, 1983, p. 83.

17 MAYR, Eduardo. Atualidade vitimológica. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.). Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 18.

18 FIORELLI, José Osnir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009, p. 184.

19 NOGUEIRA, Sandro D'Amato. Vitimologia. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 15.

20 SEPAROVIC, Zvonimir Paul. Vitimologia: uma abordagem nova nas ciências sociais. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.).Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 131-132.

21 Conforme ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006, p. 25.

A Fundação francesa Scelles, que luta contra a exploração sexual, divulgou que há cerca de 42 milhões de pessoas em situação de prostituição no mundo; 75% dessas são mulheres com idade entre 13 e 25 anos.

O relatório da OIT sobre o assunto acrescenta que são de classes populares, apresentam baixa escolaridade, habitam em espaços urbanos periféricos com carência de saneamento, transporte (dentre outros bens sociais comunitários), moram com familiares, têm filhos e exercem atividades laborais com baixa remuneração. Muitas delas já foram submetidas a alguma forma de prostituição. Disponível em: <https://averdade.org.br/2012/04/trafico-de-mulheres-uma-questao-de-classe-e-genero/html>.

22 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit p. 26.

23 Idem, p. 25.

24 Pesquisa Nacional sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial realizada entre 2001 e 2002 identificou, no Brasil, 241 rotas de tráfico, sendo 131 internacionais, 78 interestaduais e 32 intermunicipais. As mulheres e adolescentes vítimas do tráfico internacional são levadas para a Espanha (destino mais frequente com 32 rotas), Holanda (11 rotas), Venezuela (10 rotas), Itália, Portugal, Paraguai, Suíça, Estados Unidos, Alemanha e Suriname. A Região Norte apresenta o maior número de origem das rotas, seguida de perto pela Região Nordeste e, um pouco mais distante, pela Sudeste, pela Centro-Oeste e pela Sul, no tráfico nacional. No tráfico internacional predomina a Região Nordeste.

São vários os casos de mulheres que são convidadas para trabalhar no exterior e lá descobrem que foram levadas para casas de prostituição, ou mesmo de mulheres que são atraídas para se prostituírem no exterior e lá têm documentos confiscados pelos aliciadores, sob o pretexto de que têm que pagar pela estadia, comida e roupas, ficando em cárcere privado por deverem mais do que conseguem ganhar.

Mais de 700.000 pessoas são traficadas todo o ano com o propósito de exploração sexual e trabalho forçado. Elas são levadas para fora de seus países e vendidas para o que poderíamos chamar de "novo mercado da escravidão" segundo dados da divisão das Nações Unidas para Drogas e Crimes.

Foi identificado que, no Brasil, o tráfico para fins sexuais é, predominantemente, de mulheres e garotas negras e morenas, com idade entre 15 e 27 anos. Conforme MELLO, Monica de; MASSULA, Letícia. Tráfico de Mulheres: Prevenção, Punição e Proteção. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_0/revista/Rev_58/art_Monica.html>. Acesso em: 12 set. 2012.

25 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 27.

26 Situação que se enquadra na narrativa acima foi a do bailarino e empresário cultural, Paulo Franco, de 28 anos, foi uma das vítimas do tráfico para trabalho escravo. Depois de ser contratado pela empresa de entretenimento turca Sunu Sahne para apresentações de ritmos brasileiros em hotéis da costa asiática da Turquia, ele e o grupo do qual fazia parte foram alojados num hotel em péssimas condições. O pagamento antecipado não foi feito, e os vistos de trabalho prometidos não chegaram. Apesar disso, os shows foram realizados durante 40 dias. Investigações preliminares da diplomacia brasileira constataram que o grupo caiu numa rede de tráfico de pessoas. Conforme descrito na edição n 2189 de 21 de outuburo de 2011 da Revista Istoe. Disponível em: https://www.istoe.com.br/reportagens/170188_ TRAFICO+DE+PESSOAS.

Acesso em: 12 set. 2012.

27 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 27.

28 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 31.

29 Idem.

30 Ibidem.

31 Ibidem.

32 A Revista Istoé publicou um artigo onde relata um esquema de estelionato e tráfico internacional de brasileiras que se instalou no País fazendo com que mais de 200 mulheres, entre 18 e 40 anos, fossem mandadas para o Exterior embaladas por sonhos de trabalhar pouco, ganhar bem e ainda por cima estudar outro idioma e fazer turismo. Foi assim que o ex-executivo de franchising, que também se autodenomina ex-radialista e ex-professor de lambada, Marcelo Carvalho de Toledo, 31 anos, decidiu ganhar dinheiro fácil usando como principal matéria-prima a inocência alheia. Montou uma lucrativa fábrica de ilusões em Jundiaí, cidade a 55 quilômetros de São Paulo, a M.Brazil, especializada em exportar mão-de-obra ilegalmente.

O público-alvo dessa empresa, que não tem alvará para funcionar, é formado por pessoas que concordam em pagar entre R$ 700 e R$ 1 mil para tentar a vida no Exterior. Por essa quantia, as candidatas receberiam propostas de trabalho intermediadas pela M.Brazil. A maioria das vagas “oferecidas” é como Au-Pair, uma espécie de babá que também se encarrega de pequenos afazeres domésticos. Pouco tempo fora do País, a maior parte delas percebe que comprou gato por lebre. Os cursos e as viagens de lazer prometidos são substituídos por trabalhos domésticos sem folga e em regime quase escravocrata. Muitas tornaram-se reféns das famílias que as “adotaram”, tiveram seus passaportes retidos, viveram situação de clandestinidade e até de cárcere privado. Várias, sem ter a quem recorrer, caíram no tráfico ou na prostituição.

O sucesso do golpe foi grande. Em pouco tempo, Marcelo abriu franquias em vários Estados e seu tino comercial foi elogiado por vários jornais. Tamanha desenvoltura e publicidade chamaram a atenção da polícia.

Nesta mesma reportagem também é apresentada a história de humilhação também passou a babá Dilcena Cordeiro Oliveira, moradora de São Miguel Paulista, que gastou todas as suas economias com computador, inscrição, passagens aéreas e um guarda-roupa de inverno para viajar. Dilcena entrou em Londres com uma carta da escola Universal Language Centre enviada a ela por fax, dias antes do embarque, que lhe apresentava à imigração como enfermeira e aluna do tal curso de Inglês que, segundo depoimentos ouvidos por ISTOÉ, não existe. Para poder frequentar a tal escola de Samuel Brown, a M.Brazil garantiu que ela só trabalharia quatro horas por dia. “Marcelo me mandou mentir para conseguir o visto. Na Imigração eles me pediram o recibo do curso e, como não tinha, recebi um visto de apenas 15 dias”, disse Dilcena. Essa prática tornou-se tão frequente que despertou a atenção dos ingleses, que passaram a barrar muitas meninas no aeroporto. Com medo da clandestinidade, Dilcena resolveu voltar com a roupa do corpo. “A família não entregou minha mala nem me pagou pelos serviços prestados.” A brasileira tem um livro pronto contando o drama que passou. Quem se comoveu com sua situação e a ajudou a reaver o passaporte retido por Brown foi a brasileira Ivete Collings, assessora pessoal do executivo inglês Philip Foster. Conforme MARKS, Elton.Tráfico de Mulheres, Revista Istoé, n. 1587, de primeiro de março de 2000 Disponível em:<https://www.istoe.com.br/reportagens/33440_TRAFICO+DE+MULHERES/html>. Acesso em: 21 set. 2012

33 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 16.

34 As estimativas apontam para dois milhões de pessoas traficadas anualmente no mundo. Destes, 80% seria tráfico para a exploração sexual e 20% para trabalho escravo. Cinquenta por cento das pessoas traficadas são menores de 18 anos. Cada pessoa traficada fornece o lucro de 30 mil dólares anuais para a rede criminosa. O Brasil participa com 15% dos dois milhões anuais que engrossam o tráfico de pessoas internacional.

Os condicionantes geralmente apontados pelos estudos e pesquisas sobre o tráfico de pessoas, no que diz respeito às vítimas, referem-se às desigualdades sociais, econômicas e regionais, características de contextos marcados pela alta vulnerabilidade das pessoas aí residentes. Esta alta vulnerabilidade pode ser traduzida nas precárias condições de vida: moradias insalubres, ausência de saneamento básico, baixa escolaridade, baixo grau de inserção no mercado de trabalho, famílias pouco estruturadas, pessoas que, do ponto de vista emocional, portam baixa auto-estima. Apesar destas condições adversas, há pessoas que buscam sair dessa vida de pobreza, porém as chances de mudança para um melhor patamar social são restritas, dados os níveis de escolaridade, social e econômico. Conforme QUINTEIRO, Maria da Conceição. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e trabalho escravo. NUPRI/USP. Disponível em: <https://200.144.190.194/nupri/?artigo/mostrar/id/349>. Acesso em: 27 set. 2012.

35 QUINTEIRO, Maria da Conceição, op. cit.

36 Idem.

37 Ibidem. Exemplo de entrevista feita a uma mulher (“S”), com 34 anos, divorciada, com 4 filhos, tendo escolaridades superior incompleto, trabalhando como Streaper e Garota de Programa que foi para o exterior se prostituir. Afirmou ela: Além de ser streaper e garota de programa em uma boate,“S” realizava um trabalho voluntário em uma ONG.

“Já fiz de tudo um pouco. Já fui garçonete, subgerente de restaurante, babá, acompanhante de idoso, secretária... já fui de tudo um pouquinho! Na prostituição, até hoje, eu somo 10 anos. Porém, desses 10 anos, eu só trabalhei 3 anos e meio. Eu páro, volto, páro, volto... no total, somando os meses,...tem 3 anos e meio... Nos trabalhos anteriores, nem todos foram de carteira assinada. Nunca gostei de trabalhar de carteira assinada! Eu acho que minha carteira só foi assinada duas vezes, por 3 anos e pouco. Do contrário, eu pago a minha autonomia...desde os 14 anos. Eu quero me aposentar antes dos 60.”

“Não sou consumista, até sou bastante econômica... às vezes, deixo de ganhar dinheiro para ir ao teatro, para ir ao cinema... acho que faz parte, é cultura. Ir à praia, ficar com as minhas filhas, com os meus sobrinhos. Eu curto a vida familiar. E muito! Adoro ficar em casa, lendo um bom livro.”

“S” contou que ficou sabendo da possibilidade de ir para o exterior por meio de “colegas da noite” que já haviam passado pela experiência. Interessou-se e procurou saber o que precisava fazer para inserir-se no esquema, pois queria ganhar dinheiro e conhecer outros países.

Viajou com um contrato previamente assinado para “trabalhar” por três meses e ganhar U$18,000.00. Deste total, cerca de três a quatro mil dólares seriam descontados para cobrir gastos com passagem, alimentação e estadia: “a minha primeira viagem demorou dois meses e meio por causa de passaporte, visto... estas coisas. A partir do momento que eu estava com o passaporte, as outras viagens foram mais rápidas! Até porque o visto mais complicado é para os EUA e para isso eu não preciso, eu não quero ir, eu não faço questão. E outra: eu consigo visto fácil para Europa, porque tenho cidadania portuguesa.”

“A primeira viagem que eu fiz foi estranho, né! Eu estava num país que não falava a minha língua; eu não tinha os meus amigos, a minha família! Mas foi bastante proveitosa!Eu sabia exatamente o que estava indo fazer. Estava indo para uma casa de shows, fazer o que eu faço aqui, e mais, obviamente, prostituição, que eu também faço aqui.”

“Até vale a pena, para nós que vivemos aqui no Brasil. Quando, aqui no Brasil, você ganha U$ 6,000.00 por mês? Pois os contratos de show eram de U$ 6,000.00 por mês!... Eles descontam U$1.000,00 todo mês, que é a despesa da passagem e da alimentação.

O nosso trabalho é de 22h00min às 4h00min. É tipo um horário padrão! Então, até às 21h00min, eu tenho toda a liberdade... passeava pela cidade, ia em museus para saber a história da cidade, como que aquilo surgiu. As prostitutas dividiam um apartamento. A primeira coisa que o ‘dono da casa’ fazia quando chegavam, era fazer uma reunião explicando tudo e que não aceitassem presentes.

“Violência, (já sofri) duas vezes aqui no Brasil. Lá fora nunca! E nem me senti explorada! Tem um contrato... se você não cumpre a sua parte, não pode exigir que a outra cumpra a dela. Se você foi contratada para fazer isso, isso e isso, por que amanhã você vai discordar?” ”Muitas idiotas, que pagam pelo casamento! Você paga uma taxa para usar o sobrenome de alguém, para obter a cidadania, e o que acontece? Nesse casamento, o cara passa a cafetizá-la! Por que não é os donos dos estabelecimentos que fazem o tráfico! Não é eles que exploram a mulher! A exploração sexual não é pelo dono do estabelecimento! É quando a idiota quer ficar no país e casa com um cliente! É ele que vai tentar cafetizá-la, que prende o passaporte, que faz horrores, como no caso daquela menina que foi para a Alemanha, da Bahia, que o cara matou e enterrou no quintal de casa!...”

“As pessoas dizem: ‘é uma máfia’! Mas onde não existe máfia? Se você não sabe, no Brasil tem máfia até para banca de jornal! Você não pode simplesmente mandar fabricar uma banca e dizer que você vai ser distribuidora de tais e tais revistas! Existe uma máfia! Não é qualquer pessoa que pode ser jornaleiro! Onde não existe máfia?” “Eu mesma, já fui várias vezes a Minas e ao interior de São Paulo, buscar meninas para trabalhar em casas aqui! Numa boa, eu jogo aberto! Primeiro, eu não vou buscar uma menininha dentro da casa dela! Eu não vou bater palma na casa dela!... Eu vou a outras boates e convido meninas para trabalhar... Quando chamam a gente para trabalhar no exterior, chamam de outras boates! O que eu sei é o que eu vejo nos jornais, na tv... Mas pode até existir tráfico de crianças lá para aqueles cantos! Lá no meio do mato, na Amazônia, em Rondônia! Lá, elas são totalmente despreparadas para a vida! Aqui, nas metrópoles, Rio, Salvador... não tem isso!”

“Foi legal, mas eu não tenho mais aquele espírito de aventura! Antigamente, era assim! Pegava e arrumava a mochila e ia para qualquer lugar! Eu já fiz tudo o que eu podia na vida!”

“Tem uma coisa que eu gostaria de dizer para toda mulher que está na noite: isso é igual carreira de modelo, não é para vida toda! Quando aparece ruguinha, você tem que trabalhar num outro lugar, em que as pessoas que estão têm um poder aquisitivo menor! Então, vão te pagar bem menos e assim gradativamente... É uma estrada em que você só vai descendo, Mas você tem que aproveitar a oportunidade! Ou bem ou mal, quando eu consegui a minha casa, quando eu consegui ir para Europa e tudo o mais, eu tinha carinha de 20 aninhos, estava magrinha, bonitinha, gostosinha! Era fácil!” Conforme LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima P., (Organizadoras). Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial - PESTRAF: Relatório Nacional - Brasília: CECRIA, 2002, p. 131-133.

38 QUAGLIA, Giovanni. Tráfico de pessoas, um panorama histórico e mundial. In: OLIVEIRA, Marina Pereira Pires de (Coord.). Política Nacional do Enfrentamento do Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007, p. 39.

39 Idem, p. 41.


Abstract: This paper presents a latent situation in world society - human trafficking. It's practical too old but still in full force, in which the actions of external intercropped with each country contributes to persevere in the fight against this crime, plaguing the society worldwide. The own shares sponsored by agencies of the United Nations (UN) allow greater transparency of such practices, as well as allowing more effective prevention, given the ubiquity and prevention used in some states.

Key words : Geneva Convention; Trafficking; Palermo Convention; Victimology.

Sobre o autor
David Augusto Fernandes

Mestre e Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Informações sobre o texto

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