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A questão da incidência do ISS sobre a locação de bens móveis

Agenda 30/10/2014 às 07:08

Não há incidência de ISS sobre a locação de bem móvel, quando esta se dá de forma pura, como simples obrigação de entregar a coisa.

1. INTRODUÇÃO

O Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISSQN é um imposto municipal que tem como fato gerador a prestação – por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo  de serviços constantes da Lista anexa à LC n. 116/2003, a qual enumera, aproximadamente, 230 serviços, divididos em 40 itens. A questão da incidência do ISS sobre locação de bens móveis sempre foi controversa, ensejando muitas discussões. Assim, levanta-se a indagação: incide ISS sobre a locação de bens móveis? Discutir-se-á acerca do tema.


2. DESENVOLVIMENTO legislativo do iss no brasil

Existem correntes que afirmam que havia uma previsão na Constituição de 1946 do Imposto Sobre Serviços através do Imposto de Indústria e Profissões e Imposto sobre Diversões Públicas, no entanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1965, o mesmo passou a ter destaque na legislação brasileira.

Walter Gaspar (1994, p. 17) argumenta que o texto que foi aprovado e transformado em Emenda Constitucional Nº 18, de 1º.12.65, não diverge muito do anteprojeto:

Art. 15. Compete aos municípios o imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados.

Parágrafo Único. Lei Complementar estabelecerá critérios para distinguir as atividades a que se refere este artigo das previstas do art. 12.

No entanto, para se atender as determinações constitucionais, seria necessária uma Lei Complementar para determinar a incidência do ICM e do ISS.

No art. 71 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário nacional), trouxe a primeira Lista de Serviços, onde constavam apenas três itens:

Art. 71. O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço que não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos Estados

§ 1º Para os efeitos deste artigo, considera-se serviço:

 I - o fornecimento de trabalho, com ou sem utilização de máquinas, ferramentas ou veículos, a usuários ou consumidores finais;

 II - a locação de bens móveis;

 III - locação de espaço em bens imóveis, a título de hospedagem ou para guarda de bens de qualquer natureza.

A Constituição de 1967 não modificou a competência tributária anteriormente determinada, assim o definiu em seu art. 25 – “Compete aos Municípios decretar impostos sobre: I -...; II - serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei complementar”.

O Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, estipulou as normas gerais relativas, dentre outros, ao ISS relacionando a lista de incidência do referido tributo, assim determinou o art. 8º:

 O imposto de competência de municípios sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador à prestação por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.

 A lista dos serviços contida no referido decreto compunha-se de 19 itens sujeitos a tributação do ISS. Deve-se atentar para o fato de que nesta lista, mesmo os serviços com fornecimento de mercadorias são tributados apenas com o imposto de competência municipal, enquanto, que os que não foram inseridos na lista, mesmo que também sejam executados com fornecimento de mercadorias, ficarão a cargo do imposto estadual. (FRANCO, 1989, p. 6)

No Decreto-lei 834/69, de 08 de setembro de 1969, a lista foi ampliada de 29 itens, passando a apresentar 66 itens. A Lei Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987 a ampliou ainda mais, para 100 itens, havendo veto do item 7. (GASPAR, 1994, p. 51).

A Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, em seu Art. 156, inciso III, determina que:

 “Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III- serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar.

(...)”

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Insculpido está no texto constitucional que aos Municípios incumbiu-se a tarefa de instituir o ISS mediante lei ordinária, porém, esta deverá conformar-se aos preceitos estabelecidos na legislação complementar, incumbida constitucionalmente da definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art 146, III, “a”, CF).

A Lei Complementar 116/2003, de 31 de julho de 2003, atendendo ao previsto no art. 146, traz em seu bojo a regulamentação do ISS, contendo a lista, atualmente em vigor, dos serviços tributados pela referida exação. (FIGUEIREDO, 2004, p. 12)


3. considerações acerca do conceito de serviço

Os conceitos, apesar de se caracterizarem pela imprecisão, são de suma importância. Assim, expõe Hugo de Brito Machado:

Para a preservação dos conceitos temos de buscar meios para identificar o que nos mesmos existe de essencial, ou nuclear, de sorte a que possamos distinguir uns dos outros e, assim, evitar o solapamento da hierarquia normativa que estará definitivamente destruída se admitirmos que a imprecisão justifica interpretações que ampliam, ou que restringem o alcance das normas que os albergam, além de limites razoáveis que se fazem necessários dentro do sistema normativo.

Assim, a divergência doutrinária reside no fato de que a Constituição se refere a serviços de qualquer natureza e a norma determina a competência municipal para instituir e cobrar o ISS, estando incluso em sua gama de incidência a locação de bens móveis, acreditam alguns, portanto, que a norma é inválida, pois tal inclusão é contrária ao disposto na Carta magna.

A Supremacia Constitucional é de suma importância como garantia do contribuinte. Nesse rumo, ao determinar que o ISS incide sobre serviços de qualquer natureza, se estabelece no que o encalço da resolução da questão deve se concentrar: no conceito de serviço, assim entendido pela Constituição. Dessa forma, saber-se-á se a exação em comento incide sobre a locação de bens móveis.  (Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº68, p.44/60)

Serviço é ato ou efeito de servir, de dar de si algo em forma de trabalho. (Dicionário Houaiss, 1ª edição, Objetiva, 2001, pág. 2559). Nas palavras de Maria Helena Diniz (1998, p. 311) “serviço quer dizer o exercício de qualquer atividade intelectual ou material com finalidade lucrativa ou produtiva.”

Nesse toar, Plácido e Silva (1987, p. 215) esclarece que a expressão serviço “designa o próprio trabalho a ser executado, definindo a obra, o exercício do ofício, o expediente, o mister, a tarefa, a ocupação ou a função”.


4. DA INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS

A Lei complementar n.116/2003 traz em seu bojo a lista dos serviços tributados pelo referido gravame. A antiga lista do Decreto-lei n.406/68 não possuía subitens, um diferencial apresentado pela LC 116. Tanto a lista antiga quanto a atual foram elaboradas tendo com base no conceito econômico de serviço, este seria a circulação de todo bem incorpóreo.

No ano de 2000, o STF mudou de posicionamento quando julgou a locação de bem móvel (foi 6 a 5 a votação). Neste ano, ainda vigorava a lista do Decreto-lei, o item constava da numeração de nº79.

O STF passou a entender que o conceito de serviço seria jurídico. Baseou-se no art. 110, do CTN que determina que quando se utilizar um conceito de direito privado na Constituição Federal para definir competência a lei tributária não pode mudar de conceito.

No Código Civil de 1916 o conceito de serviço englobava uma obrigação de fazer e a locação envolvia uma obrigação de dar.

Nesse rumo, o item 79 da lista antiga, locação de bens móveis, não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por estas razões, o item 3.01 da lei atual foi vetado.

A Súmula nº 31 pacifica a questão ao explanar que “é inconstitucional a incidência de Imposto de Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operação de locação de bens móveis”.

Neste sentido o entendimento jurisprudencial se faz pertinente:

EMENTA: LOCAÇÃO DE FITAS DE VÍDEO. DVDS E CONGÊNERES – ISSQN – IMPOSSIBILIDADE. Conforme enunciado da Súmula Vinculante nº 31, do STF, é inconstitucional a incidência do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza –ISSQN- sobre operações de locação de bens móveis. Recurso provido. (TJ-SP – Apelação APL 994081581109 SP (TJ-SP).

EMENTA: TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Imposto sobre serviços - Contrato de locação. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional. RE 116.121, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 11.10.2000, DJ de 25.5.2001.

EMENTA: IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - Inadmissibilidade, em tal hipótese, da incidência desse tributo municipal - Distinção necessária entre locação de bens móveis (obrigação de dar ou de entregar) e prestação de serviços (obrigação de fazer) - Impossibilidade de a legislação tributária municipal alterar a definição e o alcance de conceitos de Direito Privado (CTN, art. 110) - Inconstitucionalidade do item 79 da antiga lista de serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68 - Precedentes do Supremo Tribunal Federal - Recurso improvido. - Não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Precedentes (STF). Doutrina. RE 446.003 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgamento em 30.5.2006, DJ de 4.8.2006.

Assim, soluciona-se, por exemplo, a questão das chamadas “locações puras”, caso da locação de DVDs, trata-se de obrigação de entregar a coisa e não há incidência de ISS sobre estas. Se houver tributação por parte de algum município, uma empresa ainda não notificada pelo Fisco, que ainda não realizou nenhum pagamento deverá utilizar-se do Mandado de Segurança com pedido de liminar para suspender o pagamento (art. 151, IV, CTN).  


5. CONCLUSÃO

Portanto, sobre a locação de bem móvel, quando esta se dá de forma pura, como simples obrigação de entregar a coisa, não há incidência de ISS, sob pena de se cometer crassa inconstitucionalidade. O atual conceito de serviço adotado constitucionalmente é o jurídico, concebe-se serviço como obrigação de fazer, ao fugir-se deste toar, não se configura fato gerador da exação devendo o seu pagamento ser suspenso por meio de medida liminar.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FIGUEIREDO, Adriana Stamato; Mota, Douglas. Aspectos Relevantes da Nova lei do ISS. In. Martins, Ives. Gandra da Silva; Peixoto, Marcelo Magalhães. ISS- Lei Complementar 116/2003. Curitiba: Juruá, 2004;

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GASPAR, Walter. ISS: Teoria e Prática. Rio de janeiro, Lúmen Júris, 1994;

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MACHADO, Hugo de Brito. O ISS e a Locação ou Cessão de Direitos de Uso. Disponívelem:<http//qiscombr.winconnection.net/hugomachado/conteúdo.asp?home=1&seção=2&situação=2&doc-id=129> Acesso em: 02 de out. de 2014;

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Taynara Cristina Braga. A questão da incidência do ISS sobre a locação de bens móveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4138, 30 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32665. Acesso em: 22 nov. 2024.

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