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A aposentadoria por idade rural mista ou híbrida: artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91.

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Agenda 25/09/2014 às 10:00

4. Da aparente antinomia entre a permuta atividade rural seguida de atividade urbana, e atividade urbana seguida de atividade rural. Uso da isonomia para “agravamento da situação de inconstitucionalidade”

Há quem veja uma situação de injustiça quando o legislador permite aposentadoria híbrida apenas ao trabalhador rural, deixando o trabalhador de 65 anos urbano sem poder contar para a “carência” o tempo de atividade rural anterior. Dizem haver falta de isonomia no tratamento, posto que a atividade rural seguida da urbana não permite a aposentadoria híbrida, ao passo que, negando a recíproca, a atividade urbana seguida da rural sim.

Essa preocupação é sintetizada assim: um segurado de 65 anos, que tenha trabalhado 14 anos em meio urbano e o último ano apenas no meio rural pode se aposentar, ao passo que um outro que trabalhe 14 anos do meio rural e 1 só no meio urbano, não.

A premissa é essa mesmo. Está correta. Quem acha o tratamento não isonômico, está coberto de razão: é desigual. Não é injusto ou despropositado, mas é desigual. Antes de enfrentar a questão, contudo, é preciso fazer uma certa flexibilização, porquanto o cenário das lides previdenciários não é, nem de longe, tão cartesiano assim. Quisera eu viver uma realidade previdenciária tão exata como a hipótese acima. No mundo dos fatos, como sabido por qualquer um, o tempo de trabalho rural por 14 anos seguido de 1 ano de atividade urbana não impede a concessão de aposentadoria por idade rural, porquanto a compaixão jurisprudencial releva intervalos pequenos para fins de desqualificação da atividade de segurado especial. Por outro lado, se um trabalhador tiver 14 anos de atividade urbana e seguir para o mundo rural, ele não ficará desamparado em sua velhice até a morte. Ao contrário do que o rigor da recíproca acima sugere, a situação é facilmente resolvida, bastando a contribuição por mais um ano em qualquer das condições de segurado, inclusive na condição de segurado especial, pagando-se percentual sobre a venda realizada. O segurado não estará perpetuamente condenado a não se aposentar, seja numa ou outra hipótese. E é preciso sim desmistificar essa impressão aparente de irreversível prejuízo. Acalmemos.

Bem. Mas a questão a se responder é: há falta de isonomia no tratamento entre as duas hipóteses acima? Não permitir ao trabalhador urbano a mesma aposentadoria híbrida concedida ao trabalhador rural gera desigualdade?

Que gera desigualdade, isso é inevitável. Agora, isso não é nenhuma novidade. Causa muita estranheza que no meio jurídico situações como essa ainda causem espanto e desconforto. Diante tantas opções contemplativas que o constituinte e o legislador elege, preterindo e preferindo, contemplando aqui e descobrindo acolá, isso é natural e corriqueiro. Não se entende o porquê da indignação repentina. A verdade é que essa preocupação só perturba quem realmente não está atento à premissa constitucional aqui relembrada por inúmeras vezes: o sistema é contributivo!

Essa “desigualdade”, ora objeto de muita indignação, já convive tranquilamente desde a edição da Lei 8.213/91. Os segurados especiais nunca contribuíram, a despeito do trabalhador urbano. A jurisprudência nunca se sensibilizou a essa diferença, embora, no mais das vezes, o trabalho urbano e a sobrevivência na cidade seja, a rigor, tão ou mais difícil do que a vida da roça nos tempos de hoje. Ninguém se condoeu com essa desigualdade. Além disso, deixou-se viger regras de transição onde empregados rurais e contribuintes individuais rurais também não contribuíram ao longo de 20 anos. Essa desigualdade nunca incomodou ninguém.

Também nunca trouxe muita perplexidade o fato do artigo 55 da Lei 8.213/91 aceitar todo o período rural anterior a 1991 sem contribuições para fins de tempo de serviço. Ao que se percebe, toda a indignação nasce quando a lei exige pagamento. Quando abona, ninguém se comove.

Então, tratamentos diferenciados pela lei previdenciária sempre existiram. Isso não é novidade.

Bem. Mas se, em todo caso, chegara, enfim, a hora de se dar um basta nessas diferenças, acabando com qualquer tipo de diferença entre categorias que pagam e que não paga, caminhemos então pelo caminho certo! Usemos força e inteligência para consertar e resolver a questão, e não para piorá-la. Siga-se, de uma vez por todas, a diretriz contributiva estabelecida na Constituição Federal para a previdência social. Vamos nivelar por cima, e não por baixo. Que seja, então, reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 39 da LBPS, a garantir, ad eterno, o direito de benefícios sem qualquer contribuição, e que se leve, nessa mesma remada, o tão questionado §3º do artigo 48, a inflar, ainda mais, as concessões aos trabalhadores rurais de forma gratuita. Isso sim. Se há diferença de tratamento e isso traz incômodo, que usemos então o argumento da isonomia em favor da Constituição Federal, e não contra ela. Acabemos, de vez, como qualquer modelo não contributivo, ao contrário de tentarmos ampliar hipóteses gratuitas de aposentadoria por meio de leituras autistas da legislação.

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Seria hora de darmos plena vigência, eficácia e efetividade à norma constitucional, pondo fim, de uma vez por todas, qualquer hipótese de assecuritização sem a contrapartida do custeio? Será?

Se esse tempo ainda não chegou, não me parece conveniente distorcer as coisas para, em nome da isonomia, agravar um estado de inconstitucionalidade.

A isonomia deveria ser invocada para igualar os trabalhadores rurais aos urbanos, exigindo de todos eles a devida contraprestação. A própria Constituição Federal unificou os dois regimes, urbano e rural, e os igualou. Então que a invocação do princípio da isonomia sirva para valorizar o próprio texto constitucional, aumentando o alcance de seu comando contributivo, e não diminuindo.

Querer, em nome da isonomia, dispensar agora a carência também do trabalhador urbano é “agravar indevidamente um estado de inconstitucionalidade”, teimando com o que a Constituição insiste em querer. Como se não bastassem os trabalhadores rurais, cuja exceção vem fundamentada numa particularidade da vida campesina, quer se fazer isso também com trabalhador urbano, contrariando mais e mais a Constituição, e invocando a isonomia para servir no caminho diametralmente inverso.

E por falar sobre exceção, sobre casos particulares e tudo mais, é regra de hermenêutica básica que as normas excepcionais sejam interpretadas restritivamente. A possiblidade de aposentadoria ao trabalhador rural sem contribuição é, de fato, uma exceção, e das maiores. Não se trata, contudo, de mera “vírgula” a permitir outras reconstruções interpretativas. A Constituição exige uma forma previdenciária contributiva na essência, e minimizar essa intelecção, sobretudo para fazer crescer as exceções, é descumpri-la. A regra previdenciária é contributiva, e repetir isso não é exagero.

Conclui-se, portanto, que a única hipótese de emprego para o novo artigo 48, § 3º da LBPS é mesmo nos casos dos trabalhadores ainda rurais, já que, conforme a lei, trata-se mesmo de uma aposentadoria por idade rural, e não urbana. Esse é o sentido constitucional da interpretação, onde a recíproca, isto é, uma aposentadoria urbana com cômputo rural, não é possível.


Referências Bibliográficas

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010.

LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 3º Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Controle de Constitucionalidade. 9ª Edição. São Paulo: Método, 2010.


Notas

1 De minha parte penso, com enfoque em uma verdadeira interpretação constitucional, que nem mesmo o segurado especial está dispensado de contribuição. Essa conclusão me foi despertada pelas pertinentes colocações do estudioso colega Vinícius de Lacerda Aleodim Campos, um perspicaz jurista. Hoje adiro àquele alerta que sua leitura me trouxe. O artigo 39 da Lei 8.213/91 inaugurou hipótese de “isenção” sem autorização constitucional, incorrendo em inconstitucionalidade. Veja que a redação do artigo 195, § 8º da CF/88 diz que os segurados especiais contribuirão e farão jus ao benefício. Veja que existe uma relação causa e efeito. Eles contribuirão para a seguridade (...) e farão jus ao benefício. A CF/88 não faculta a contribuição. A redação é clara. Deveria mesmo o segurado especial ficar sem contribuir? A regra de transição do artigo 143 foi uma excelente passagem entre os regimes e abrandou, com parcimônia, a vinda de um tempo constitucional novo, com contribuição obrigatória. O fim de sua vigência não deveria, por “arrastamento”, acabar também com a hipótese do artigo 39 da LBPS? Argumentos sociais? Fica a reflexão.

2 Para além do conceito que os distingue, segurado especial e trabalhador rural também possuem diferenciações quanto ao sistema das aposentadorias por idade, muito embora não falte quem queira confundir a sistemática de ambos. O segurado especial sempre terá direito à aposentadoria por idade sem que tenha contribuído para previdência, conforme rege art. 39 da PBPS. O trabalhador rural (seja o contribuinte individual ou empregado) não teria direito à aposentadoria por idade sem recolhimento anterior das contribuições caso não fosse a norma de transição do art. 143, que lhe permitiu, até a data de 31/12/2010, aposentá-lo por idade, desde que comprovado apenas o exercício de atividade rural em período imediatamente inferior ao requerimento, em quantitativo de tempo equivalente ao exigido para a carência deste benefício. Após 31/12/2010, com a vigência da Lei 11.718/2008, o trabalhador rural (contribuinte individual ou empregado) poderá continuar aposentando-se por idade, mas deverá ter recolhido as contribuições para efeito de carência, seguindo a regra ordinária da lógica previdenciária do art. 48, §1º, o qual, por sus). A nova regra estabelecida pela Lei 11.718/2008 também previu regras de transição para contagem de carência, estabelecendo o seguinte cronograma, previsto no seu artigo 3º: Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I – até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991; II – de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III – de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil.

3 Fica bem clara essa diferença entre carência e tempo de contribuição pela leitura do artigo 25, inc. II, da Lei 8.213/91. Veja que a aposentadoria por tempo de contribuição, embora exija, ordinariamente, 30/35 anos de tempo de contribuição (artigo 201, §7º, inc. I da CF/88), tem como carência apenas 15 anos.

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