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A questão da competência para instruir e julgar crime de extorsão

Agenda 04/10/2014 às 14:18

Analisam-se julgamentos do STJ sobre a competência para instruir e julgar crimes de extorsão.

O presente artigo analisa caso de discussão, que foi objeto de decisão pelo Superior Tribunal de Justiça, em Conflito de Competência nº 115.006 – RJ,  sobre a competência para instruir e julgar crime em  que a vítima foi coagida a efetuar o depósito, mediante ameaça proferida por telefone, quando estava em seu consultório, em Rio Verde/GO. Entendeu-se que, independentemente da efetivação do depósito ou do local onde se situa a agência da conta bancária beneficiada, foi ali que se consumou o delito.

Segundo se relata do acórdão noticiado, a vítima teria recebido “uma ligação no seu consultório dizendo o seguinte: eu tentei seqüestrar sua filha e ela reagiu e eu dei um tiro nela”. O autor teria pedido a quantia de R$50.000,00 para liberar a filha da vítima. A vítima respondeu que só teria R$5.000,00, o que foi aceito. O autor teria indicado conta a ser realizado o depósito, em nome de Gisele dos Santos Vieira, em agência situada em São Gonçalo/RJ. Minutos depois de ter sido efetuado o depósito, a filha da vítima teria chegado em casa.

Há a competência ratione loci, onde se aplica o artigo 70 do Código de Processo Penal, em que  se observa que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de  tentativa, no lugar em que for praticado o último ato de execução.

O critério territorial, diga-se de passagem, de fixação da competência é relativo, que visa ao interesse das partes, ao contrário, do critério de competência absoluta ou constitucional. Mas, uma ou outra podem ser declaradas de ofício. Na incompetência relativa, a defesa deve apresentá-la no prazo da apresentação de sua defesa preliminar, sob pena de preclusão, pois o prazo é peremptório. O Supremo Tribunal Federal entende que a nulidade em face da incompetência absoluta implica nulidade dos atos decisórios e que a incompetência relativa não importa em nulidade de qualquer ato praticado. No Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EDcl no REsp 355.099/PR, Relatora Ministra Denise Arruda, Relator para o acórdão o Ministro José Augusto Delgado, Dj de 18 de agosto de 2008, entendeu-se que em se tratando de incompetência territorial, caso de natureza relativa, não há que falar em anulação de atos processuais decisórios e não decisórios, pois o juiz declarado competente receberá os autos para prosseguir com os demais atos processuais, reconhecendo-se válidos todos os anteriores praticados pelo juiz reconhecido como relativamente incompetente.

Identificamos 3 (três) teorias para o critério territorial:

  1. Teoria do resultado: O juízo territorialmente competente é aquele do local onde se operou a consumação do delito. É a chamada teoria prevalente, que ganha relevância, importância, em caso de delitos plurilocais, que são aqueles onde os atos executórios ocorrem em local distinto do resultado, no território nacional;
  2. Teoria da atividade: A competência será fixada pelo local da ação ou da omissão, sendo adotada nos crimes tentados e nos Juizados Especiais Criminais (artigo 63 da Lei 9.099/95);
  3. Teoria da ubiquidade (mista): A competência territorial é determinada tanto pelo local da ação quanto pelo do resultado, desde que um ou outro aqui ocorram.

Fala-se ainda que a  competência será determinada pelo domicílio ou residência do réu, nos casos onde for desconhecido o local da consumação (artigo 72, caput, do Código de Processo Penal) ou ainda nas ações penais privadas, quando o querelante optar por ajuizar ação no domicílio do réu ou sua residência (artigo 73 do Código de Processo Penal).

Se além de desconhecido o local da consumação e ainda desconhecido o domicílio ou a residência do réu, que são conceitos de direito civil, aplica-se o artigo 72, parágrafo segundo do Código de Processo Penal, sendo competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

Como bem acentuou a Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura a questão diz respeito a saber se a competência para apurar o suposto crime de extorsão ali noticiado é da Comarca de Rio Verde/GO, onde a vítima teria sofrido a ameaça por telefone, vindo a depositar o valor de R$5.000,00 pelo falso resgate de sua filha, ou da Comarca de São Gonçalo/RJ, local onde situada a agência bancária da conta beneficiária do valor extorquido.

É vítima aquele que é sujeito à violência ou a ameaça, o que deixa de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, e, ainda, o que sofre o prejuízo jurídico.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 306) a ação incriminada é, fundamentalmente, um constrangimento ilegal, que se pratica com o fim de se obter indevida vantagem econômica. Consiste em constranger alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Diz ele que o processo executivo da extorsão deverá ser a violência ou grave ameaça. Ora, são precisamente os meios de execução  que distinguem este crime do estelionato, pois, neste último, a vantagem indevida se obtém mediante fraude, pois o agente induz o lesado em erro, levando-o, assim, a praticar a ação que pretende.

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Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 69 e 70) que “uma das mais frequentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio do ameaçador. É a chantagem, dos franceses, ou blackmail dos ingleses”.

Certamente o constrangimento deve ser praticado com o propósito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. A questão do momento consumativo deste crime, perante a lei brasileira, levou a Magalhães Noronha (Crimes contra o patrimônio, I, 224) entender ser necessário a consumação, assim como algumas decisões (RF 181/343), para que o agente obtenha efetiva vantagem patrimonial. Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 71) e Oscar Stevenson (Direito penal, 1948, 36) entenderam de ser o crime formal, consumando-se com o resultado do constrangimento, sendo, para isso, irrelevante que o agente venha ou não a conseguir a vantagem pretendida.

Para Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 307) não se exige que o agente tenha conseguido o proveito que pretendia. O crime se consuma com o resultado do constrangimento, com a ação ou omissão que a vítima é constrangida a fazer, omitir ou tolerar que se faça, sendo um crime de perigo. Sendo assim o Código Penal brasileiro ficou longe do modelo adotado nos Códigos Penais da Suíça e da Itália e inspirou-se no antigo § 253 do CP alemão, que foi modificado por lei de 29 de maio de 1943. Para essa corrente, o momento consumativo independia da obtenção da vantagem pretendida. Porém, a nova redação dada ao §253 passou a exigir que surja a vantagem patrimonial, para que o crime se consuma, orientação que é a mesma na Itália. A tendência seria considerar a extorsão um crime material cuja consumação dependeria do efetivo dano ao patrimônio. No Brasil, há jurisprudência no sentido de que é irrelevante que o agente obtenha a vantagem indevida, bastando para a configuração do crime a simples atividade ou omissão da vítima (RT 447/394, 462/393, 513/412, dentre outros). O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 96, onde se diz que: “crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção da vantagem indevida”. Mesmo formal é possível se pensar na hipótese de tentativa, uma vez que o crime não se perfaz em ato único. Ocorre a tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento da vítima (RT 338/103), quando esta não se intimida (RT 525/432) ou quando o agente não consegue que ela faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa (RT 481/363, 498/357, dentre outros).

O ato juridicamente nulo, que nenhum benefício de ordem econômica pode produzir, não configura o crime de extorsão. Haverá um crime impossível, sendo o agente punido por constrangimento ilegal. Bem alerta Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume II, 25ª edição, pág. 235) que pode-se figurar a hipótese de que o agente obtenha uma vantagem econômica pela prática de ato nulo (o pai resgata um documento em que há confissão da dívida de filho menor, que foi coagido a assiná-la, para honrar o nome da família).  Crime impossível, como disse Fernando Capez (Curso de Direito Penal, volume I, 11ª edição, pág. 256) é “aquele que, pela ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material é impossível de se consumar”. Lembre-se que, na doutrina, há denominação para o crime impossível de quase-crime, tentativa inadequada ou inidônea. Adota-se, no Brasil, a chamada teoria objetiva temperada ou moderada, onde exige que o meio empregado pelo agente e o objeto sobre o qual recai a conduta seja absolutamente inidôneo para produzir a finalidade e o resultado buscado. Haverá, pois: delito impossível por ineficácia absoluta do meio; delito impossível por impropriedade absoluta do objeto material; crime impossível por obra do agente provocador.

A vantagem obtida no crime de extorsão há de ser indevida, pois se o agente tivesse direito haveria configuração de um crime de exercício arbitrário das próprias razões (RT 422/300, 467/391, 586/380). De toda sorte, deve a conduta visar a uma vantagem econômica injusta.

Aplica-se o artigo 70 do Código Penal de modo que competente para instruir e julgar o crime é a Comarca de Rio Verde/GO, onde a consumação ocorreu.

Sabe-se que o crime de extorsão é de natureza formal e consuma-se no local em que ocorre o constrangimento para que se faça ou se deixe de fazer alguma coisa. A vítima, no caso, foi coagida a efetuar o depósito, mediante ameaça proferida por telefone, quando estava em seu consultório, em Rio Verde/GO. Ora, independentemente da efetivação do depósito ou do local onde se situa a agência da conta bancária beneficiada, foi ali que teria se consumado o delito.

Incide a Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça de modo que a extorsão, sendo crime formal, se perfaz com o efetivo constrangimento de alguém a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça algo, não dependendo da obtenção de vantagem econômica para a sua consumação.

Em  importante precedente, no julgamento do Conflito de Competência nº 40.569/SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 5 de abril de 2004, em hipótese em que houve o momento consumativo perpetrado pelo agente ao praticar o ato de constrangimento (envio dos e-mails de conteúdo extorsivo), e o das vítimas que se sentiram ameaçadas e intimidadas com o ato constrangedor, o que ocasionou a busca da Justiça, entendeu-se que consumou-se o crime no lugar do recebimento das mensagens eletrônicas, uma vez que se trata de crime formal e o momento consumativo se apresentou na presença dos elementos constitutivos do tipo, sendo o local, repita-se, o do recebimento dos e-mails.

Discute-se a questão da competência no crime de extorsão mediante sequestro.

Ensinou Damásio de Jesus (Direito penal, volume II, 16ª edição, pág. 327) que “a extorsão mediante sequestro se consuma nos mesmos termos do sequestro (158). Assim, o momento consumativo ocorre com a privação da liberdade de locomoção da vítima, exigindo-se tempo juridicamente relevante”. Não é outra a lição de Paulo José da Costa Júnior (Comentários ao Código Penal, volume II, 2ª edição, pág. 221) quando ensinou que “consuma-se o crime no momento em que o sujeito passivo vê-se privado de sua liberdade espacial, ou seja, a liberdade de movimentar-se no espaço. Independe a consumação da obtenção do proveito econômico”.

No caso do crime de extorsão mediante sequestro, como já delineado pelo Superior Tribunal de Justiça,  no HC 5826-CE, DJ de 22 de setembro de 1997, tratando-se de crime permanente, opera-se tal crime no local do sequestro da vítima e não no  da entrega do resgate. A matéria já fora objeto de várias outras decisões, como se lê do HC 73.521/CE, por parte do Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, DJ de 2 de outubro de 1996, em que foi Relator o Ministro Ilmar Galvão, quando se disse que o delito de extorsão mediante sequestro é de natureza permanente e sua consumação se opera no local em  que ocorre o sequestro da vítima, com o objetivo de obtenção de vantagem, e não no da entrega do resgate. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A questão da competência para instruir e julgar crime de extorsão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4112, 4 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32395. Acesso em: 28 dez. 2024.

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