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O reequilíbrio contratual nos contratos administrativos da União

Agenda 01/03/2015 às 15:40

O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é protegido por definição constitucional. A legislação prevê mecanismos de manutenção desse equilíbrio, que devem ser conhecidos e analisados pela Administração, a quem cabe a sua definição.

INTRODUÇÃO        

Os contratos administrativos são a forma pela qual a Administração Pública obtém de terceiros os serviços, obras e bens que devem ser utilizados no desempenho de suas funções públicas, sempre que não puder realizar com seus próprios meios, servidores e bens as tarefas necessárias. Os contratos da Administração são, por definição constitucional, precedidos obrigatoriamente de licitação, salvo os casos expressamente definidos em lei como possibilidades de contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade de licitação, conforme dispõe a Constituição Federal (CF), no artigo 37, inciso XXI:

“ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

O mesmo dispositivo constitucional que impõe a obrigatoriedade de licitação introduz, na expressão “mantidas as condições originais da proposta”, a determinação de que deve ser mantido o equilíbrio inicial da avença. Como consequência, havendo fatos posteriores que resultem em desequilíbrio, o valor dos contratos administrativos deve ser alterado com vistas ao reestabelecimento da equivalência original de obrigações. Vê-se claramente na origem do dispositivo a Teoria da Imprevisão, ancorada no brocardo rebus sic stantibus (“se as coisas continuarem como estão”, em tradução livre do latim).

Os contratos administrativos, onde uma das partes é ente público, como se sabe, não obedecem à mesma disciplina legal dos contratos entre entes privados. A origem, a execução, o controle e a extinção dos contratos administrativos encontram-se regrados no direito público, na maioria dos casos. Assim também ocorre com o regramento das suas alterações, em particular a alteração necessária de valor para que se mantenha o equilíbrio contratual. Por estes motivos, é importante a análise dos dispositivos legais que regulam a matéria, para permitir uma correta aplicação do comando constitucional.

TRÊS ESPÉCIES DO GÊNERO REEQUILÍBRIO CONTRATUAL

As regras gerais dos contratos administrativos estão dispostas na Lei 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Em relação ao reequilíbrio contratual, merecem destaque os seguintes dispositivos:

Art. 40 – dispõe sobre o conteúdo do edital da licitação - inc. XI:

“critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;”

Art. 55 - estabelece as cláusulas necessárias dos contratos administrativos – inc. III:

“o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;”

Art. 65 – dispõe sobre as alterações nos contratos administrativos – inc. II, letra d:

“para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”

Pode-se identificar claramente na Lei das Licitações três casos distintos de possibilidade de reequilíbrio, envolvendo diferentes razões, procedimentos e tratamentos jurídicos. São duas formas de reajustamento: uma delas disciplinada na parte inicial do inc. XI do art. 40 (“...que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção...”)  e outra na sequência do mesmo inciso (“...admitida a adoção de índices específicos ou setoriais...) e no inc. III do art. 55, e o reestabelecimento do valor por motivo de fatos imprevisíveis, previsto no artigo 65. Para melhor entendimento e distinção entre os três casos, serão utilizadas neste artigo as seguintes denominações respectivas para os três institutos: repactuação contratual (art. 40, inc. XI, parte inicial), reajuste contratual (art. 40, inc. XI, segunda parte e art. 55, inc. III) e revisão contratual (art. 65, II, d).

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Cabe à Administração o exame dos pressupostos fáticos e jurídicos de cada instituto de reequilíbrio contratual e a decisão motivada quanto à sua concessão. Assim, deve o administrador capacitar-se para entender as três espécies do gênero reequilíbrio contratual, os institutos correspondentes e tomar as decisões corretas, em especial porque o tema envolve, na quase totalidade dos casos, o aumento dos valores dos contratos e, consequentemente, dos recursos do erário empregados.

REPACTUAÇÃO CONTRATUAL

A base para a repactuação contratual é o dispositivo da Lei 8.666/93 acima mencionado, porém sua normatização efetiva encontra-se hoje na Instrução Normativa 02/2008 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (IN 02, MPOG).

A repactuação é prevista somente para contratos cujo objeto seja um serviço continuado com duração não inferior a um ano. São pressupostos para a repactuação a variação efetiva dos custos, a possibilidade jurídica e o lapso temporal de um ano. Em regra, o procedimento tem como origem uma solicitação da contratada e como consequência o aumento do valor do contrato.

A variação efetiva dos custos de um contrato pode ser oriunda de custos trabalhistas, derivados de Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), que contemple novo piso salarial da(s) categoria(s) envolvida(s) na prestação do serviço e outros benefícios, ou do custo de insumos. A contratada deve instruir o pedido com os documentos hábeis a demonstrar a efetivação desse aumento de custos, notadamente a CCT devidamente registrada.

A demonstração analítica da repercussão dos aumentos no valor do contrato deve ser demonstrada em planilha de custos. É de lembrar-se que, quando da licitação que originou o contrato, a empresa apresentou planilha de custos contendo todos os elementos conformadores do preço apresentado. Essa planilha, analisada e aceita pela Administração, torna-se parte do contrato e serve de base para qualquer procedimento de reequilíbrio contratual.

O órgão contratante deve proceder à análise do pedido, verificando a comprovação dos itens de aumento pleiteados e conferindo as repercussões na planilha de custos. Se estiverem presentes todos os pressupostos, deve conceder a repactuação pedida, estabelecendo o novo valor do contrato, que retroagirá ao dia de início da CCT (quando se tratar de aumento derivado de custos trabalhistas) ou à data de apresentação da proposta (quando a causa do aumento for o preço dos insumos aplicados na execução do contrato).

É importante observar que a data para a verificação do lapso temporal de um ano entre duas repactuações oriundas da mesma causa tem uma inflexão particular para o caso de CCTs. Na primeira repactuação derivada dessa causa, o tempo de um ano é contado a partir da data-base da CCT da categoria que estava vigente quanto da apresentação da proposta. Assim, a primeira repactuação pode ser concedida com menos de um ano de vigência do contrato. A partir da segunda repactuação, o lapso temporal se contará a partir da data-base considerada para a primeira repactuação.

Os contratos de serviços continuados podem ser prorrogados sucessivamente, até o limite máximo de 120 meses. Pode acontecer, então, que se chegue ao momento da prorrogação sem que a negociação das categorias envolvidas tenha terminado, ou seja, sem que uma nova CCT seja concretizada. Nesse caso, a contratada deve ressalvar no aditamento contratual de prorrogação o seu direito à repactuação, sob pena de preclusão.

Em relação à variação do custo dos insumos presentes na planilha, a legislação prevê a adoção de um índice, setorial ou geral. Nesse caso, a data para cálculo do lapso de 12 meses será a data para apresentação da proposta. Assim, esse reequilíbrio seria mais propriamente chamado de reajuste – na terminologia aqui aplicada e descrita acima – do que de repactuação.

REAJUSTE CONTRATUAL

O reajuste contratual é outro dos institutos de reequilíbrio de valor de um contrato administrativo. Consiste na aplicação de um índice previamente definido, em uma periodicidade anual.

No reajuste, não há necessidade de nenhuma iniciativa (pedido) da contratada, pois se trata de executar uma disposição contratual. Assim, quando se completam doze meses da data da apresentação da proposta, cabe à entidade contratante fazer o cálculo e reajustar o valor do contrato. O caso mais comum de reajuste é o de contratos de locação de bens móveis e imóveis, onde o índice aplicado é o INPC.

O reajuste contratual, assim como a repactuação, como se tratam de execuções de atos já previstos no contrato, podem ser formalizados por apostilamento, não necessitando de instrumentos de aditamento contratual.

REVISÃO CONTRATUAL

A revisão contratual é o terceiro instituto capaz de promover o reequilíbrio de um contrato administrativo. Prevista na Lei 8.666/93, se destina a alterar o valor do contrato quando ocorrer fato imprevisível que o torne excessivamente oneroso para uma das partes.

O fato imprevisível – ou previsível, mas de consequências incalculáveis – apto a promover a revisão contratual deve ter consequências concretas na execução do contrato e fazer parte da categoria de risco extraordinário, ou seja, não se pode solicitar revisão baseada em fato que constitua risco comum, ordinário, inerente à atividade comercial da contratada.

Na presença dos três fatores – fato imprevisível, repercussão concreta nos custos e risco extraordinário – o contratante (Administração) deve promover a revisão contratual, que será, em regra, objeto de termo de aditamento contratual, dado que não se constitui simplesmente em mera execução do que já foi avençado na confecção do contrato e, portanto, não deve ser objeto de simples apostilamento.

CONCLUSÃO

O equilíbrio contratual é um valor com proteção constitucional, constituindo-se, portanto, em um direito das partes envolvidas em um contrato administrativo. Naturalmente, esse direito não é exercido em abstrato, mas através de uma demonstração concreta dos pressupostos legais para a sua aplicação através de algum dos institutos disponíveis, em cada caso/contrato em particular. Como, em regra, o reequilíbrio resulta num aumento do valor do contrato, é importante que o gestor, representante da Administração contratante, seja criterioso no exame das condições, visando evitar possíveis prejuízos ao erário.

Além disso, o reequilíbrio contratual é um elemento de segurança para as empresas contratadas e para a Administração. Os contratos de serviços continuados podem ser prorrogados até 60 meses de duração, conforme dispõe a legislação. Os contratos de locação de bens móveis podem ter duração de até 48 meses e os contratos de locação de bens imóveis admitem prorrogações ainda maiores. Naturalmente, é mais célere e econômico para a Administração prorrogar um contrato do que fazer uma nova licitação, sempre e quando esse contrato esteja sendo executado a contento. Assim, o reequilíbrio, em cada um de seus institutos, é um instrumento que permite uma “vida” tranquila aos contratos administrativos, garantindo a justiça e o atendimento pleno ao interesse público.

Sobre o autor
Victor Hugo Fagundes Ghiorzi

Servidor Público Federal, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GHIORZI, Victor Hugo Fagundes. O reequilíbrio contratual nos contratos administrativos da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4260, 1 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32063. Acesso em: 27 dez. 2024.

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