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A validade do inquérito policial militar (IPM) nos crimes dolosos contra a vida praticados por militar em serviço

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Agenda 06/10/2014 às 14:45

5 JURISPRUDÊNCIA

5.1 ADI 1494

A nova redação do art. 82, § 2º, do CPPM, alterada pela Lei nº 9.299/96, a qual estabelece que os crimes militares dolosos contra a vida praticados por Militar contra vítima civil sejam investigados pela Polícia Judiciária Militar, por meio do Inquérito Policial Militar (IPM), que deve remeter os autos à Justiça comum, foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n º 1494.

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) questionou a constitucionalidade do dispositivo legal, argumentando a violação ao disposto no art. 144, § 1º, IV e § 4º, da Constituição Federal de 1988, alegando que o exercício da atividade de Polícia Judiciária seria prerrogativa exclusiva da Polícia Federal e da Polícia Civil, respectivamente.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal julgou liminarmente que o previsto na alteração do CPPM realizada pela Lei nº 9.299/96 seria constitucional. In verbis:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA, PRATICADOS CONTRA CIVIL, POR MILITARES E POLICIAIS MILITARES - CPPM, ART. 82, § 2º, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9299/96 - INVESTIGAÇÃO PENAL EM SEDE DE I.P.M. - APARENTE VALIDADE CONSTITUCIONAL DA NORMA LEGAL - VOTOS VENCIDOS - MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. O Pleno do Supremo Tribunal Federal - vencidos os Ministros CELSO DE MELLO (Relator), MAURÍCIO CORRÊA, ILMAR GALVÃO e SEPÚLVEDA PERTENCE - entendeu que a norma inscrita no art. 82, § 2º, do CPPM, na redação dada pela Lei nº 9299/96, reveste-se de aparente validade constitucional. (grifo nosso)

Destaca-se que no mesmo julgado o Ministro Marco Aurélio afirmou em seu voto que a circunstância de o fato ser investigado pela Corporação Militar não significa uma presunção de parcialidade ou de que o Inquérito será viciado, ressaltando a autuação do Ministério Público na persecução penal.

Concluiu o Ministro seu voto afirmando que cabe à autoridade militar instaurar o inquérito diante da existência de indícios de crime doloso contra a vida, com posterior remessa dos autos do inquérito policial militar à Justiça comum, declarando a constitucionalidade do art. 82, § 2º, do CPPM. Vejamos:

[...] Todavia, não posso assentar, de início, que, tendo começado o inquérito, o qual visa à apuração sumária de fato – e o preceito atacado não revela que ele somente será remetido à Justiça comum após conclusão -, no âmbito policial militar, será um inquérito viciado, em que pese a atuação de um outro órgão junto à Justiça Militar, que é o Ministério Público.

[...]

Tomo o § 2º em exame como a conduzir à convicção de que, ocorrido um fato a envolver policial militar - elemento e natureza objetiva -, deve-se ter a instauração inicial do inquérito no âmbito militar.

[...]

Evidentemente, a autoridade policial militar, entendendo pela existência de indício de crime doloso contra a vida, procederá, na esfera da absoluta normalidade, à remessa dos autos do inquérito policial militar à Justiça comum [...]. (grifo nosso)

Todavia, o Pretório Excelso deixou de analisar o mérito do assunto, por entender que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) não possuía legitimidade ativa para ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), já que não seria uma entidade de classe de âmbito nacional, conforme exige o art. 103, IX, da Carta Magna.

5.2 ADI 4164

Em 2008 novamente a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4164) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade da Lei nº 9.299/96 e do art. 82, § 2º, do CPPM. Todavia, a Suprema Corte ainda não julgou o mérito da ADI.

Sucede que o Procurador Geral da República (PGR) já exarou parecer pela improcedência da Ação, posicionando-se pela constitucionalidade dos dispositivos legais questionados.

Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) entende que o crime doloso praticado por Militar em serviço contra civil deve ser apurado pela autoridade militar por meio do Inquérito Policial Militar (IPM), com remessa ao final dos autos à Justiça comum caso se confirme ser delito da competência do Tribunal do Júri. In verbis:

No mérito, o pedido é improcedente.

Como é sabido, os cidadãos militares recebem tratamento jurídico diferenciado em relação aos civis, por causa da natureza e das peculiaridades da vida castrense. Essa distinção baseia-se em princípios como a hierarquia e a disciplina, que são fundamentais para a estruturação e o funcionamento das instituições que compõem as Forças Armadas.

A diferenciação é observada em diversas searas da vida cotidiana e mostra-se mais evidente nos aspectos comportamentais dos militares, principalmente quando se trata de desvios de conduta. Nesse caso, além das normas administrativas editadas pela corporação, a legislação civil incide para definir as condutas passíveis de sanção e os procedimentos para a sua aplicação, respectivamente, através do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar.

Em geral, esses desvios são tratados como assunto interno, devendo ser apurados no âmbito administrativo e, se for o caso, julgados pelos Tribunais Militares, por autoridades militares hierarquicamente superiores ao suposto infrator, assegurada a garantia fundamental do devido processo legal. Todavia, nas hipóteses em que a conduta ilícita transborda as fronteiras da organização militar, atingindo direta ou indiretamente cidadãos civis, torna-se necessário que o seu julgamento ocorra no âmbito civil, de modo a se evitar corporativismos.

Assim entendeu o constituinte em relação ao homicídio doloso, quando fixou a competência do Tribunal do Júri (art. 125, §405), a partir do critério da identidade civil da vítima.

Quando o militar é apontado como sujeito ativo de qualquer conduta considerada como "crime militar" pela legislação (art. 90, 11, 'c', do CPM), aquela deverá ser imediatamente apurada pelas autoridades policiais militares através do respectivo procedimento administrativo, qual seja, o inquérito policial militar. A partir do momento em que se constate a hipótese prevista na Constituição Federal de "competência do júri quando a vítima for civil", imediatamente deverão as autoridades militares remeter os autos do procedimento investigatório à Justiça Comum.

E é exatamente nesse sentido que dispõe a legislação ora impugnada, como entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI-MC 1.494, ao analisar pedido de liminar, posicionando-se pela constitucionalidade das normas contidas na Lei nº 9.299/96.

[...]

Ante o exposto, o parecer é pela improcedência do pedido. (grifo nosso)

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Na mesma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.164 o Advogado Geral da União (AGU) também exarou parecer pela improcedência da Ação e pela constitucionalidade da Lei nº 9.299/96 e do art. 82, § 2º, do CPPM, afirmando que a circunstância de os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra vítima civil serem julgados pelo Tribunal do Júri (Justiça comum) não impede que a investigação seja perpetrada pela autoridade militar, por meio do Inquérito Policial Militar (IPM). In verbis:

A pretensão formulada pela requerente, no entanto, é insubsistente.

De início, nota-se que a competência para a apreciação dos crimes mencionados é, de fato, do Tribunal do Júri. Referida conclusão deriva do próprio Texto Constitucional.

[...]

Entretanto, a fixação da competência do júri para processamento desses crimes não é suficiente para que se conclua pela inviabilidade da apuração dos mesmos pela autoridade militar.

[...]

Desta forma, justifica-se a previsão de tratamento diferenciado em relação aos servidores militares, de modo que sejam respeitadas as especificidades que caracterizam a atividade militar.

Ademais, a ressalta-se que a questão em exame já havia sido submetida a esse Supremo Tribunal Federal, que, em exame perfunctório, entendeu que o art. 82, § 2º, do Código de Processo Penal Militar não ofende a Carta Maior ao prever que a apuração dos referidos crimes seja realizada por meio de inquérito policial militar.

[...]

Feitas essas considerações, constata-se a compatibilidade dos dispositivos impugnados com o Texto Constitucional. (grifo nosso)

[...]

5.3 OUTROS JULGADOS

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 260.404/MG o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a Lei nº 9.299/96, bem como a nova redação do art. 9º, parágrafo único, do CPM e do art. 82, § 2º, do CPPM. In verbis:

EMENTA: Recurso extraordinário. Alegação de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 9º do Código Penal Militar introduzido pela Lei 9.299, de 7 de agosto de 1996. Improcedência.

[...]

 - Corrobora essa interpretação a circunstância de que, nessa mesma Lei 9.299/96, em seu artigo 2º, se modifica o "caput" do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar e se acrescenta a ele um § 2º, excetuando-se do foro militar, que é especial, as pessoas a ele sujeitas quando se tratar de crime doloso contra a vida em que a vítima seja civil, e estabelecendo-se que nesses crimes "a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum". Não é admissível que se tenha pretendido, na mesma lei, estabelecer a mesma competência em dispositivo de um Código - o Penal Militar - que não é o próprio para isso e noutro de outro Código - o de Processo Penal Militar - que para isso é o adequado. Recurso extraordinário não conhecido. (grifo nosso)

Também o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) nº 21.560/PR entendeu que o Inquérito Policial Militar deve ser instaurado para se verificar se o delito configura ou não crime doloso contra a vida, com posterior remessa dos autos à Justiça comum, isto é, a apuração do fato é atribuição da Polícia Judiciária Militar. Vejamos:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. COMPETÊNCIA. ART.125, § 4º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART.82, § 2º DO CPPM. INQUÉRITO. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL PRATICADO POR POLICIAL MILITAR. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

I - A teor do disposto no art. 125, § 4º da Constituição Federal e art. 82 do Código Penal Militar, compete à Justiça Comum julgar policiais militares que, em tese, cometerem crime doloso contra a vida de civil.

II - A norma inserta no § 2º do art. 82 do CPP ("Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à Justiça Comum") que teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Pretório Excelso (ADI 1.494/DF), não autoriza que a Justiça Castrense proceda ao arquivamento do inquérito, verificada a ocorrência de crime doloso contra a vida de civil.

III - O que referido dispositivo autoriza, portanto, é que se instaure o inquérito militar apenas para verificar se é ou não a hipótese de crime doloso contra a vida de civil. Uma vez isso constatado, a remessa dos autos a Justiça Comum é medida de rigor.

Recurso desprovido.

Outrossim, o STJ ao julgar o recente Conflito de Competência (CC) nº 120.201/RS inferiu que a troca de tiros entre policiais militares e cidadãos infratores configura crime de lesão corporal, devendo ser considerado atividade de natureza militar a ser apurada pela Justiça Militar, mesmo que posteriormente se comprove ter ocorrido tentativa de homicídio. In verbis:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. POLICIAIS MILITARES INVESTIGADOS POR LESÃO CORPORAL. TROCA DE TIROS COM A VÍTIMA, QUE TERIA RESISTIDO À PRISÃO. MILITARES EM SUA FUNÇÃO TÍPICA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUE NÃO AFASTA O DISPOSTO NO ART. 9.º, INCISO II, ALÍNEA C, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE.

1. O policial militar que em serviço troca tiros com foragido da justiça que resiste à ordem de recaptura, age no exercício de sua função e em atividade de natureza militar, o que evidencia a existência de crime castrense, ainda que cometido contra vítima civil. Inteligência do art. 9.º, inciso II, alínea c, do Código Penal Militar. Precedentes.

2. Conflito conhecido para declarar a competência da 2.ª Auditoria Militar de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. (grifo nosso)

Em seu voto a Ministra Relatora Laurita Vaz discorreu que a ausência de indícios mínimos de intenção homicida (animus necandi) faz com que o fato seja apurado pela Justiça Militar, com apuração anterior realizada por meio de Inquérito Policial Militar. Vejamos:

[...] Não ignoro que por força do princípio in dubio pro societate, que rege a fase do inquérito policial, tão-somente a ausência de indícios mínimos do animus necandi afasta a competência da Justiça Comum para investigar a eventual prática de crime de homicídio praticado por militares contra civil.

Contudo, no caso, pelos dados constantes nos autos, não se vislumbra indícios mínimos de dolo homicida na conduta praticada, sendo descabido entender pela competência da Justiça Comum.

Parece-me óbvio que o policial militar que em serviço troca tiros com foragido da justiça que resiste à ordem de recaptura, age no exercício de sua função e em atividade de natureza militar, o que evidencia a existência de crime castrense, ainda que cometido contra vítima civil.

Ademais, o inquérito foi instaurado para apurar se a conduta policial praticada teria configurado crime de lesões corporais que, se ocorreu, no contexto em que foi perpetrado, estaria circunscrito à competência da Justiça Castrense.

Dessa forma, com base no relatório do inquérito militar e no fato de que todos os investigados são militares e estavam de serviço, no exercício da função típica, evidencia-se a competência da Justiça Militar, nos termos do art. 9.º, inciso II, alínea c, do Código Penal Militar.

[...]   

Ante o exposto, CONHEÇO do conflito para DECLARAR a competência da 2.ª Auditoria Militar de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. (grifo nosso)

Desta feita, a realização de 02 Inquéritos para apurar o mesmo fato não é aprovada pela jurisprudência pátria, a qual entende que a apuração dos delitos militares deve ser realizada pela autoridade militar, por meio do Inquérito Policial Militar (IPM).

Sobre o autor
Robledo Moraes Peres de Almeida

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí. Foi Oficial da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) por 15 anos, ocupando atualmente o Posto de Capitão PM da Reserva Não Remunerada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado pela Escola de Formação de Oficiais da PMES. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Gestão, Educação e Segurança de Trânsito pela Faculdade Cândido Mendes. Membro Titular da Associação Colombiana de Direito Processual Constitucional. Finalista da categoria Obra Técnica do X Prêmio Denatran de Educação no Trânsito, promovido pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) no ano 2010. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Aprovado nos concursos públicos para os cargos de: a) Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí; b) Promotor de Justiça do Ministério Público do Tocantins; c) Defensor Público da Defensoria Pública do Espírito Santo; d) Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Robledo Moraes Peres. A validade do inquérito policial militar (IPM) nos crimes dolosos contra a vida praticados por militar em serviço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4114, 6 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32588. Acesso em: 22 dez. 2024.

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